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28 de Junho de 2019

Artigo – Não basta o nome da mãe – Por Ruth de Aquino 

Uso somente o nome da minha mãe. De Aquino. Por achar mais bonito. Não por desconhecer meu pai. Mas 5,5 milhões de crianças brasileiras não escolhem; elas não têm o nome do pai na certidão de nascimento. Os dados são do Conselho Nacional de Justiça. O número equivale à população da Finlândia. Ou um Uruguai e meio.

A roteirista e escritora Sônia Rodrigues concluiu um documentário que será exibido na TV, “O nome do pai”. Personagens são mães, filhos, pais, procuradoras, juízas, estatísticos. Cada um com sua história e suas considerações legais. Que não coincidem e às vezes se contradizem. Não é assim a vida real? Há poucos consensos.

Essa figura do “pai desconhecido” é mais retórica que real. Na maioria dos casos, a mãe sabe o nome, mas o pai não quer registrar o bebê, por ser casado ou só imaturo e negligente. O homem precisa entender que é responsável, tanto quanto a mulher, pela concepção, geração e educação de filhos. Igual.

Ter o nome do pai na certidão é um direito à personalidade e à identidade de toda criança. Se existe um “X” na certidão, ela já nasce desigual ou diferente, mesmo em sua própria classe social. O “X” carimba, injustamente, a descrença na palavra da mãe. Se para mim ou para você isso parece trivial ou ultrapassado pelos costumes, já que hoje uma criança pode ter duas mães ou dois pais na certidão, na verdade a criança ainda sente esse “branco” como uma lacuna, numa família hétero e numa escola convencional. Como explicar?

Seria bom imaginar que mãe basta. Tem mulher que pensa assim, mas depois percebe o engano. A experiência de amigas me mostrou que filhos querem saber sim quem é o pai biológico. Adolescentes entram na Justiça para ver a cara do pai, entender por que foram rejeitados ainda bebês. A socióloga Ana Liési Thurler me disse uma vez: “Esses homens nem suspeitam que são o maior objeto do desejo de seu filho ou sua filha”. O prefácio de seu livro se intitula: “Um país de filhos da mãe”. Algumas mulheres partem para produções independentes. Será mais difícil do que sonham.

Algumas histórias têm final feliz. Claro que o nome do pai na certidão ou a convivência com o pai biológico e a mãe biológica não garantem adultos equilibrados. Por vezes, é o inverso. Os psicanalistas sabem disso. Os dramas nas famílias transcendem a certidão e a biologia. A roteirista Sônia Rodrigues é filha de nosso teatrólogo genial Nelson Rodrigues, que dizia: “O homem é um menino perene”. Ela e dois irmãos nasceram fora do casamento do pai.

“O filme é dedicado a minha mãe”, me disse Sônia. “Sempre tive o sobrenome do meu pai, mas por exigência de minha mãe. Meu pai chegou a ir ao cartório para me registrar, mas não conseguiu, por ser casado. Antes de 1988, não era possível. Meu pai fez então uma certidão ilegal. Sou filha de uma mulher que peitou uma lei com a qual não concordava. E filha de um homem valente que não cedeu à pressão da esposa oficial”.

O nome do pai é uma questão legal, para a mãe pedir pensão e a criança ter direito à herança, quando houver. Mas o nome não basta. O lado mais triste é outro. Nas favelas, esse mundo paralelo de carências de tudo, há muitas crianças sem pai. Dois em cada três menores infratores não têm pai em casa, na certidão, na vida. O Rio de Janeiro teve 27.887 jovens entre 14 e 19 anos assassinados em 26 anos. Mais de mil por ano! Quantos vieram de famílias desestruturadas? Quantos estudavam? Quantos tinham casa?

Esse é o debate que um governo minimamente sério e lúcido deveria estimular. Não enquanto o ministro da Educação de Bolsonaro, Abraham Weintraub, escrever delírios grosseiros como este em rede social: “No passado o avião presidencial já transportou drogas em maior quantidade. Alguém sabe o peso do Lula ou da Dilma?” Esse é o ministro da Educação, que deveria ser um exemplo, um modelo! Estou curiosa para ver a certidão de Weintraub. Será que essa pessoa tem algum trauma de infância ou adolescência? O Brasil está sem pai nem mãe.

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