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10 de Dezembro de 2012

Jurisprudência - Inventário - Casamento c/ comunhão parcial de bens - Cônjuge meeiro em relação aos bens comuns e herdeiro em relação aos bens particulaes - Art. 1.829, I, do CC/02

AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO - CASAMENTO PELO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS - CÔNJUGE MEEIRO EM RELAÇÃO AOS BENS COMUNS E HERDEIRO EM RELAÇÃO AOS BENS PARTICULARES - ART. 1.829, I, DO CC/02

- Tendo o casamento sido celebrado no regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge supérstite será meeiro em relação aos bens comuns e herdeiro apenas em relação aos bens particulares, evitando-se, dessa forma, a ocorrência de bis in idem.

- Entender de maneira diversa consistira em privilegiar aquele que fora casado pelo regime da comunhão parcial de bens, em relação àquele que fora casado pelo regime da comunhão universal, o que, data venia, não se mostra acertado.

Recurso desprovido.

Agravo de Instrumento Cível n° 1.0024.10.199410-1/001 - Comarca de Belo Horizonte - Agravante: Adriana Fernandes Vieira inventariante do espólio de Ademir Nilton Vieira - Agravado: Marli Constantino Rezende Vieira - Relator: Des. Eduardo Andrade

A C Ó R D Ã O



Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Eduardo Andrade, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 26 de junho de 2012. - Eduardo Andrade - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

Proferiu sustentação oral, pela agravante, a Dr.ª Tereza Cristina Monteiro Mafra.

DES. EDUARDO ANDRADE - Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão de f. 78-TJ que, nos autos do inventário dos bens deixados por Ademir Nilton Vieira, esclareceu que a viúva, ora agravada, não seria herdeira, mas apenas meeira, caso o de cujus não tenha deixado bens particulares, em razão de terem sido casados pelo regime da comunhão parcial de bens, determinando, ainda, que as partes apresentassem plano de partilha que condissesse com referido regime de bens.

Inconformada, a agravante interpôs o presente recurso, suscitando preliminar de nulidade da decisão agravada, por ausência de fundamentação. No mérito, defendeu que o mesmo não se coaduna com a legislação vigente, desobedecendo, ainda, à interpretação que seria mais lógica e justa do art. 1.829, I, do CC/02, já conferida pelo c. STJ. Esclareceu que, no regime da comunhão parcial de bens, deve ser reconhecido à viúva-meeira o direito de concorrer como herdeira apenas em relação aos bens comuns, e não aos particulares. Pugnou pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso e, ao final, pela reforma da decisão agravada (f. 02/15-TJ).

À f. 133-v.-TJ, foi deferido o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso.

Regularmente intimada, a agravada respondeu ao recurso (f. 140/146-TJ), pugnando, em resumo, pelo seu desprovimento.

Remetidos os autos à d. Procuradoria-Geral de Justiça, o i. representante do Ministério Público, Dr. Geraldo de Faria Martins da Costa, afirmou ser dispensável a manifestação do Parquet no presente caso (f. 149-TJ).

Conheço do recurso, uma vez presentes seus pressupostos de admissibilidade.

Preliminar - Nulidade da decisão por ausência de fundamentação.

Argui a agravante nulidade do decisum, porquanto desprovido de fundamentação.

A preliminar não prospera, rogata venia.

Como é sabido, decisão com motivação sucinta não é o mesmo que decisão não fundamentada. Esta leva à nulidade do decisum; aquela, não.

De outro norte, observo que a agravante, em verdade, se insurge contra os fundamentos adotados pela d. Magistrada a quo, o que, com mais um pedido de venia, não é suficiente para ensejar o reconhecimento de nulidade da decisão.

Rejeito, pois, a preliminar.

Mérito.

Sem maiores delongas, observo que a agravante se insurge contra o decisum que determinou a apresentação de plano de partilha que se adapte ao regime da comunhão parcial de bens, no qual o de cujus fora casado com a viúva, ora agravada, esclarecendo, ainda, que esta só será herdeira em relação aos eventuais bens particulares.

No entendimento da recorrente, a viúva deveria ser meeira e herdeira apenas em relação aos bens comuns, e não aos particulares.

Contudo, razão não lhe assiste.

Dispõe o art.1.829, I, do CC/02:

"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;".



Analisando-se referido dispositivo legal, resta claro que a intenção do legislador consistia em valorizar o cônjuge, sem, contudo, permitir que aquele que fosse meeiro também fosse herdeiro, sendo este o entendimento do qual compartilho.

Por isso, não vislumbro como permitir que a viúva, ora agravada, além de ser meeira em relação aos bens comuns, seja herdeira também em relação aos bens comuns e não apenas em relação aos particulares, sob pena de se autorizar, assim, a ocorrência de bis in idem, o que não deve ser tolerado pelo Direito.

Nesse cenário, deve ser privilegiado o entendimento da i. Magistrada de primeiro grau, a qual assegurou à agravada, que fora casada com o de cujus pelo regime da comunhão parcial de bens, o direito à meação em relação aos bens comuns e à herança em relação aos bens particulares.

Acerca do REsp nº992.749, mencionado pela agravante em suas razões recursais, de relatoria da operosa Ministra Nancy Andrighi, que conferiu nova linha interpretativa ao tema em debate, entendendo que, na comunhão parcial, o cônjuge, além de ser meeiro, herdaria em concorrência com os descendentes em relação apenas aos bens comuns, e não aos particulares, peço licença para transcrever o posicionamento do Juiz de Direito Mauro Antonini, o qual coaduna com meu ponto de vista:

"Tal orientação jurisprudencial, caso venha a se consolidar, acarretará tratamento mais favorecido ao casado pela comunhão parcial do que pela universal, o que, como antes salientado, parece ser um absurdo" (Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n.10.406, de 10.01.2002. 5. ed. Barueri: Manole, 2011 - p. 2.224).

A propósito, este também é o entendimento deste eg. TJMG, inclusive o desta 1ª Câmara Cível:

"Ementa: Inventário - Sucessão legítima - Regime de comunhão parcial de bens - Bens comuns e particulares - Viúva - Meeira de bens comuns - Herdeira de bem particular - Art. 1829, inc. I, CC - Sentença reformada. - Sendo o casamento celebrado sob o regime de comunhão parcial, mas deixando o falecido bens particulares, em relação a estes a viúva concorrerá com os descendentes, cada um tendo direito a frações equitativas do patrimônio, pois quanto a este o cônjuge sobrevivente não terá direito à meação, enquanto receberá somente a meação dos bens comuns, dos quais não será herdeira. Isto com base no raciocínio de que onde cabe comunhão não é cabível concorrência com descendentes, pois já teria sido beneficiada e vice-versa" (Apelação Cível n° 1.0024.04.463851-8/001.- Relator: Des. Nepomuceno Silva. Publicado em 19.12.2007).

"Ementa: Inventário - Sucessão legítima - Regime de comunhão parcial de bens - Bens comuns e particulares - Cônjuge supérstite - Meeiro e herdeiro. - Tendo sido o casamento celebrado no regime de comunhão parcial, deixando o falecido bens particulares, receberá o cônjuge supérstite a sua meação nos bens comuns adquiridos na constância do casamento e concorrerá com os descendentes na partilha dos bens particulares" (Apelação Cível n° 1.0024.03.182553-2/001 - Relator: Des. Geraldo Augusto. Publicado em 27.10.2006).

Com tais considerações, nego provimento ao recurso.

DES. GERALDO AUGUSTO - Sr. Presidente. Diante do caso concreto e específico e em homenagem à manifestação da ilustre Patrona, gostaria de analisá-lo com mais cuidado, razão por que peço vista.

Súmula - PEDIU VISTA O 1º VOGAL, APÓS VOTAR O RELATOR NEGANDO PROVIMENTO AO RECURSO.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

Assistiu ao julgamento, pela agravante, o Dr. Guilherme da Mata Vasconcelos.

DES. PRESIDENTE (EDUARDO ANDRADE) - O julgamento deste feito foi adiado na sessão do dia 22.05.2012, a pedido do 1º Vogal, após votar o Relator, negando provimento ao recurso.

Com a palavra o Des. Geraldo Augusto.

DES. GERALDO AUGUSTO - Eminente Presidente, nobres Pares.

Pedi vista destes autos, para analisar novamente as teses doutrinárias a respeito da matéria, a evolução jurisprudencial e o caso concreto em julgamento.

Verifica-se, de plano, que o despacho agravado é inicial; apenas determinou a apresentação de plano de partilha "que se coadune com o regime adotado" (comunhão parcial de bens).

O núcleo da discussão em doutrina está no aparente confronto entre as normas que conceituam e dispõem, no Código Civil, os institutos da meação e herança.

A primeira, situada no direito de família, é direito próprio do cônjuge à metade dos bens comuns do casal, oriundo do regime patrimonial do casamento, momento em que é efetivamente adquirido, e por isso preexistente à abertura da sucessão.

A segunda, situada no direito das sucessões, liga-se ao parentesco com o falecido, do qual se origina a qualidade de herdeiro, conforme a disposição legal, fixado ou adquirido quando do falecimento ou abertura da sucessão.

Embora a inegável conexão entre a modalidade de regime de bens do casamento e o direito hereditário, conclui-se, sem dúvida, tratar-se de conjuntos de regras e princípios diversos.

Na leitura da legislação atual, o direito do cônjuge sobrevivente à herança, no regime da comunhão parcial, será apenas de uma quota-parte dos bens particulares do cônjuge falecido/autor da herança, uma vez que, em relação aos bens comuns, já se encontra protegido pela meação.

Nessa circunstância, o Código Civil atual (arts. 1.829 e 1.845) não elevou o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário apenas, mas à de herdeiro necessário privilegiado, pois pode concorrer com os descendentes, na 1ª classe dos herdeiros legítimos; com os ascendentes, na 2ª classe sucessória ou, ocupar, sozinho, a 3ª classe dos sucessíveis. Isso, fruto da inegável evolução da legislação, em ascensão gradativa, da proteção conferida ao cônjuge sobrevivente.

Entretanto, pressupondo o legislador a comunicabilidade total de bens no regime da comunhão universal e a completa incomunicabilidade na separação legal/obrigatória, excluiu o cônjuge sobrevivente da vocação hereditária nessas situações.

Em sua parte final, o art. 1.829, I, do Código Civil afirma que o cônjuge sobrevivente, casado no regime patrimonial da comunhão parcial de bens, concorre com os descendentes, se o cônjuge falecido/autor da herança deixou bens particulares.

No sentido contrário, se o autor da herança não deixou bens particulares, só há bens comuns, por tal razão, o cônjuge sobrevivente não concorre com os descendentes e a totalidade do acervo hereditário (meação do cônjuge falecido) será de propriedade exclusiva dos últimos

Na interpretação das normas jurídicas, o julgador não deve seguir exegese literal e isolada. A partir do texto da lei, deve orientar-se por uma interpretação não só construtiva, mas também sistemática, em busca do sentido/espírito da norma.

O operador do Direito, julgador, na aplicação da lei ao caso concreto, deve compreender e ter cuidado de limitar-se à interpretação construtiva da norma existente, admissível em certos casos; mas não extrapolar a interpretação, ingressando no campo da criação normativa, do que entende "deveria ser", o que ao intérprete é vedado ao próprio Juiz é proibido, porque estará tomando o lugar e exercendo a função do Legislativo, praticando um excesso.

Sob esse enfoque, conclui-se que o cônjuge sobrevivente casado sob o regime da comunhão parcial de bens, compondo o acervo só bens comuns, terá direito à sua meação e o herdeiro/descendente à meação do cônjuge falecido; compondo o acervo bens comuns e bens particulares, terá direito à sua meação e concorrerá/herdará com o descendente em quota-parte somente dos bens particulares; compondo o acervo só bens particulares, concorrerá/herdará com o descendente em quota-parte destes.

Embora persista, em parte, a polêmica no âmbito doutrinário e algum resquício dela na jurisprudência, a maioria desta, inclusive em julgamentos pelo STJ, em sua função maior de harmonizar os entendimentos e decisões judiciais, vem-se assentando, em geral, quanto à aplicação mais correta do que dispõe o art. 1.829, I, parte final, do Código Civil, em que a concorrência entre os descendentes comuns ou só do falecido e o cônjuge sobrevivente, casado sob o regime de comunhão parcial de bens, como previsto naquele dispositivo legal, só ocorre se o falecido deixar bens particulares e só sobre estes.

A jurisprudência majoritária, entretanto, com razão, preocupa-se e reitera a possibilidade de o julgador, frente a cada caso concreto, valendo-se das regras da experiência e da boa interpretação, adequar a distribuição da quota-parte dos descendentes e do cônjuge, de modo a evitar eventual subversão do sentido da norma ou prejuízo na equidade entre as partes, no valor que tocar a cada qual, no conjunto do acervo hereditário.

Diante da ênfase da citação e discussão nestes autos sobre o entendimento da Ministra Nancy Andrigh (f. 79/114-TJ) na ocasião do julgamento do REsp n. 992749/MS, pela colenda 3ª Turma do STJ, em 1º.dezembro.2009, anota-se que, embora conste do texto da longa ementa e do próprio voto manifestação sobre sucessão do cônjuge no regime da comunhão parcial de bens, sugerindo a concorrência hereditária sobre os bens comuns, além da meação e que os bens particulares devam ficar unicamente para os descendentes, observa-se que tal restou apenas em manifestação/sugestão; visto que o caso/objeto de julgamento e que foi decidido em tal limitação foi outro, conforme a mesma ementa: inventário/partilha envolvendo cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação total/convencional de bens, celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública, concorrendo com herdeiro/descendente do falecido. Assim, julgou-se e aplicou-se o dispositivo do art. 1.829-I, CC, restrito a essa parte a que se expressa e àquele caso concreto, nesta circunstância específica.

No caso destes autos, em julgamento, o teor do despacho agravado (f. 78-TJ) objeto da discussão neste recurso é o seguinte:

"A viúva era casada com o falecido pelo regime da comunhão parcial de bens, conforme certidão de f. 07. É sabido que, no aludido regime, os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges, enquanto solteiros, são bens particulares e continuam pertencendo a seu titular. Lado outro, também os bens recebidos na constância do casamento, por doação ou herança, não se comunicam. Assim, somente o que for adquirido onerosamente na vigência do casamento é que passa a pertencer a ambos, metade para cada um. Lado outro, a viúva não terá direito a parte na herança quando o falecido não deixar bens particulares, inexistindo, assim concorrência sucessória. Por conseguinte, deverá ser apresentado plano de partilha que se coadune com o regime de casamento adotado, em conformidade com o acima aduzido, comprovando as partes, documentalmente, a qualidade dos bens deixados, sejam comuns ou particulares".

Como se vê, o despacho apenas anotou o regime do casamento, explicou o que seriam bens particulares e bens comuns, e, no mais, determinou a apresentação do plano de partilha, conforme aquele regime e a orientação do próprio despacho. Não houve homologação de partilha, sequer apreciação de plano de partilha. Assim, neste momento processual e limitado ao ali decidido, não merece retoque o despacho agravado.

O único ponto, objeto de dúvida/discussão doutrinária e jurisprudencial, conforme o recurso, é quanto à parte do despacho que anota:

"[...] Lado outro, a viúva não terá direito a parte na herança quando o falecido não deixar bens particulares, inexistindo, assim, a concorrência sucessória".

Adiantou a ilustre Julgadora o seu entendimento no sentido de que, por via de consequência, a viúva (agravada), tratando-se de comunhão parcial de bens, também terá direito à herança, concorrendo com as herdeiras/filhas do falecido (agravantes), se ele deixou bens particulares, e não terá tal direito se bens particulares não houver.

O teor do despacho, nesta parte, acompanha o entendimento contido nas razões acima deste voto.

Há afirmação posterior das partes de que existem bens comuns e particulares, além de dívidas e créditos compondo o acervo hereditário. Porém, há necessidade de tal relação ser concretizada e demonstrada em plano de partilha, em consenso das partes ou em acertamento/decisão do juízo.

Posteriormente, com a apresentação do plano de partilha é que se poderá ter, então, a visão ampla dos bens na totalidade do acervo hereditário para acertar a quota-parte de cada herdeiro. Nessa ocasião, é possível, e até recomendável, a critério do julgador, eventualmente, diante do caso concreto, como visto acima, adequar a distribuição da quota-parte entre os descendentes e o cônjuge, de modo a evitar eventual subversão do sentido da norma ou prejuízo na equidade entre as partes, no valor que tocar a cada qual, no conjunto do acervo hereditário.

Com tais razões, por ora e diante do momento processual inicial, restrito aos limites do despacho agravado, por esses outros motivos, acompanha-se o eminente Relator em sua conclusão e nega-se provimento ao agravo.

DES.ª VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE - Sr. Presidente.

Observando as razões apresentadas pelo eminente 1º Vogal, em se tratando de agravo de instrumento e me reservando para apreciar o mérito por ocasião de eventual apelação, também nego provimento.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

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