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09 de Dezembro de 2014

Artigo - A mediação nossa de cada dia - Por Milton Fernando Lamanauskas

 A efetividade dos direitos e garantias do cidadão só será possibilitada com o livre acesso a uma ordem jurídica justa. Quando o litígio se instaura e a única saída é bater às portas do Judiciário, há dúvida se a justiça será feita. Não por descrédito do Judiciário, nem pelas mazelas que tornam duvidosa a entrega satisfatória da prestação jurisdicional.  Mas pela simples razão que o Judiciário não é - e não deve - ser a única forma de ser fazer justiça.

Como disse Kazuo Watanabe, grande estudioso do tema, é necessário acabar com a dependência exclusiva da máquina estatal para a sociedade resolver seus conflitos. [1]. A crise judiciária, caracterizada por um demandismo excessivo e crescente, não tem sido amenizada pela opção obsessiva em eliminar processos a qualquer custo, tendo como norte a celeridade, lastreada em acordos mal embasados. Ao contrário, ministra-se o remédio errado para curar a doença que não é a que causa o mal estar no paciente. Lidar com os processos e fornecer uma resposta com qualidade deveria ser o objetivo ao invés de propiciar mais do mesmo: mais cargos, mais recursos, mais estrutura. Não parece ser a solução para um melhor acesso à justiça o agigantamento da já emperrada máquina estatal. O modelo se esgotou. Não consegue mais propiciar soluções pacificadoras.

Louvável é o trabalho do CNJ na insistente implantação da conciliação e mediação no meio judicial, capacitando seus operadores, conscientizando os jurisdicionados e recentemente criando juízos especializados na atividade. Mas ainda sobrevive intensa a premência de expansão de suas fronteiras. A Resolução 125 do CNJ traz em seu bojo essa necessidade: “Art. 3º O CNJ auxiliará os tribunais na organização dos serviços mencionados no art. 1º, podendo ser firmadas parcerias com entidades públicas e privadas”.

Como constatou Érica Barbosa: “É preciso frisar que a investigação feita confirma a insuficiência do modelo tradicional oferecido pelo Judiciário para resolução de conflitos, posto que não contempla a enorme complexidade nem as inúmeras expectativas das partes. A resposta ao conflito deve ser plural”. [2] De acordo com Celso Campilongo: “Outras organizações que contribuam para a concretização do direito - especialmente segmentos reconhecidos pela população, como serventias extrajudiciais - também são bem vindas.”[3] É nesse contexto que surge a necessidade de se buscar, fora da estrutura estatal, porém com absoluto regramento de direito público, a conciliação e a mediação. Aparece, deste modo, como possibilidade, sua execução por meio das serventias extrajudiciais, já instaladas e funcionando em nosso país, com vistas a fornecer a almejada segurança jurídica, publicidade, eficácia e com profissionais a quem foi delegado poder da fé-pública, como forma de garantir a pacificação social.

Em palestra ministrada no XIX Simpósio Notarial ocorrida em outubro deste ano em São Paulo, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Desembargador José Renato Nalini, tratando de novas perspectivas extrajudiciais, demonstrou que a delegação de serviços públicos é o caminho a ser seguido para as atividades estatais em busca de eficiência. Para o Desembargador, o Estado, que não cabe no PIB, é custoso, pesado, ineficiente. A criação de cargos estatais não poderá ser continuada.  A delegação libera o Estado e estimula o pioneirismo, a criatividade, a eficiência. Os serviços públicos delegados estão muito à frente do que o Estado pode e consegue propiciar. Acrescentou ainda o ilustre palestrante, que, o notariado com 450 anos pode ajudar o irmão mais novo, de 140 anos. E demonstrou a vantagem da atividade notarial em desempenhar esta tarefa para a sociedade, lembrando que o Tabelião é o primeiro juiz da causa, que previne litígios, sem percorrer as 4 instâncias, sem demorar por 15 a 20 anos, com 50 tipos de recursos. Diante deste quadro, o jurista não poupou críticas à suspensão administrativa da eficácia do provimento CG-SP 17/2013, em procedimento indeferido monocraticamente por representante que não se declarou suspeito ao analisar pleito da classe que o nomeia [4]. Mas que, enfim, nada alterou em termos de ordenamento jurídico, pois o que o provimento fez foi regulamentar algo que já está na lei [5] e que o Tabelião já faz no dia a dia, concluiu o Desembargador.

A praxe da atividade notarial tem provado que estes profissionais atuam no seu dia-a-dia de forma conciliadora, pois buscam fornecer a melhor orientação para os usuários, sem relegar o aspecto da segurança jurídica, uma vez que responsáveis pela prática de seus atos. Isso é facilmente observável num simples contrato de venda e compra, no qual por vezes as partes necessitam chegar a um bom termo.

Igualmente em um divórcio, no qual os divorciandos necessitam amparar alguma aresta, para conseguir uma solução pacífica. Nos inventários, quando há eventual discordância de herdeiros ou quando necessário esclarecer às partes como funciona a sucessão, muitas vezes as diferenças advindas da falta de conhecimento se esvaem. Na formalização por escritura pública de transação, quando as partes, antes em conflito, procuram o notário para instrumentalizar um acordo, acompanhadas ou não de seus advogados.

As vantagens da adoção de mecanismos ditos alternativos se fazem fortemente presentes na atuação notarial. Tome-se, como exemplo: a celeridade do processo e seu produto final; a economicidade e confiabilidade dos resultados; acompanhamento da evolução tecnológica; fornecimento de uma gama de opções aos usuários; desafogamento do judiciário; criação da cultura pacificadora e participativa; prevenção de novos litígios; maior efetividade no cumprimento de acordos, uma vez que voltada a solver conflitos não só jurídicos, porém, acima disto, sociológicos.

O conhecimento popular dos serviços prestados pelos Tabeliães à comunidade facilita a procura destes, pois, como visto, sua ampla rede os fazem presentes inúmeros os municípios de grande parte do país. Quanto à confiabilidade dos resultados, os instrumentos são realizados por profissionais dotados de fé-pública, cuja função de assessoramento das partes já implica sua imparcialidade. Acresce-se ainda a confiabilidade de uma instituição milenar, o notariado de tipo latino, presente em 2/3 do globo, em diversos países nos quais, inclusive, já prestam serviços de mediação.

Para Adolfo Braga Neto o mediador “deve pautar sua conduta pela imparcialidade, independência, competência, discrição e diligência”. O autor destaca que a diligência consiste “no cuidado e naprudência na observância da regularidade do processo” [6]. Ora,  o que é a prudência senão o norte da atividade notarial, valor base do notário, que atua e age de maneira equidistante, sem juízos de valores, muito menos tendo interesse no resultado material do acordo perseguido, pois deve atuar com total independência. Somente desta forma se pode elidir a propagação de litígios, perdas aos cidadãos que praticam atos e negócios jurídicos, celebram acordos, transacionam, querem preservar ou aumentar seu patrimônio, pretendem livrar-se do risco de potencial prejuízo ou lide, além, logicamente de preservar seus direitos.

E em meio a toda essa teorização, idas e vindas sobre as melhores formas de resolução de conflitos, notários de todo país continuarão a fazer sua mediação de todo dia, ao atender os usuários, seja prevenindo litígios, seja pacificando-os com suas orientações e aconselhamentos prudenciais. Bom seria ter a população informada dessa possibilidade e a remoção de quaisquer obstáculos ou dúvidas sobre a prática.

 [1] Kazuo Watanabe. Conjur. Entrevista publicada em 11.11.2014.

[2] Érica Barbosa e Silva. Conciliação Judicial. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013.

[3] Celso Fernandes Campilongo. A mediação e o notariado. In: Jornal Valor Econômico. Publicado em 27.08.2013. Disponível em: < http://www.cnbsp.org.br/Noticias_leiamais.aspx?NewsID=6087&TipoCategoria=1>.

[4] Especificamente no que tange ao receio da classe advocatícia quanto à mediação extrajudicial, Kazuo Watanabe descarta essa possibilidade e exemplifica com a experiência observada pelo profissional americano, que tem feito bom proveito dos  meios extrajudiciais de solucionar as lides. Cit.

[5] Das Atribuições e Competências dos Notários : Art. 6º Aos notários compete: I -formalizar juridicamente a vontade das partes; II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo;

[6] Adolfo Braga Neto. Mediação de Conflitos: conceito e técnicas. In: Negociação, Mediação e Arbitragem – Curso para programas de graduação em Direito. Carlos Alberto Salles et alli (coord.) São Paulo: Método, 2012, p. 114. 

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