Notícias

19 de Abril de 2004

Justiça permite que transexual altere sua documentação

Um transexual ganhou na Justiça o direito de mudar seu nome e de contar com a expressão "sexo feminino" em sua documentação civil. A decisão é da 7ª Vara da Família e Sucessões do Fórum Central de São Paulo. Ainda cabe recurso.

O autor da ação recorreu à Justiça alegando que, apesar de ter se submetido à cirurgia para troca de sexo em hospital público, com sucesso, o fato de seus documentos ainda registrarem a identificação masculina era motivo de inúmeros transtornos, como o preconceito de que freqüentemente era vítima.

Consta do processo que o transexual vive maritalmente com um homem, relaciona-se sexualmente, tem todas as características e porta-se como uma mulher. Dessa forma, a troca da documentação apenas autenticaria uma situação que já existe de fato.

Em seu parecer, o Ministério Público requereu a extição do pedido, sob a alegação de carência. O juiz Elcio Trujillo, contudo, acolheu os argumentos do transexual e deferiu o pedido para alterar seus documentos.

Na sentença, o juiz entendeu que, efetivada a cirurgia de troca de sexo em hospital público, reconhecida pelo Estado, não se pode, agora, negar o direito à alteração de seus registros civis.

E questinou: "Como o agente de defesa social - o Ministério Público - posto pelo Estado para zelar pela cidadania vem negar-se a reconhecer o que o próprio Estado realizou em prol do cidadão, ausente prejuízo para terceiros?"

Leia a sentença:

Vistos etc...
"Ainda que nós, como geração, não sejamos capazes de resolver determinadas contradições próprias da condição humana, isto não significa que possamos considerar os obstáculos como definitivos..." (in "Ser Livre", Flávio Gikovate, 4ª edição, MG Editores Associados, São Paulo, 1984, pág. 15)
Diante razões constantes à fls. _, juntados documentos de fls. 5/10, P.C.O, qualificado, submetido a cirurgia de transgenitalização em hospital público, na condição de transexual, pediu alteração junto ao assento de nascimento, do seu nome, passando a chamar-se P.C.O, bem como do sexo, de masculino para feminino.
Em manifestação de fls. 21/41, o representante do Ministério Público requereu a extinção do feito diante manifesta carência. A condição resultou afastada, determinado, em r. despacho de fls. 43, vinda de novos documentos, ausente recurso pelo MP.
Em r. despacho saneador de fls. 53/54 determinada a realização de perícia médica junto ao IMESC bem como requisitadas cópias do prontuário médico do requerente junto ao Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
Laudo juntado à fls. 131/133.
Requerente com depoimento prestado à fls. 147/149.
Alegações finais, pelo requerente à fls. 151/155 e, pelo MP, à fls. 156.
Relatado,

DECIDO.
Julgo o feito no estado em que se encontra.
Dispensável, no caso, maior produção probatória.
Prontuário médico, em cópia, juntado aos autos.
Neste, todo o histórico do atendimento médico e do procedimento cirúrgico.
Resultado, pelos dados ali descritos, satisfatório.
Transformação ocorrida.
Apresentava o requerente o órgão masculino.
Com a intervenção cirúrgica, em trabalho técnico de realce, a mudança para o órgão sexual feminino.
Daí o pedido de alteração.
Comportamento e visual de mulher.
Atitudes e relacionamento com características do sexo feminino.
O laudo elaborado pelo IMESC - fls. 131/133 - apresenta regular radiografia do caso.
Genitália semelhante a vagina - fls. 132 - sendo a resolução cirúrgica de boa qualidade.
Vive o requerente maritalmente com homem e relaciona-se sexualmente como mulher - fls. 132, do laudo referido.
A fls. 147/148, em longo e detalhado depoimento, o requerente traduziu sua vida de problemas e desencontros bem como a realidade vivida.
Sustentou mesmo conteúdo posto em laudo não impugnado.
Apresenta-se, desde criança, como mulher.
Veste-se, desde tenra idade, como mulher.
Relaciona-se como mulher.
Tem companheiro homem. Mantém relacionamento sexual satisfatório a contar da cirurgia.
É, em realidade do comportamento, uma mulher.
Certamente com limitações em termos de procriação.
O mais, equipara-se ao sexo feminino.
Importa salientar que o requerente nasceu em parto de trigêmeos.
Um irmão, uma irmã.
E o requerente.
A aceitação da sua condição, desde criança, pela família.
Um quadro, repetindo, de dificuldades quanto a identificação.
A vida de uma mulher.
A documentação de um homem.
Os constrangimentos decorrentes.
A Constituição veda qualquer distinção ou mesmo tratamento preconceituoso.
Todos sob sua tutela e em busca do seu amparo.
Direitos e garantias individuais presentes.
Muito poderia ser posto em termos filosóficos.
Sobre a vida, sobre a história, sobre os povos.
Sobre o convívio, a aceitação e a participação.
Tenho, entretanto, dispensáveis tais questionamentos.
O processo trata de uma vida.
Sem espaço para os tratados em elaboração de teses.
Apenas a análise da realidade em face da legislação vigente.
O quadro guarda acaloradas disputas.
Também discórdias.
O que é homem? O que é mulher?
A presença da transexualidade.
Vigente ao longo da vida e dos tempos.
Os dramas sem retrato.
Os retratos sem figuras.
As imagens escondidas.
Mas presente a dor, o preconceito, o sofrimento.

O mundo muda. A vida se altera.
A esperança se faz presente.
A construção do Estado, pela Nação, em busca da melhoria da vida.
Do respeito integral as individualidades.
Da consideração pelas diferenças.
Do aperfeiçoamento das realidades.
Da solução para os conflitos.
O Judiciário como Poder do Estado revelando-se muito mais como da Nação.
A trazer solução para a existência e a relação entre as pessoas.
A busca da solução diante da lei.
Regras que se apresentam para melhorar a condição dos cidadãos.
E nesse limite, todos iguais.
Sem qualquer distinção.
Nesse comando, apurada a realidade vivida por P., como negar, em parcela de Poder, o atendimento.
Judiciário na análise.

O Estado juiz presente.

Assine nossa newsletter