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10 de Fevereiro de 2004

Clipping - Revista Veja - Os tesouros da Cúria

Com mais de 15 milhões de documentos, arquivo permite pesquisas sobre famílias paulistanas e a história da cidade

Em 1733, uma jovem católica paulistana pediu a sua paróquia para ajudá-la. O homem por quem havia se apaixonado fugira depois de lhe tirar "a virgindade e a honra" com a promessa de casamento. Procurado pela Justiça eclesiástica, o amante alegou inocência e acrescentou que a moça era feia, desdentada e de "fama pública", antigo eufemismo para prostituta. Ela então mostrou ao padre duas cartas de amor, nas quais estavam escritas frases galanteadoras, iniciadas com declarações como "minha muy querida prenda e senhora..." Histórias como essa podem ser encontradas aos montes no Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo, que reúne registros de batizados, casamentos, óbitos e outros interessantes manuscritos relativos à capital e às vizinhanças desde o século XVII. O acervo, que aguarda patrocínio para ser informatizado, está aberto diariamente para quem quiser fazer pesquisas sobre a história da cidade ou de suas famílias.

Localizado no bairro do Ipiranga, ele reúne mais de 15 milhões de documentos. Só os registros de batizados chegam a cerca de 10 milhões, sendo o primeiro datado de 1640. A partir dessas certidões de nascimento e morte de dezenas de gerações, é possível descobrir preciosidades sobre a vida de São Paulo na época do Brasil colônia e no Império. "Pesquisando a causa mortis dos moradores em um determinado período, consegue-se traçar o perfil de várias epidemias", diz Jair Mongelli, diretor técnico do arquivo.

Esses documentos pertencem à Cúria porque, até a proclamação da República, em 1899, muitas funções hoje restritas aos cartórios eram das paróquias. "A Igreja servia como um departamento do Estado, realizando até uma espécie de censo", conta o diretor, referindo-se ao chamado "Rol de Famílias". Todos os anos, os padres eram obrigados a contar o número de pessoas nas casas pertencentes a suas paróquias. Um deles, em 1802, contabilizou 10.330 habitantes na região central. Entre as anotações pitorescas do clérigo, estão o número de mulheres chefes de família e o de escravos em cada residência. Em uma delas, por exemplo, viviam as duas donas da casa - e 22 escravos.

Curiosidades do acervo

No arquivo, estão os registros de nascimento, batizado e morte da marquesa de Santos, amante de dom Pedro I. Na certidão de casamento, ela assina Dimitilia, e não Domitila, como ficou conhecida. Esse talvez seja seu nome correto.

Em um dos documentos sobre escravos, sem data precisa (entre 1850 e 1873), um padre de Una, atual Ibiúna, faz um protesto contra a Igreja e a escravidão: "Vós, ministros dessa religião, cometeis um crime quando recebeis na pia batismal um inocente com a nota infame de escravo".

Data de 1971, portanto, há apenas 33 anos, o registro da primeira mulher a entrar de calça comprida numa igreja de São Paulo.

Arquivo da Cúria Metropolitana. Avenida Nazaré, 993, Ipiranga, tel. 272-3644, segunda a sexta, das 13h às 16h30. (Veja São Paulo, Seção: Memória, 28/1/2004, p.52).

Autor: Erika Sallum

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