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01 de Julho de 2019

Debate sobre a nova Lei de Proteção de Dados Pessoais e o seu impacto no Registro Civil fecha 1º Encontro da Arpen/SP

Especialistas debatem os pontos principais da nova legislação que entra em vigor em agosto de 2020 e como os registradores devem preparar sua equipe e procedimentos para lidar com os dados vitais do cidadão.

Encerrando o 1º Encontro Paulista de Registro Civil das Pessoas Naturais, o Painel Reflexos da lei de Proteção de Dados no Registro Civil contou com a participação das diretoras da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen/SP), Karine Maria Famer Rocha Boselli e Kareen Zanotti de Muno, como debatedoras, e com a presença do professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo (USP), Juliano Souza de Albuquerque Maranhão, e do assessor especial da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen/SP), Claudio Muniz Machado Cavalcanti, como palestrantes. 



Para abrir o painel, a diretora da Arpen/SP, Karine Boselli, destacou a importância de se debater a proteção de dados em face da aprovação do Ofício da Cidadania. Segundo ela, os novos serviços que serão prestados pelo Registro Civil devem gerar maiores responsabilidades com relação ao manuseio e proteção das informações dos cidadãos. 

“É aquele ditado: quanto mais lhe é dado, mais lhe é cobrado. Nós passaremos a fazer a identificação civil da pessoa natural a partir do nosso substrato nascimento, mas também da coleta da biometria. E se vamos captar esses dados, também teremos que manter essas informações em nossos acervos. O que significa que, de alguma forma, teremos que utilizar e zelar pela sua devida conservação. É muito importante fazermos esse link de que o Ofício da Cidadania trará benefícios, mas também deveres e obrigações. Já com relação à Lei de Proteção de Dados, provavelmente, muitos terão o primeiro contato com a essa normativa a partir deste painel. Do ponto de vista legislação, nós acompanhamos. Mas em relação ao macro da temática, todos teremos a oportunidade de aprender muito hoje”, afirmou.



Primeiro a palestrar no painel, o professor Juliano Maranhão fez um relato histórico da importância da documentação e do registro dos dados dentro da sociedade, destacando o papel dos cartórios no controle dos fatos institucionais relacionados ao mundo virtual. 

“Qual a característica física que identifica que eu sou casado? Você não vai apontar nenhum aspecto físico. A aliança é um sinal de que eu passei por um ritual que se convencionou como o do casamento. E o fato de eu ser casado é uma realidade. Mas é um fato institucional. Então existem os fatos brutos, do mundo físico, e os fatos institucionais, que se referem a uma realidade virtual. E os cartórios são aqueles que constituem esse mundo virtual ao registrar as identidades e, a partir das identidades, as relações jurídicas que elas provam. Então a constituição do mundo virtual é viabilizada pelos cartórios. E da gravidade dessas informações, que são detidas pelos cartórios, é que decorre o poder da atividade. Um poder que foi muito disputado ao longo da história”, explicou.



Ao falar sobre a de Lei da Proteção de Dados, Maranhão afirmou que o tema chave do assunto é pensar no status do princípio de autonomia informacional no ordenamento brasileiro. “O exercício da competência dos cartórios em responder consultas de emissão de certidões não é uma questão que entre em conflito com a proteção de dados. Agora, a legislação que trata de dados eletrônicos, entra em uma zona bastante delicada. Porque ela traz para a administração pública o controle de gestão e processamento da extração de informações. O que está contra o espírito da autonomia informacional. E a autonomia informacional e a legislação europeia sobre proteção de dados começaram como uma reação dos indivíduos, no direito individual, perante esse controle da gestão de dados individuais pela administração pública”, apontou.

“Como essa questão vai ser resolvida? Depende de interpretação da legislação frente a esses fatores. O tema chave é a resposta a essa pergunta: qual o status do princípio de autonomia informacional no ordenamento jurídico brasileiro? Se nós encararmos a autonomia ou a autodeterminação informacional apenas como um princípio que informa aquela lei, vamos ter dificuldades porque vamos contrapor documentos legislativos. Vamos comparar leis de mesma hierarquia. Agora, se nós interpretarmos a lei como reflexo do reconhecimento do ordenamento deste direito fundamental, então, estaremos lidando com um direito de extirpe constitucional”, disse ele.  

Os impactos da Lei

A segunda palestra do painel ficou sob a responsabilidade do assessor especial da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen/SP), Claudio Muniz Machado Cavalcanti, que iniciou sua explanação explicando o porquê da necessidade de criação de uma lei especifica para proteção de dados no Brasil. Segundo ele, há uma mudança de paradigmas no que é a proteção da privacidade. 



“Os meios eletrônicos de processamento de dados criaram outras possibilidades no âmbito da privacidade. Em 1973, o cidadão também poderia solicitar qualquer certidão no cartório, mas se entendia que ele teria acesso a duas ou três certidões. Porque você não tinha o potencial de processamento de dados de hoje, em que você pode pegar toda a base nacional do registro e processar todas as informações. É outro impacto para os direitos das pessoas”, explicou. “Na realidade, o Brasil é um país que construiu a lei de dados pessoais de forma atrasada. Mais de 100 países já tem uma lei de proteção de dados pessoais. E há uma necessidade de uma normativa específica sobre o tema até por conta de acordos internacionais que o país tem e que exigem uma regulação com base nas práticas internacionais”, completou Cavalcanti. 

O assessor especial da Arpen/SP ainda destacou a importância dos cartórios individualmente se comprometerem com o tema. “Essa é uma lei nova, mas também muito complexa e que exigirá mais do que uma compreensão jurídica, mas também uma compreensão cultural. No Brasil somos muito perniciosos com o fornecimento de dados pessoais. Nós, como cidadãos, e o Estado também. E essa normativa traz conceitos novos e que serão bastante desafiadores para quem lida com dados pessoais. Vocês, cada um de vocês, são responsáveis pelo tratamento dos dados pessoais. Não vamos pensar aqui de forma abstrata quem é o responsável pela CRC. Mesmo que Arpen seja abstratamente responsável pela CRC, vocês são responsáveis pelo acervo dos seus respectivos cartórios”, afirmou Cavalcanti.

Para fechar sua palestra, Claudio Cavalcanti apresentou algumas medidas que cada cartório pode tomar para começar a se adaptar à Lei de Proteção de Dados. Segundo ele, é necessário definir um procedimento formal de acesso aos dados pelos colaboradores, treinar e orientar de forma sistemática os funcionários sobre as boas práticas, além de ser necessário mapear as operações de tratamento de dados, incluindo níveis de acesso aos sistemas.

 
“Já temos realizados algumas medidas dentro da CRC, mas os cartórios também podem realizar ações para se adaptarem a normativa. É muito necessária uma mudança cultural com relação ao acesso aos dados. Não pode mais enviar dados de uma certidão por e-mail ou tirar uma foto dessas informações. Se são dados sensíveis, é necessário ter um maior cuidado. E vamos ser realistas. Os cartórios hoje não tem um manual de boas práticas. Mas, se cada cartório implementar boas práticas, e essa cultura for disseminada, conseguiremos construir um caminho. E esse não deve ser um comprometimento só da Arpen como Associação, precisa ser de todos. A normativa entre em vigor em agosto de 2020. Parece muito tempo, mas não é”, concluiu ele. 

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