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25 de Março de 2020

Artigo – Migalhas - O contrato de trabalho frente à pandemia de coronavírus: Possibilidades legais com o fim de preservar os postos de trabalho

Em dias de pandemia do coronavírus, inúmeros são os questionamentos acerca dos reflexos nos contratos de trabalho. Os mais pessimistas defendem que ocorrerão demissões em massa decorrentes da ausência de demanda por mão de obra ou pela falência de empresas (de pequeno, médio e até grande porte); Há quem resguarda certo otimismo, no sentido de que em tempos de crise, alguns setores da economia necessitarão de força de trabalho, como nas empresas de saúde, indústria farmacêutica e outros.

Otimista ou pessimista, fato é que a hodierna crise mundial afeta diretamente nosso país (como não poderia ser diferente), fazendo com que Empresas e Empregados unam esforços para que sejam mantidos os postos de trabalho e a continuidade da atividade empresarial, de forma a garantir a vida, saúde e incolumidade física e psicológica dos agentes envolvidos.

Em meio a essa problemática, trazemos algumas possibilidades para que haja o enfrentamento da crise, inclusive com as alterações trazidas pela MP 927, de 22 de março de 2020.

Férias Coletivas
A impresa poderá conceder férias coletivas, seja para todos os empregados, para determinados estabelecimentos (filiais, por exemplo) ou setores da empresa (administrativo, operacional, oficina etc.).

O art. 139, parágrafos segundo e terceiro da CLT1 estabelece que que o Empregador deverá comunicar ao Ministério da Economia Local (antigo Ministério do Trabalho e Emprego) a data de início e término das férias, bem como quais estabelecimento e grupos de empregados serão abrangidos pela medida. A inobservância ao prazo para comunicação estabelecido ensejaria fiscalização e aplicação por parte do Ministério da Economia e, eventualmente, a aplicação de multa.

Entretanto, a MP 927 de 22 de março de 2020 trouxe significativa alteração: o empregador poderá conceder férias coletivas a seus empregados, devendo notificá-los com antecedência mínima de 48 horas, sendo dispensada a comunicação prévia dos sindicatos das categorias e do Órgão local do Ministério da Economia. Não mais é necessária a observância dos limites anuais e relativos aos dias corridos de férias, ficando afastada, por ora, a aplicação do art. 139, § 1º da CLT.

Dizeres outros, é permitido que o empregador conceda férias coletivas, comunicando tão somente os empregados atingidos com antecedência mínima de 48 horas, dispensada a comunicação formal ao Órgão local do Ministério da Economia e os Sindicatos.

Férias Individuais
Há a possibilidade de concessão de férias individuais aos empregados, inclusive àqueles que não tenham passado pelo período aquisitivo, como se verá oportunamente.

Concernente ao gozo das férias individuais, temos que: (i) a comunicação prévia ao empregado foi reduzida de 30 dias para 48 horas; (ii) o tempo mínimo do período de gozo será de 5 dias; (iii) o pagamento das férias poderá ser feito até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias2; (iv) o abono (terço de férias) poderá ser pago até a data da última parcela do 13º salário do ano corrente; (v) a conversão de um terço das férias em abono pecuniário (art. 143 da CLT) dependerá de concordância expressa do empregador, devendo o requerimento por parte do empregado ser feito em até 48 horas antes do início do gozo das férias; (vi) os funcionários tidos como integrantes do grupo de risco terão prioridade.

Inovação trazida também pela MP 927/20, refere-se à possibilidade de antecipação de férias individuais, mesmo não tendo havido a transcorrência do período aquisitivo. No caso de férias em que já se cumpriu o período de aquisição, aplicam-se as regras dispostas alhures.
Relativo à antecipação de férias em que não houve o cumprimento integral do período aquisitivo, sem prejuízo das ressalvas anteriores, importante ter em mente que esse instituto tem ligação direta com questões de saúde e segurança do trabalhador. Dessa forma, a antecipação das férias cujo período aquisitivo não foi integralmente cumprido, pode ocasionar o labor por dois, três, quatro ou mais anos sem gozar férias, o que é contraindicado, mormente sobre a possibilidade de aumento de casos de doenças de cunho ocupacional ou acidentes de trabalho.

Desse modo, considerando a urgência e excepcionalidade do momento, a concessão das férias seria providência que visa preservar a vida, a saúde e a incolumidade física dos empregados e da população, além de assegurar os postos de trabalho e a renda.

Licença Remunerada e Compensação 
A lei 13.979/20, que trata justamente das excepcionalidades decorrentes do coronavírus, prevê medidas de afastamento, quarentena e restrição de circulação. Em seu Art. 3º, § 3º, a referida Lei prevê o abono dos dias de falta do empregado, em consequência das medidas preventivas para fins de controle, nesse caso, da pandemia.

Noutros dizeres, o contrato de trabalho dos empregados atingidos pela quarentena ou isolamento, mesmo que não infectado, mas como medida de prevenção, ficará interrompido. Dessa forma, por se tratar de interrupção do contrato de trabalho, deverá o Empregador arcar com os salários e demais obrigações pecuniárias. 

No entanto, caso a licença seja superior a 30 dias consecutivos, o empregado não mais terá direito às férias, iniciando novo período aquisitivo se inicia após o fim desse afastamento (art. 133, inciso III, da CLT).

A Empresa poderá celebrar ajuste por escrito com os seus colaboradores, prevendo que o período de licenciamento servirá como compensação das horas extras anteriormente laboradas ou, ainda, adotar a regra do artigo 61, § 3º3, da CLT, que prevê que o empregado, mediante a interrupção da prestação de serviços, poderá prorrogar a jornada diária por até 2 horas extras (respeitando o limite de 10 horas por dia), por um período de até 45 dias, para compensar o período de afastamento.

Teletrabalho (Home Office)
Previsto nos artigos 75-A e seguintes da CLT e com alterações trazidas pela Medida Provisória 927/20, o teletrabalho é o serviço prestado preponderantemente fora das dependências da Empresa por meio de tecnologias da informação e comunicação, os quais, por sua natureza, não sejam considerados como trabalho externo.

Nesse caso, não há necessidade de novas contratações no regime de teletrabalho. Com efeito, a alteração do regime presencial para o teletrabalho e vice-versa poderá ser feita por iniciativa exclusiva do empregador, dispensada as formalidades de registro prévio por meio de aditivo contratual.

Entretanto, as alterações para o regime de teletrabalho ou a reversão deverá ser precedida de notificação com antecedência mínima de 48 horas, por escrito ou por meio eletrônico. Nesse particular, vale registrar que os equipamentos e a infraestrutura para a realização do trabalho remoto ou home office poderão ser fornecidos pelo empregador, sem que isso configure salário ou integre o contrato de trabalho.
Lado outro, não havendo o fornecimento dos equipamentos e infraestrutura, o período normal da jornada de trabalho deverá ser considerado como tempo à disposição e, portanto, haverá a necessidade de remuneração.

Merece atenção, ainda, que o tempo despendido na utilização de aplicativos ou outros programas de comunicação fora do horário ou jornada de trabalho, não será considerado como tempo à disposição do empregador, salvo se acordo individual ou coletivo contiver previsão em sentido contrário.

Por fim, é permitida também aos estagiários e aprendizes a aplicação do regime de teletrabalho, desde que observadas as disposições da Medida Provisória e leis específicas. 

Redução Salarial e da Jornada de Trabalho 
Não por acaso vista por derradeiro, a Constituição Federal permite4 a redução dos salários por meio de negociação coletiva. Assim, é possível que o Acordo Coletivo ou a Convenção Coletiva e Trabalho estabeleçam a redução da jornada de trabalho com a consequente adequação da remuneração devida.

A adequação poderá abranger a jornada (tempo/horas) ou dias de trabalho, sendo vedado o trabalho em regime extraordinário, sob pena de nulidade do novo regime. Importante repisar que redução feita por meio de negociação coletiva deverá observar os princípios constitucionais da dignidade humana e vedação ao retrocesso. 

Para a negociação coletiva, o Sindicato convocará assembleia geral e, caso não haja a celebração de acordo, a Empresa poderá submeter os termos à Justiça do Trabalho. A nosso sentir, o art. 503 da CLT não foi recepcionado pela Carta Republicana, mormente porque essa trouxe previsão expressa de que a redução salarial só será possível mediante negociação coletiva.

Na mesma esteira segue a lei 4.923/65, de modo que os critérios nela previstos (à exceção do caput do art. 2º) não serão aplicados. Isso porque o critério de flexibilização escolhido pelo legislador constituinte foi a negociação coletiva, sendo essa específica e mais acurada no que diz respeito à defesa dos empregados e à saúde da empresa.

Todavia, não há empecilho para a adoção dos critérios da supramencionada lei, desde que sejam feitos por instrumento coletivo de trabalho (acordo ou convenção).

Considerando o contexto e a motivação da adoção dessa medida, principalmente no que diz respeito ao zelo pela saúde dos colaboradores e das pessoas da sociedade em geral, entendemos que a aplicação de multa ou ações judiciais que discutam a (i)legalidade das férias concedidas poderá ser dirimida, com base nos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, supremacia do interesse público/coletivo sobre o privado.

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