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18 de Dezembro de 2014

Artigo -Lei Paulista nº 15.600/2014: Primeiras Impressões - Por Moacyr Petrocelli

Dia 12 de dezembro de 2014 foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo a Lei nº 15.600, que acrescentou um parágrafo único ao art. 19 da Lei nº 11.331/2002 – a lei estadual paulista que dispõe sobre os emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

Segundo o novel comando legal, o artigo 19 da Lei nº 11.331, de 26 de dezembro de 2002, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo: 

Artigo 19 - .......... 

Parágrafo único - São considerados emolumentos, e compõe o custo total dos serviços notariais e de registro, além das parcelas previstas neste artigo, a parcela dos valores tributários incidentes, instituídos pela lei do município da sede da serventia, por força de Lei Complementar Federal ou Estadual.
Após conturbado processo legislativo, por comando próprio, a lei entrou em vigor na data de sua publicação (art. 2º), e já se encontra produzindo seus regulares efeitos jurídicos.

Com efeito, a origem da norma está no Projeto de Lei nº 722, de 2010, de autoria do deputado estadual Roque Barbieri. Há de salientar que, após o trâmite regimental, foi o Projeto aprovado na Sessão de 19 de dezembro de 2.012, pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP). Ocorre, porém, que, através da Mensagem A- nº 005/2013, o Governador do Estado, Geraldo Alckimin, usando da faculdade que lhe confere o artigo 28, § 1º, combinado com o artigo 47, inciso VI, da Constituição do Estado de São Paulo, vetou totalmente o Projeto. Posteriormente, em Sessão Extraordinária, ocorrida em 03.12.2014, a ALESP derrubou o veto do Chefe do Executivo Estadual, dando origem à Lei nº 15.600/2014.

Com a nova previsão legislativa, passam a ser considerados “emolumentos” os valores tributários instituídos, por lei, pelo município no qual se encontra sediada a serventia. Apesar do dispositivo, inicialmente, generalizar e considerar como parte integrante dos emolumentos qualquer exação tributária instituída pelos municípios sobre os serviços notariais e de registros, ao final do parágrafo, acaba por limitar tal enquadramento aos valores tributários municipais incidentes sobre tais serviços que decorram de previsão em Lei Complementar Federal ou Estadual. Em resumo, parece evidente que, à luz do ordenamento positivo atual, com arrimo na competência tributária fixada na Constituição da República, a inovação concentra-se em considerar como parcela dos emolumentos os valores cobrados pelos municípios a título de ISSQN – o imposto sobre serviços de qualquer natureza.

A mens legis é muito clara. Dado ao já conhecido imbróglio que envolve a incidência do ISSQN sobre os serviços notariais e registrais,1 a intenção foi amenizar o custo da atividade, desonerando o gerenciamento administrativo-financeiro das serventias extrajudiciais. Buscou-se, pois, de forma equilibrada, descentralizar o recolhimento a ser efetivado a título de tributação municipal, distribuindo o custo do serviço para cada ato praticado, em si considerado.

Em termos tributários, a nova lei estadual, ainda que de forma reflexa, acaba por permitir a translação do encargo econômico-financeiro para uma pessoa diferente daquela definida em lei como sujeito passivo. Vale dizer, o impacto econômico-financeiro do imposto sobre serviços (ISSQN) incidente sobre os atos notariais e de registro foi repassado para os usuários desses serviços extrajudiciais. Passam, assim, a ser claras as presenças do “contribuinte de direito” (titular da delegação) e do “contribuinte de fato” (utentes dos serviços).

Como já mencionado, a inovação legislativa, de plano, parece benéfica aos notários e registradores, justamente em razão da desoneração do titular da delegação, contribuindo sobremaneira para o gerenciamento administrativo-financeiro da serventia extrajudicial ao compatibilizar a tabela de emolumentos dos serviços notariais e de registro com o recolhimento dos tributos municipais incidentes sobre a prestação desses serviços delegados.

Ao mesmo tempo, sob o ponto de vista do ente tributante – in casu, os municípios –, não haverá prejuízo algum, eis que não se pretende qualquer redução de receitas tributárias. Em realidade, manter-se-á íntegra a arrecadação do imposto sobre serviços, com caráter predominantemente fiscal, concentrada em uma fonte arrecadadora extremamente confiável, decorrente da própria sistemática de organização e funcionamento dos serviços notariais e de registros.

Nesse sentido, aliás, é a mensagem de justificativa que acompanhou o Projeto de Lei 722, de 2010: “O presente projeto de lei visa suprir a lacuna da Lei Estadual nº 11.331/02, que dispõe sobre os emolumentos dos serviços notariais e de registro, compatibilizando a tabela de emolumentos dos serviços notariais e de registro, cuja fixação é da competência estadual, com o recolhimento dos tributos incidentes instituídos por força de lei complementar federal ou estadual, de competência dos municípios. Tal medida será de extrema relevância para o aumento da arrecadação dos municípios, para fazerem frente às suas políticas públicas de investimentos sociais, considerando-se que os emolumentos notariais e de registro são fixados por lei, portanto, de fácil arrecadação, fiscalização e controle pela municipalidade”.

Diga-se, ainda, que a nova lei estadual harmoniza-se com a Lei Federal nº 8.935/1994, verdadeira lei orgânica da atividade notarial e registral, notadamente no que se refere ao dever atribuído aos notários e registradores (art. 30, XI) de fiscalizar o recolhimento e arrecadação dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar.  

Nessa ordem de ideias, vale lembrar que a novidade legislativa concentra-se em, “apenas”, considerar a exação tributária municipal como parte integrante dos valores a serem pagos pelos usuários a título de “emolumentos”.  Recorde-se, a propósito, que a natureza jurídica dos emolumentos, segundo o consolidado entendimento do Supremo Tribunal Federal, 2 é tributária, especificamente na espécie taxa. Cuida-se, em verdade, de uma taxa especial, sui generis, pois sua estrutura é bifronte, consistente, de um lado, na contraprestação por um serviço público específico e divisível (a própria prestação do serviços notariais e registrais), e, na outra face, na remuneração do poder de polícia (leia-se “regulação da atividade”, consistente no binômio: disciplina normativa e fiscalização) exercido, conforme comando constitucional, pelo Poder Judiciário Estadual.   

Também nessa visão vestibular, a lei em testilha não apresenta qualquer mácula ou vício, seja de ordem formal ou material, vez que o procedimento legislativo perseguiu os caminhos constitucionalmente traçados, assim como a matéria por ela veiculada – repita-se, “emolumentos” – tem seu âmbito de competência na esfera estadual, em virtude de procuração dada pela Lei Federal nº 10.169/2000.

De acordo com o § 2º do art. 236 da Constituição Federal: "Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro". A Lei Federal regulamentadora do cânon constitucional (Lei nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000), por sua vez, ao delimitar apenas as normas gerais sobre o tema, atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal o dever de fixar os emolumentos para os serviços notariais e de registros, desde que obedecidas suas diretrizes genéricas.

Dentre tais diretrizes genéricas previstas na Lei nº 10.169/200 merece destaque o parágrafo único do art. 1º, que sentencia: “O valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados". Diante desse comando, nada mais razoável do que o aumento do custo efetivo oriundo das exações tributárias municipais incidentes sobre os atos praticados pelas serventias extrajudiciais passem a integrar o valor dos emolumentos.

Por tudo o que se expôs, ao menos em teoria, a nova previsão legislativa parece estar em harmonia com o sistema jurídico. Porém, como nem tudo são flores, vislumbra-se muitas questões tormentosas, de ordem prática, que merecem a máxima acuidade para sua implantação não malferir grandes conquistas dos serviços notariais e de registros. Nesse ponto será fundamental uma atuação coordenada entre os notários e registradores e as associações de classe.

Não se pode esquecer que o ISSQN é um tributo de competência municipal. Naturalmente, de acordo com cada lei municipal, há uma forma específica de cobrança deste imposto sobre os serviços notariais e de registros. Dentre as variações possíveis, as de maior repercussão certamente são aquelas atinentes ao critério quantitativo da regra matriz de incidência tributária. Veja-se, à guisa de exemplo, que alguns municípios possuem alíquotas de 3%, outros de 5%. Sem falar na situação em que determinadas municipalidades estabelecem diferentes alíquotas para cada especialidade (por exemplo, 3% para o Registro Civil das Pessoas Naturais, e 5% para o Tabelionato de Notas). De outra sorte, algumas prefeituras sequer adotam o sistema de alíquotas variáveis e cobram do titular da delegação um valor fixo por mês. Em síntese, nesse exame prefacial, denota-se a existência de latente heterogeneidade das exações municipais que, pela nova lei, passará a integrar a tabela de emolumentos no Estado de São Paulo.

Nessa nova ordem, não é difícil imaginar que, no final das contas, cada município ficará com um preço sobre os atos a serem praticados pelas serventias extrajudiciais. Ou ainda, em situações extremas, caso haja variação de alíquota por especialidade dentro do mesmo município, conforme acima apontado, corre-se o risco, por exemplo, de uma procuração ficar mais barata no RCPN, e do outro lado da rua, mais onerosa em um Tabelionato de Notas. E a pergunta que fica é uma só: quais seriam os efeitos disso para as serventias extrajudiciais?

Enfim, concluindo esta análise preambular, parece-nos extremamente salutar o advento da nova lei estadual. Todavia, alguns obstáculos de ordem prática certamente aparecerão e deverão ser tratados com a cautela necessária que o assunto exige, para que o sistema de prestação dos serviços notariais e de registro não seja prejudicado.

Referências

1. Com a devida licença, reportamos o amigo leitor ao artigo de nossa autoria disponível emhttp://www.notariado.org.br/blog/?link=visualizaArtigo&cod=325, no qual foi esmiuçada toda polêmica sobre o ISS incidente sobre serviços extrajudiciais.

2. STF – ADI 1.378-MC/ES, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 30.05.1997.

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