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17 de Maio de 2004

Artigo - Registro do filho na reprodução heteróloga

As questões relativas à fecundação artificial das mulheres continua a despertar o interesse dos leitores, o que se percebe pelo número de perguntas a respeito, até em encontros ocasionais de rua. Noto que seus efeitos, no novo Código Civil, ainda não foram bem percebidos, sobretudo quanto ao registro dos filhos.

Vamos aos fatos. Os casos de fecundação homóloga, para os casados, seguem a regra geral: o pai ou a mãe pode pedir o registro sem declarar se a gravidez resultou de relação sexual entre os componentes do casal ou se foi obtida em laboratório.

As principais dúvidas dizem respeito à inseminação heteróloga. Tentarei a explicação, ao mesmo tempo resumida e clara, para essa hipótese prevista no artigo 1.597, inciso 5º do Código Civil.

Há três alternativas básicas para gestação pela esposa ou companheira: o óvulo não é da esposa ou companheira a ser inseminada; o sêmen não é do marido ou companheiro da mulher; nem o óvulo, nem o sêmen são dos componentes do casal.

O fornecedor e a fornecedora de sêmen e do óvulo para inseminação heteróloga devem ter sua identidade ignorada pelo casal. Será sempre conhecida da clínica, do laboratório ou do hospital em que a reprodução assistida for praticada. O rigoroso sigilo é imprescindível, salvo ordem judicial para sua revelação. Decorre do artigo 1.597 e da Constituição que nenhum parentesco haverá entre a criança assim gerada e o(a) fornecedor(a) do esperma ou óvulo. A realidade científica da produção do embrião heterólogo afastará a realidade biológica dos que lhe deram origem.

Uma hipótese relevante, em matéria de paternidade, é a de o marido ou companheiro ser azoospérmico (não produz esperma) ou ter número insuficiente de espermatozóides para a fecundação. Adotado voluntariamente, o registro do filho é irrevogável.

Muito embora a clínica de reprodução deva manter sigilo sobre os fornecedores estranhos, não decorre do Código que tanto o homem ou a mulher possam escolher um(a) fornecedor(a) ou estejam impedidos de lhe conhecer o nome. Nesses casos há elemento obrigacional a considerar -a responsabilidade da clínica ou do laboratório deverá ser rigorosamente ressalvada. Poderá ser útil a ata notarial, denominação dada a espécie de instrumento criado pela Lei n. 8.935/94, na qual os interessados como futuros pais afirmem a sua responsabilidade pela recíproca concordância e aceitação do resultado.

A terceira e última hipótese básica é composta por duas variáveis. Na primeira, ambos os cônjuges ou companheiros são incapazes de gerar filhos, mas a mulher está capacitada para gestar embrião que para ela seja transferido, depois de criado em laboratório. A segunda é composta pelo chamado ventre de aluguel, onde se desenvolverá a gestação, com óvulos e sêmen do casal, ante a impossibilidade de a esposa ou companheira gestar o embrião.

Há alternativas menos usuais. Aquela que veio a ser chamada de produção independente é uma delas. Adotável apenas pela mulher (inseminação artificial, com seu próprio óvulo e sêmen colhido de doador ignorado). Não há impedimento legal para essa conduta, embora possa criar problemas para o filho, por faltar-lhe o pai, sem possibilidade de o identificar. Talvez essa condição psicológica venha a ser superada por novos costumes. O número de variáveis vai ao infinito.

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - Letras Jurídicas
Autor: Walter Ceneviva
Data: 15/05/2004

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