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10 de Junho de 2020

Artigo - Sul21 - Identidade Civil do brasileiro: um passo importante para a solução do problema - por Cláudio Machado

Na entrevista coletiva que sucedeu sua posse como Presidente do Tribunal Superior Eleitoral em 25 de maio, o ministro Luís Roberto Barroso, ao ser perguntado sobre o bloqueio ao pagamento do Auxílio Emergencial para ex-candidatos nas eleições de 2018, respondeu dizendo:

“O que a pandemia revelou, sobretudo quando se pretendeu pagar o auxílio emergencial, é que o país não tem cadastros adequados, não tem cadastros suficientes, não tem cadastros confiáveis. E nós [TSE] temos por lei a responsabilidade de conduzirmos a obtenção das biometrias e criar a Identidade Civil Nacional, e criar o documento único que seria o Documento Nacional de Identidade.” [1]

Essa visão sobre a questão da identidade civil e os cadastros administrativos não é original, mas ao ser colocada assim, de maneira tão clara por uma autoridade da alta administração do Poder Judiciário, indica que o entendimento do problema da identificação civil no Brasil avançou consideravelmente. E entender bem o problema é parte essencial para solucioná-lo.

Com uma volta no tempo, resgato aqui dois documentos marcantes para a construção de soluções administrativas para o problema da identificação do cidadão nas políticas públicas.

O primeiro é o Termo de Concerto de Procedimento e Concepção, firmado em 2002 entre o Ministério Público da União e os órgãos federais integrantes da Seguridade Social, além da Casa Civil da Presidência da República e entidades representativas da saúde nos estados e municípios. Seu principal objetivo, expresso no artigo primeiro, estabelecia que “o sistema brasileiro de seguridade social deve ordenar-se para a identificação de todos os cidadãos alcançados pela rede de proteção previdenciária, sanitária e assistencial por intermédio de um único número nacional de identificação para a seguridade social.

O segundo documento é o relatório final do Grupo de Trabalho de Integração de Cadastros Sociais, finalizado em 2004 com a seguinte visão: “o estabelecimento de condições à gradual identificação unívoca do cidadão no âmbito dos programas sociais é essencial para a melhoria da gestão dos programas do governo nesta área”.

Os cadastros administrativos foram e são instrumentos fundamentais para a administração pública. O Cadastro Nacional de Saúde (CadSUS), o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), o Cadastro de Pessoa Física (CPF) e, o mais recente deles, o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) evoluíram pari passu à profissionalização da gestão das políticas públicas no país. Mas os dois documentos apontam que, nos últimos 20 anos, considerava-se que o aprimoramento do sistema passava pela integração desses dados cadastrais. Ou seja, para aprimorar a forma de identificar o cidadão fazia-se necessário (até urgente) integrar os cadastros.

Muitos esforços foram empreendidos nesse sentido, tais como a padronização do formato de campos essenciais de dados (nome, filiação, data de nascimento, entre outros), o uso de técnicas de linkage para o ‘batimento’ entre cadastros e a obrigatoriedade da adoção do número do CPF como chave dos cadastrados. O entendimento principal era de que bastaria sua integração, deixando-se de lado a necessidade de um sistema de identidade civil que funcionasse como fundamento aos cadastros.

A fala do ministro Barroso talvez tenha sido dura demais na crítica aos cadastros, até injusta, mas ela aponta para o fato de que, face ao esgotamento das possibilidades da integração deles, urge a implantação do projeto da Identidade Civil Nacional (ICN), viabilizada pela lei 13.444/2017. A base biométrica nacional atualmente já contém aproximadamente 120 milhões de registros. E, por ser de suma importância, não se pode esquecer o Decreto 9.278/2018, que criou mecanismos efetivos para a integração dos institutos de identificação dos estados à Identidade Civil Nacional e ao Cadastro de Pessoa Física.

Nesse contexto, em que uma janela de oportunidade está aberta, cabe o alerta para o risco da reificação da credencial da identidade, seja ela um documento físico ou um aplicativo. A fala do ministro dá margem à essa preocupação. O sistema de identidade indiano, chamado Aadhaar (“fundamento” em Hindi), tem servido de referência ao Brasil. Uma das lições que vem da Índia é que a implementação de uma base de dados na qual todos os habitantes do país sejam individualizados de forma segura é o essencial, inclusive os grupos mais vulneráveis, e não a criação de um documento ou aplicativo.

[1] Link para o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=8Qdbq0EEhRc (começando em 42’25’’)

**Cláudio Machado é especialista em gestão da identidade do cidadão e pesquisador associado do ITS Rio.
 

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