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15 de Agosto de 2016

Penitenciária de São Paulo realiza reconhecimento de paternidade coletivo

Cerca de 5,5 milhões de crianças no Brasil não têm o nome do pai na certidão de nascimento, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Graças a um evento realizado pelo Centro de Ressocialização e Atendimento à Saúde (CRAS) da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo, nove crianças foram retiradas dessa estatística ao serem reconhecidas por oito pais presos na Penitenciária 1 de Potim, que fica a 186 quilômetros da capital paulista. O evento de reconhecimento de paternidade coletivo aconteceu na última quinta-feira (11), às vésperas do Dia dos Pais, neste domingo (14).

Os oito detentos de Potim registraram formal e oficialmente os seus respectivos filhos. As nove crianças, de 5 meses a 11 anos de idade, ganharam o sobrenome paterno em seus documentos civis. Houve, inclusive, dois casos de reconhecimento socioafetivo – quando o pai não é consanguíneo, mas, sim, de coração. Para a coleta de assinaturas, uma tabeliã do Cartório de Potim foi à penitenciária. Ao todo, os trâmites burocráticos para o reconhecimento de paternidade coletivo tramitaram por um mês.

Daniel, um dos presos, diz que queria há muito tempo repassar o sobrenome “Souza” a seus dois filhos. Criado apenas pela mãe, Daniel quer servir de exemplo a seus dois filhos, uma menina e um menino. “Só quero que meus filhos tenham um futuro diferente. Eles podem me ter como exemplo de que precisamos ‘pagar’ por nossos erros”, dizia enquanto a pequena Clara lhe agarrava o pescoço num gesto carinhoso. Agora, Clara e outras oito crianças de São Paulo deixam de passar pelo constrangimento de não ter a filiação completa na certidão de nascimento e no RG.

Os pais que assumiram os filhos foram presos por tráfico, homicídio e roubo, segundo a SAP. Os olhos da menina Clara se encheram de lágrimas assim que Daniel entrou no pavilhão educacional. Ali, o sentimento da saudade dominou o espaço. Embora quisesse parecer forte e estivesse engolindo o choro, ela estava visivelmente emocionada. Fazia sete meses que não se viam.

O diretor geral da unidade, Gustavo Testa, disse que a ação fortaleceu os laços familiares. “O objetivo do reconhecimento de paternidade foi atender aos dispositivos da Lei de Execução Penal, considerando o desígnio de que o sentenciado não deve romper com os vínculos familiares estabelecidos nem com a sociedade – que, ainda restritos, devem ser mantidos”.

Segundo a diretora do CRAS da penitenciária, Karina Prates, a iniciativa serviu como um exercício de conscientização das responsabilidades que os sentenciados devem ter junto aos filhos. “A subjetivação da regularização dessa documentação caracteriza a percepção do importante papel de um pai na formação de uma criança”, diz.

Quem são os presos?

Eder, 31 anos (pai de uma menina de 7 anos, cumpre 10 anos de pena)

Foi criado pelo pai e pela mãe, que se separaram quando ainda tinha 7 anos. Nessa época, ele foi morar com o pai. Sempre teve um relacionamento forte com o pai, pois este nunca lhe deixou faltar nada, tanto material como afetivamente. Diz que quer fazer o mesmo com seus filhos. Assim, a assunção da paternidade de sua filha é uma demonstração de carinho, responsabilidade e amor.

Gilson, 49 anos (pai de uma menina de 4 anos, cumpre 17 anos de pena)

Criado pelo pai e pela mãe, desde pequeno trabalhou com os pais na roça. Contudo, não havia muito diálogo, dado o trato rústico da família. “O pessoal do Norte é fechado, sisudo”, fala. Possui uma filha biológica, da qual não teve, por circunstância da vida, oportunidade de participar da criação. Por isso, o reconhecimento de paternidade socioafetiva será uma oportunidade de dar amor, carinho e orientação para a criança. “Sobretudo para que ela nunca pare em um lugar como ‘este’”, explica. Meses atrás, durante a festa junina na escola, foi requerido que ela tirasse uma foto como recordação do momento, mas a garotinha não queria. Apenas quando a mãe disse que a foto seria enviada ao pai é que a menina concordou, prontamente.

Ivan, 32 anos (pai de um menino de 5 meses, cumpre 2 anos de pena)

Criado pelo pai e pela mãe, sempre teve bom relacionamento com ambos, em especial com o pai, a quem considera amigo, parceiro. “Ele é tudo pra mim. Abaixo de Deus, somente meu pai”, revela. Esse companheirismo que experimentou com o pai quer transmitir para seu filho, pois sabe que isso será importante para o futuro dele. Acredita que ter um pai faz toda diferença na vida.

Ciro, 29 anos (pai de uma menina de 4 anos, cumpre 1 ano de pena)

Criado apenas pela mãe, não teve sua paternidade reconhecida. A função paterna foi cumprida por seu avô materno, a quem reconhece como um excelente ‘pai’. Inclusive, o avô criou 14 filhos (todos honestos e trabalhadores), sendo um verdadeiro exemplo de homem e pai. Desse modo, quer poder ter a oportunidade de ser ao menos um pouco do que seu avô foi e reconhecer civilmente sua filha e dar a ela tudo aquilo que o pai não lhe deu: atenção, carinho, amor. Quer ser um bom pai e amigo.

Daniel, 30 anos (pai de uma menina de 5 anos e de um menino de 3 anos, cumpre 5 anos de pena)

Foi criado pela mãe, pois seu pai faleceu quando ainda era bebê. Sentiu muito a ausência durante toda a vida. Sempre quis reconhecer legalmente seu filho, porém, estava foragido da Justiça. Embora não tenha feito o reconhecimento da paternidade, garante que jamais deixou de amar a criança. Para ele, a oportunidade de reconhecer civilmente seu filho será o primeiro passo para um futuro melhor junto com sua família.

Cristiano, 40 anos (pai de um menino de 14 anos, cumpre pena de 7 anos de pena)

Foi criado pelo pai e pela mãe, e sempre mantiveram um bom relacionamento. Em casa, havia liberdade e diálogo. Acredita que o reconhecimento da paternidade proporcionará um estreitamento de laços com seu filho, pois quer tê-lo por perto e fortalecer o vínculo. Gostaria de repetir com seu filho a boa relação que teve com seu pai.

Lucas, 23 anos (pai de uma menina de 6 meses, cumpre 4 anos de pena)

Criado pela mãe, não teve o reconhecimento paterno e isso lhe fez enorme falta. Inclusive acredita que sua história poderia ter sido outra se tivesse um pai presente. “Talvez não estivesse aqui”, acredita. Ele não quer que a dor que sofreu seja replicada na criança. Assim, o reconhecimento de sua filha servirá para que ela não se sinta desamparada e sofra com a dor que é crescer sem pai.

Alisson, 20 anos (pai de um menino de 2 anos, cumpre 1 ano de pena)

Criado pelos avós maternos, pois sua mãe faleceu e seu pai o abandonou. A relação com o avô foi muito conflituosa, pois havia muitas brigas por conta da rigidez de sua educação. Com o reconhecimento da paternidade, deseja que o filho tenha um pai presente, ao contrário do que ocorreu com ele, e acredita que isso será determinante para que o menino não cometa os mesmos erros que ele quando se deparar com as coisas erradas da vida.

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