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10 de Setembro de 2020

Artigo - Nacionalidade derivada: a garantia de direitos iguais no registro civil das pessoas naturais - por Júlia Cláudia Rodrigues da Cunha Mota

Introdução

Nos dias atuais, há um movimento migratório em massa em vários países do mundo. As pessoas fogem das guerras, da fome, das ditaduras dos governos, sempre em busca de melhores condições de vida.

Durante muito tempo, a Europa debateu sobre o destino de milhares de refugiados que chegavam, via marítima, nos territórios europeus. Pessoas que tinham deixado tudo, muitas vezes sem saber o idioma do novo país e tentavam ali se reinventar como pessoas, como cidadãos.

O Brasil, ao contrário dos países europeus, é um país formado pela miscigenação de povos. A cultura brasileira foi uma mistura de índios, que aqui já estavam; de portugueses, que “descobriram” nosso território e de negros, que foram trazidos à força como mão de obra escrava.

No início do século XX, o Brasil recebeu vários imigrantes vindos do Japão. O Brasil necessitava de mão de obra para trabalhar nas lavouras e o Japão necessitava frear seu alto índice demográfico. Em seguida, vieram os italianos para realizar o mesmo trabalho em lavouras.

Durante a 2ª Guerra Mundial, muitos europeus migraram ainda para o Brasil, na tentativa de fugir da morte e da fome que os assolavam. O Brasil tem a tradição de acolher os estrangeiros e com isso oferece àqueles que assim desejam a opção de tornarem-se brasileiros.

A nacionalidade brasileira pode ser originária ou derivada. O presente artigo tratará da nacionalidade derivada, ou seja, daquela decorrente do processo de naturalização e da igualdade no exercício de direitos nos procedimentos realizados perante o registro civil das pessoas naturais

A Constituição Federal assegura a igualdade de direitos entre os brasileiros natos e aqueles naturalizados, salvo as exceções lá previstas.

Nos termos do artigo 218 do Decreto n. 9.199, de 20 de novembro de 2017, a naturalização é de competência exclusiva do Ministério da Justiça e Segurança Pública e produzirá efeitos após a data da publicação no Diário Oficial da União, devendo o ato de concessão ser registrado em sistema próprio do referido Ministério.

Contudo, com o procedimento de naturalização correndo no Ministério da Justiça, como serão assegurados os direitos básicos a todos os brasileiros natos de forma igualitária àqueles naturalizados? Explica-se: se amanhã um brasileiro naturalizado quiser realizar a mudança de nome e de gênero em razão da disforia de gênero, ele poderá se utilizar dos mesmos meios que um brasileiro nato? Infelizmente, a resposta é negativa, isso porque os brasileiros natos podem valer-se das medidas constantes do Provimento n. 73 do Conselho Nacional de Justiça, ou seja: comparecer a um registro civil, portando o seu assento de nascimento e demais documentos previstos no provimento e ali declarar como se autopercebe. Ao final do procedimento, receberá o assento de nascimento com o nome e sexo alterados e sem nenhuma menção ao procedimento realizado.

O brasileiro naturalizado, por não possuir um assento ou transcrição no registro civil competente, não tem como obter, em até cinco dias, um novo documento com nome e sexo alterados, conforme estabelecido no provimento.

Em decorrência da realidade anteriormente exposta, a questão primordial a ser respondida no artigo aqui proposto é: como assegurar a igualdade no exercício de direitos dos brasileiros naturalizados nos registros civis das pessoas naturais?

Inquirição de grande complexidade sugere, para ser desvendada, diversos outros questionamentos, tais quais:

a) o registro civil das pessoas naturais poderia realizar o registro desse brasileiro naturalizado? Se sim, como deve ser procedido o registro? Em qual livro? Como se dará a competência do registrador civil?

b) o registro civil das pessoas naturais também poderia realizar o registro da naturalização provisória? De que forma?

c) quais os benefícios trazidos com o registro do brasileiro naturalizado no registro civil das pessoas naturais?

O objetivo geral do trabalho será um exame crítico sobre a possibilidade de registro do brasileiro naturalizado no registro civil das pessoas naturais para possibilitar que este tenha acesso aos mesmos direitos assegurados aos brasileiros natos, tais como: o reconhecimento de paternidade tardio, o reconhecimento socioafetivo, a alteração de nome e gênero etc.

Pretende-se analisar o problema sob o enfoque dos benefícios que o registro trará aos brasileiros naturalizados, mesmo diante da omissão da Lei n. 6.015/73, sobre tal possibilidade.

Para alcançar os objetivos gerais, serão perquiridos:

a) a legislação pertinente ao tema, no intuito de detectar a forma como a nacionalidade derivada é tratada pelos legisladores no tempo e no espaço;

b) a doutrina, no sentido de verificar se há posicionamento dos cientistas do Direito com relação à possibilidade ou não de registro, trazendo as coincidências e/ou divergências de opiniões que enriquecem o saber jurídico;

c) o direito comparado, para ressaltar as similaridades de tratamento da matéria, no afã de expor soluções jurídicas inspiradas em outras culturas.

Justifica-se a pesquisa pelo seu valor teórico, social e jurídico, imprescindíveis ao conteúdo de um trabalho na seara do Direito.

Teoricamente, justifica-se a pesquisa, para firmar o posicionamento sobre a possibilidade de se registrar a naturalização no registro civil das pessoas naturais, uma vez que este é o repositório dos atos das pessoas naturais e deve também refletir os atos daqueles naturalizados.

A relevância social da pesquisa repousa em garantir o acesso à Justiça dos brasileiros naturalizados, assegurando igual eficácia aos procedimentos existentes nas serventias extrajudiciais, disponíveis aos brasileiros natos.

No âmbito jurídico, é proeminente, porque o número de brasileiros naturalizados cresce a cada dia e a tendência é de um aumento significativo, pois é grande o número de refugiados e apátridas aqui abrigados, sendo essencial estabelecer igual acesso aos direitos disponíveis nos registros civis.

 

1. Breves noções sobre nacionalidade

A nacionalidade pode ser conceituada como “o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo deste indivíduo um componente do povo, da dimensão pessoal deste Estado, capacitando-o a exigir sua proteção e sujeitando-se ao cumprimento de deveres impostos.”[1]

Ao conceito de nacionalidade, alguns outros estão diretamente relacionados como os conceitos de povo, população e cidadania, que serão brevemente recordados por serem importantes ao assunto tratado.

Pode-se conceituar povo como “o conjunto de nacionais de um Estado, enquanto a população é a contabilização dos habitantes dele, que tanto podem ser nacionais como estrangeiros.”[2]

Em uma

     [...] democracia apenas os nacionais gozam de cidadania ativa e da nacionalidade derivam outros direitos e deveres que não são os políticos. Quanto aos estrangeiros, porém, entende-se que estes fazem parte da população do Estado e não do povo. E por não estarem incluídos no conceito povo, não quer dizer que não estejam sujeitos a soberania do Estado. Enquanto o não-nacional precisa estar no território do país para estar sujeito a sua soberania, o nacional, aonde quer que se encontre está ligado ao Estado pela nacionalidade.[3]

 

É o Estado “que declara quais são os seus nacionais, e a razão jurídica dessa declaração está na vinculação do indivíduo a uma sociedade juridicamente organizada, que traça os limites da capacidade de direitos políticos, cujo exercício é reconhecido apenas ao  nacional; não se concebe Estado sem seus nacionais, nem nacionalidade sem Estado.”[4]

O Estado é sempre consequência de uma decisão política e vai precisar delimitar o próprio território, determinar os nacionais e exercer a soberania. Quando se fala em nação, não se está falando de Estado, pois na nação “existe um sentimento que vincula os indivíduos entre si, e não com o Estado, seja por um idioma comum, cultura, ou etnia.”[5] Tem-se como exemplo o catalão e o basco que são espanhóis.

José Afonso da Silva expõe que “Os fundamentos sobre a aquisição da nacionalidade é matéria constitucional, mesmo naqueles casos em que ela é considerada em textos de lei ordinária. É da tradição pátria inscrever nas constituições as regras sobre a nacionalidade, de sorte que, entre nós, o direito de nacionalidade é material e formalmente constitucional.”[6]

Nos termos do artigo 22, XII, da Constituição de 1988, compete privativamente à União legislar sobre nacionalidade, cidadania e naturalização. A Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017, conhecida como Lei de Migração, foi publicada revogando a Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980, conhecida como Estatuto do Estrangeiro, e a Lei n. 818, de 18 de setembro de 1949. A Lei de Migração encontra-se regulamentada pelo Decreto n. 9.199, de 20 de novembro de 2017, e neles se encontram as condições, documentos e prazos para o processo de naturalização.

A nacionalidade é um dos capítulos inseridos no título II da Carta Magna de 1988, dos direitos e garantias fundamentais. Nos termos da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil (Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992), toda pessoa tem direito a uma nacionalidade e a ninguém se deve privar arbitrariamente de nacionalidade nem do direito de alterá-la.

Em sendo um direito fundamental, é inadmissível uma situação, independente da vontade do indivíduo, que o prive desse direito. Contudo, ainda não se encontrou um mecanismo adequado que iniba o surgimento dos heimatlos – expressão alemã que significa sem pátria, apátrida –, sem mencionar no arbítrio ditatorial de alguns países que, desrespeitando a dignidade humana, cassam a nacionalidade daqueles que espalham ideias democráticas.[7]

O Brasil assegura os direitos e garantias previstos na Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954, promulgada pelo Decreto n. 4.246, de 22 de maio de 2002, bem como todas as garantias e mecanismos protetivos e de facilitação da inclusão social relativos à Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados, promulgada pelo Decreto n. 50.215, de 28 de janeiro de 1961, e à Lei n. 9.474, de 22 de julho de 1997.

O artigo 12, § 2º, da Constituição Federal determina que a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo as quatro hipóteses previstas na própria Carta Magna: cargo, função, extradição e propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens.

A aquisição da nacionalidade pode ser primária ou secundária. O presente artigo não pretende adentrar nas questões referentes à aquisição da nacionalidade originária, pois quem preenche os requisitos previstos no artigo 12, inciso I, da Constituição Federal tem acesso ao registro civil das pessoas naturais, seja com o registro lançado no livro “A”, seja na transcrição do registro de nascimento realizado no Livro “E”.

A nacionalidade secundária é a que interessa no presente, também denominada de adquirida, pois “é aquela que provém de uma manifestação híbrida, ou seja, de um lado, o indivíduo, apátrida ou estrangeiro, que solicita ou opta por essa nova nacionalidade e, de outro, o Estado, que assente nessa escolha, formalizando a naturalização.”[8]

O artigo 12, inciso II, da Constituição Federal dispõe que são brasileiros naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; e b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes no Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

Nos termos do artigo 218 do Decreto n. 9.199/2017, a naturalização poderá ser: ordinária, extraordinária, especial ou provisória. Cada uma delas tem requisitos próprios que deverão ser comprovados pelo requerente.

Luiz Alberto David Araujo lembra que “A concessão da naturalização constitui ato discricionário por parte do governo brasileiro, que, no exercício de poder inerente à soberania do País, mesmo diante da verificação dos pressupostos legais, não estaria vinculado ao deferimento.”[9]

A naturalização somente produzirá efeitos após a publicação do ato do Ministério da Justiça e Segurança Pública, no Diário Oficial da União (artigo 73 da Lei n. 13.445/2017 c/c artigo 230 do Decreto n. 9.199/2017).

 

2. A necessidade de mudança

Para se ter uma ideia do crescente processo de naturalização existente no Brasil, entre o começo de 2007 e junho de 2013, o país concedeu nacionalidade brasileira a 7,6 mil estrangeiros.[10]

O Brasil é reconhecidamente um país de grande miscigenação e aberto aos imigrantes[11], tendo em anos anteriores recebido muitos italianos, japoneses e alemães, mas também pessoas de outras nacionalidades, mantendo atualmente essa tradição, recebendo muitos refugiados, asilados ou apátridas.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) estimava, em 2018, a existência de cerca de 12 (doze) milhões de apátridas no mundo.[12]

De acordo com a agência da ONU, pelos menos 20 (vinte) países mantêm leis que negam a nacionalidade ou permitem a retirada em razão de raça, etnia ou religião, e 27 (vinte e sete) países têm leis que não permitem que as mulheres passem a nacionalidade aos filhos na mesma base que os homens[13], dentre os quais: Arábia Saudita, Irã, Iraque, Líbano, Líbia, Malásia, Nepal, Sudão e Síria.[14]

Outros, como a França e a Bélgica, praticam o que se denomina “duplo direito de solo”, ou seja, uma criança nascida no país pode obter a nacionalidade desde que pelo menos um dos pais tenha  nascido no mesmo território. Na Índia, desde 2004, ambos os progenitores devem ter cidadania indiana para que a nacionalidade seja estendida ao filho.[15]

Países como o Afeganistão não permitem constar o nome da genitora na certidão de nascimento do filho nem mesmo na certidão de óbito ou na lápide onde se encontra sepultada, forçando as mulheres a permanecer com seus nomes em segredo em todas as etapas da vida.[16]

Quem acha que o problema da apatridia é um problema enfrentado por países subdesenvolvidos ou mergulhados em guerras civis, engana-se profundamente. A Campanha pelos Direitos dos Adotados (ARC, na sigla em inglês)[17], organização sem fins lucrativos, estima que entre 25 mil e 49 mil pessoas que foram adotadas de outros países por famílias americanas estejam sem cidadania, pois os Estados Unidos não reconhecem automaticamente a cidadania desses adotados por americanos. Muitos vivem como americanos, pois possuem o security number, estudaram em escolas públicas, tiraram a licença para dirigir, mas quando passam por algum processo de habilitação de segurança ou procuram um emprego público ou tentam tirar o primeiro passaporte para viajar ao exterior, “descobrem” que na verdade são apátridas e que podem ser deportados dos Estados Unidos, sem nenhum aviso prévio, para os seus países de origem que nunca conheceram, não possuem nenhuma ligação e não falam nem o idioma local, revelando um total estado de desamparo dessas pessoas.

A vida de um apátrida é difícil de explicar a quem possui uma nacionalidade, sobretudo a brasileira, que acolhe dois critérios para a aquisição originária: ius solis  e ius sanguinis. Com relação ao critério ius sanguinis, a Constituição Federal assegura a igualdade de condições, não importando se é o genitor ou a genitora que possui a nacionalidade brasileira.

Os diferentes critérios de aquisição de nacionalidade podem acarretar um sem número de pessoas apátridas, se o país de origem dos pais, por exemplo, só acatar o ius solis como condição de nacionalidade originária.

Para que se possa imaginar a vida de um apátrida, tem-se de imaginar uma criança que não foi registrada no registro civil, típico caso de sub-registro. Essa pessoa não existe para o Estado. Essa pessoa não tem o direito de estudar, de viajar, de ter um plano de saúde, ela não consegue um emprego com carteira assinada, ela não gera riqueza, ela não transmite nenhum direito, pois ela não tem nenhuma prova de existência.

Mas de nada adianta assegurar o direito à nacionalidade, facilitar a naturalização, se não for assegurado aos naturalizados o exercício dos mesmos direitos dos brasileiros natos. Direitos esses que não podem estar presentes apenas na teoria. Eles devem dispor das mesmas condições, procedimentos e valores, de maneira igualitária a todos os demais.

“Da relação jurídica de nacionalidade, travada entre o cidadão e o Estado, decorrem, como em qualquer relação jurídica, direitos e obrigações. Com efeito, o nacional goza de inúmeros direitos, exigíveis em face do Estado, mas assume também uma série de obrigações, consubstanciadas nos deveres impostos pela ordem jurídica”[18], por isso esse vínculo deve se revestir de publicidade.

Hoje, por não terem acesso às mesmas condições, há uma negação ao acesso à Justiça, à igualdade de direitos, aos direitos e garantias individuais da nossa Constituição aos naturalizados.

Muitos desses novos nacionais já sofreram bastante e ter de se submeter a mais demoras ou burocracias do Estado brasileiro é desalentador para quem sonhava um dia poder dizer que é um cidadão!

 

3. Livro “E”

O artigo 33, parágrafo único, da Lei n. 6.015/73[19] prevê que:

     No cartório do 1º Ofício ou da 1ª subdivisão judiciária, em cada comarca, haverá outro livro para inscrição dos demais atos relativos ao estado civil, designado sob a letra “E”, com 150 (cento e cinquenta) folhas, podendo o juiz competente, nas comarcas de grande movimento, autorizar o seu desdobramento, pela natureza dos atos que nele devam ser registrados, em livros especiais.

 

Os registros no Livro “E” são lavrados no cartório do 1º ofício ou divisão judiciária do domicílio do interessado. Alertando Mário de Carvalho Camargo Neto que “Privilegiou-se, assim, a concentração dos atos, o que à época da edição da lei facilitaria sobremaneira sua localização”[20], pois muitas cidades possuem inúmeros distritos e, diante da ausência da Internet, essa foi a opção do legislador.[21]

O Livro “E” é, portanto, o “repositório de todos os assentos que digam respeito aos atos e fatos jurídicos, próprios do direito de família, não destinados aos demais livros do registro civil.”[22]

Ao Registro Civil das Pessoas Naturais cabe “o registro e a publicidade de fatos e negócios jurídicos inerentes à pessoa física, desde seu nascimento até a sua morte, tendo em vista que tais fatos e atos repercutem não apenas na esfera do indivíduo, mas interessam a toda a sociedade.”[23]

Luiz Guilherme Loureiro esclarece que:

     A identificação da pessoa constitui um elemento de seu estado civil, vale dizer, do lugar que ela ocupa durante sua vida na sociedade e na família a qual pertence. Esse estado é traduzido por qualidades permanentes, aquelas que não mudam conforme o lugar onde a pessoa de situa: o nome, a filiação, o sexo, o casamento e a nacionalidade. Quando o Oficial de Registro Civil constata as qualidades de uma pessoa, elas existem qualquer que seja a maneira como são constatadas e ainda que não sejam constatadas integralmente.[24]

 

Assim, “A nacionalidade, por sua vez, decorre do vínculo de parentesco (jus sanguinis) e do local de nascimento (jus locus), fatos que não são, em geral, constatados pessoalmente pelo registrador”[25], que se baseia, normalmente, nas afirmações prestadas pelo declarante do nascimento.

Os registros feitos no Livro “E”, com exceção da emancipação, têm natureza declaratória, ou seja, “servem para dar publicidade erga omnes de atos já ocorridos na esfera de direitos da pessoa.”[26]

O rol de atos registráveis no Livro “E” é meramente exemplificativo, à medida que o próprio artigo 33 da Lei n. 6.015 dispõe que tal livro servirá “para inscrição dos demais atos relativos ao estado civil”, razão essa que possibilitou, por exemplo, ao Conselho Nacional de Justiça a edição do Provimento n. 37/2014, que estabeleceu a possibilidade do registro no Livro “E” das sentenças ou escrituras públicas de união estável.

Conclui-se que,

     qualquer ato que diga respeito ao estado civil da pessoa natural pode ser registrado no Livro E, e não depende necessariamente de lei em sentido estrito para sua inscrição, haja vista a disposição da Lei de Registros Públicos tornar o rol dos registros meramente exemplificativo, bastando as normas estaduais ou nacionais, como as advindas do Conselho Nacional de Justiça, estabeleçam os requisitos para a inscrição de qualquer outro ato que diga respeito ao estado civil da pessoa natural.[27]

 

O item 174 do Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo preveem, por exemplo, que o registro civil do 1º Subdistrito da Comarca procederá no Livro “E”, para fins de publicidade e efeitos perante terceiros, o traslado da certidão de casamento de estrangeiros realizado no exterior, devidamente traduzida por tradutor público juramentado, inscrito na Junta Comercial brasileira, para, em ato subsequente, averbar mandado judicial ou escritura pública de separação, divórcio, conversão de separação em divórcio, nulidade e anulação de casamento.

Da mesma forma, dispõe o artigo 663 do Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado de Roraima que prevê:

O 1º Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca procederá no livro “E”, para fins de publicidade e efeitos perante terceiros, o traslado da certidão de casamento de estrangeiros realizado no exterior, devidamente traduzida por tradutor público juramentado, inscrito em junta comercial brasileira, para em ato subsequente, averbar mandado judicial ou escritura pública de separação, divórcio, conversão de separação em divórcio, divórcio direto, nulidade e anulação de casamento.

 

O Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado do Pará, no artigo 704, assim com o Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, no artigo 648, dispõem que as sentenças proferidas por autoridade jurisdicional brasileira, cujo objeto altere o estado civil, sem sentido estrito, de casal estrangeiro cujo casamento tenha sido contraído no exterior, serão registradas no Livro “E” em relação aos processos que tenham tramitado originariamente naquela comarca. De forma semelhante também dispõe o artigo 632 do Código de Normas e Procedimentos dos Serviços Notariais e de Registro do Estado da Bahia.

A Resolução n. 155, de 16 de julho de 2012, do Conselho Nacional de Justiça regulamentou o traslado de certidões de registro civil de brasileiros emitidas no exterior, mas possibilitou, ainda, nos termos do artigo 15 da referida resolução, os registros, no livro “E” do 1º Ofício de registro civil da Comarca, de nascimento de nascidos em território nacional, em que ambos os genitores sejam estrangeiros e em que pelo menos um deles esteja a serviço de seu país no Brasil, devendo constar do assento e respectiva certidão a seguinte observação: “O registrando não possui a nacionalidade brasileira, conforme art. 12, inciso I, alínea “a”, in fine, da Constituição Federal.”

Desta forma, verifica-se que mesmo atos referentes a estrangeiros são resguardados e objetos de assento no registro civil das pessoas naturais, no Livro “E”, destinado aos demais atos da vida civil.

 

4. Atos praticados diretamente nos registros civis

Vários procedimentos são realizados diariamente nos registros civis das pessoas naturais, tais como: o reconhecimento socioafetivo, ou o biológico, a alteração de patronímico e a alteração de nome e de sexo para pessoas transgêneras.

O ano de 2019 foi “um marco significativo para as naturalizações no Brasil, com um total de 10.367 processos analisados ao todo. Desse total, 7.662 foram deferidos e 2.705 indeferidos.”[28]

O art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Mas se a naturalização não adentra no registro civil, como assegurar a facilidade e rapidez de tramitação em procedimentos simples, que os brasileiros natos têm acesso, como o reconhecimento socioafetivo, por exemplo?

A naturalização não abre as portas do naturalizado ao registro civil das pessoas naturais. Assim, se o naturalizado tiver a sua paternidade reconhecida, biológica ou socioafetiva, se quiser averbar a mudança de gênero e de nome, não contará com as mesmas regras disponíveis aos brasileiros natos.

Tanto a naturalização quanto qualquer alteração ou retificação posterior deverão ser pleiteadas ao Ministério da Justiça e Segurança Pública em uma das unidades da Polícia Federal, o que gera custos de deslocamento e maior tempo de tramitação para o naturalizado.

Alexandre de Moraes lembra que “o Poder Judiciário, no exercício da atividade jurisdicional, deverá evitar a ameaça ou a lesão a direitos, liberdades ou prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, decorrentes da omissão do Poder competente, declarando a existência da omissão e permitindo que o prejudicado usufrua da norma constitucional”[29], enquanto não for colmatada a lacuna legislativa ou administrativa.

Desta forma, de que maneira se pode assegurar o exercício desses direitos básicos aos naturalizados ou em processo de naturalização?

É essencial que seja permitido e previsto o registro da naturalização no registro civil das pessoas naturais. Com o registro realizado, todos os procedimentos hoje assegurados aos brasileiros natos e até mesmo alguns aos estrangeiros, estarão disponíveis com a mesma facilidade e custo aos naturalizados.

Vale ressaltar que a Resolução n. 155 do Conselho Nacional de Justiça já prevê, no artigo 13, § 1º, a possibilidade de trasladação do assento de casamento de brasileiro naturalizado no Livro “E”, sendo neste caso obrigatória a apresentação do certificado de naturalização ou documento que comprove a nacionalidade brasileira.

Observe-se que neste caso a resolução não determina a averbação ou anotação da naturalização à margem do registro de casamento trasladado, o que é extremamente importante, pois, se no futuro houver a perda ou a reaquisição da nacionalidade brasileira, estas poderão ser averbadas ou anotadas à margem da transcrição do casamento. A resolução prevê apenas na parte final a apresentação de “documento que comprove a nacionalidade brasileira”, ou seja, não sendo o certificado de naturalização, qual documento comprovaria a nacionalidade brasileira? Parece que nesse caso, existe a possibilidade de ser interpretado como o registro no livro “E” da naturalização, o que acarretaria a anotação à margem da transcrição do casamento.

A resolução não previu expressamente o caso de transladação da certidão de nascimento de brasileiro naturalizado. Entretanto, o artigo 661 do Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registro do Estado de Roraima dispõe, tal qual o item 172 do Capítulo XVII das Normas de Serviço do Estado de São Paulo, que o 1º Ofício de Registro Civil procederá no Livro “E”, para fins de publicidade e efeitos perante terceiros, o traslado da certidão de nascimento de pessoa filha de pai e mãe estrangeiros, cujo nascimento tenha ocorrido no exterior. A certidão deverá estar apostilada ou legalizada perante autoridade consular brasileira e traduzida por tradutor público juramentado, inscrito em junta comercial brasileira, para, em ato subsequente, proceder às necessárias averbações de mandados judiciais, cujas ordens e dispositivos abordem assuntos relativos aos direitos da personalidade, às questões de estado, à capacidade e ao direito de família; ou, ainda, às hipóteses de reconhecimento da filiação pela via administrativa ou judicial, à perda e suspensão do poder familiar, guarda, tutela, investigação de paternidade ou maternidade, negatória de paternidade ou maternidade e demais atos que constituírem nova relação familiar.

Apesar dessa possibilidade prevista nos regulamentos estaduais, vê-se que aqui, caso esse estrangeiro tenha a sua filiação materna ou paterna reconhecida por um brasileiro, não se mencionou que o registrador civil deverá fazer constar a observação, a princípio obrigatória,  prevista no artigo 8º, § 1º, da Resolução n. 155 do Conselho Nacional de Justiça, ou seja: “Nos termos do artigo 12, inciso I, alínea “c”, in fine, da Constituição Federal, a confirmação da nacionalidade brasileira depende de residência no Brasil e de opção, depois de atingida a maioridade, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira, perante a Justiça Federal”.

A transcrição do assento de nascimento ou de casamento estrangeiro também será possível no caso de português com igualdade de direitos inerentes ao brasileiro, nos termos do artigo 12, § 1º, da Constituição Federal, bastando a apresentação da certidão expedida por Portugal, devidamente apostilada e registrada no cartório de títulos e documentos[30], nos termos do artigo 148 da Lei n. 6.015/71, juntamente com requerimento firmado pelo interessado, comprovante de residência – para estabelecer a competência daquele registro civil –, e o certificado de Igualdade de Direitos e Obrigações Civis.  Mas por que um português teria interesse em transcrever o casamento dele no Brasil? Por exemplo, se um dos cônjuges estrangeiro tiver falecido no Brasil, o sobrevivo pode querer anotar o óbito no casamento para fazer prova aqui em território nacional.

Mas a transcrição do assento de nascimento ou de casamento já não resolveria a questão da efetividade de direitos aos naturalizados no registro civil das pessoas naturais? Parece que não. Primeiro, porque apenas a transcrição de casamento do brasileiro naturalizado foi expressamente prevista na regulamentação, no caso a Resolução n. 155 do Conselho Nacional de Justiça, mas parece plenamente viável também a transcrição do assento de nascimento do naturalizado, apesar de não constar da referida resolução[31]; e segundo, porque nem todos os naturalizados possuem assento de nascimento ou de casamento a ser transcrito. Nesse caso, o documento principal a ser registrado seria a naturalização. Posteriormente ou não, se o naturalizado tivesse outro documento de origem estrangeira, tal qual o nascimento ou o casamento, poderia ser feita a transcrição e, então, seria anotada a naturalização à margem desta.

O registro da naturalização no Livro “E”, de forma independente de qualquer transcrição de assento estrangeiro, parece imprescindível, porque, como dito antes, em muitos países esses estrangeiros ou apátridas não possuem nenhum documento, nenhum registro nos moldes do registro de nascimento brasileiro e o registro no registro civil das pessoas naturais dará àquele novo cidadão o primeiro registro no registro civil das pessoas naturais, tal qual o registro de nascimento no livro “A” dos brasileiros natos, ainda nos casos em que a naturalização seja temporária. Em outros casos, é provável que exista o registro estrangeiro, mas este pode ter se perdido em meio a guerras ou outras calamidades que tenham afetado o país de origem.

O registro da naturalização dar-se-ia de maneira semelhante à opção de nacionalidade (art. 216 do Decreto n. 9.199/2017), sendo que, no caso da naturalização, não se exigiria o prévio ou concomitante traslado do registro do nascimento no registro civil das pessoas naturais. Logo, o registro da naturalização seria o registro de origem daquele cidadão.

Desta forma, com o registro da naturalização, será assegurado ao naturalizado o ingresso ao registro civil, o que lhe possibilitará exercer qualquer outra alteração no registro civil, seja uma retificação de registro, seja a averbação de um reconhecimento de paternidade ou maternidade, biológico ou socioafetivo, seja a perda[32] ou a reaquisição da nacionalidade brasileira[33], seja uma alteração de patronímico dos pais, por subsequente casamento no país, ou até mesmo a alteração de nome e de gênero, de forma rápida e fácil.

Essas averbações seriam possíveis no registro da naturalização independentemente da trasladação do assento de nascimento ou casamento estrangeiro, até pela própria inexistência de tais certidões, em sendo o caso, pelas mesmas razões que permitem, por exemplo, a averbação de retificação de transcrição de assento lavrado no exterior, qual seja: o registro desvincula-se de sua origem – sobretudo se não houver registro de origem, como antes exposto, no caso dos apátridas –, “sendo possível a escrituração de averbações e anotações, independentemente da prévia escrituração no assento trasladado, a exemplo da averbação posterior do reconhecimento de filho na transcrição de nascimento e a averbação de divórcio na transcrição de casamento.”[34]

Sabe-se que o ato de naturalização, nos termos do artigo 230 do Decreto n. 9.199/2017, produz efeitos após a data da publicação no Diário Oficial da União, mas o registro no Livro “E” do registro civil, asseguraria, além da efetivação dos demais direitos na serventia extrajudicial, os efeitos publicitários dele decorrentes, pois a “publicidade registral prova a boa-fé daquele que inscreveu sua situação jurídica no registro público, bem como gera a presunção de conhecimento por todos e a oponibilidade erga omnes”.[35]

Vale ressaltar que “A nacionalidade é adquirida pelo que determina a Constituição Federal e o registro de nascimento tem a função apenas de dar publicidade ao local do nascimento e à filiação, estas, sim, vão determinar a nacionalidade”[36]. Logo, nem o registro de nascimento feito no livro “A” do registro civil tem efeito constitutivo.

O artigo 102, § 5º, da Lei n. 6.015/73 prevê a possibilidade de averbação da perda de nacionalidade brasileira, quando comunicada pelo Ministério da Justiça, mas, se não houver um registro dessa naturalização no Livro “E”, por exemplo, a perda só poderá ser averbada: a) quanto ao brasileiro nato que adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos previstos no artigo 12, § 4º, inciso II, alíneas “a” e “b”, da Constituição Federal; e b) quanto aos naturalizados, que tiverem a naturalização cancelada, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional (artigo 12, § 4º, inciso I, da Constituição Federal), caso os registros tenham, de alguma maneira, adentrados no registro civil das pessoas naturais, se não for registrada a naturalização no Livro “E”. Logo, parece que, permitido o registro da naturalização do migrante no Livro “E”, a perda seria obrigatoriamente averbada nos assentos do registro civil, realizando, dessa forma, um perfeito controle e encadeamento dos atos.

No caso da naturalização provisória, admitindo-se o registro desta no Livro “E” do local do atual ou do último domicílio do naturalizado, para fins de publicidade, ao final do registro, poderia haver observação semelhante à prevista no artigo 8º, § 1º, da Resolução n. 155, de 16 de julho de 2012, do Conselho Nacional de Justiça, constando tanto do assento quanto da respectiva certidão a seguinte observação: “Nos termos do artigo 246 do Decreto n. 9.199/2017 a naturalização provisória será convertida em definitiva se o naturalizando expressamente assim o requerer ao Ministério da Justiça e Segurança Pública no prazo de dois anos após atingir a maioridade civil.” Restaria claro que aquele que, ultrapassado o prazo previsto em lei, não fizesse a opção e apresentasse os documentos nela indicados não poderia ser considerado brasileiro.

Posteriormente, havendo a conversão, o ato da naturalização definitiva seria averbado às margens do registro da naturalização provisória, bem como caberia a anotação da naturalização definitiva também no seu assento de nascimento e de casamento, se estiverem transcritos no registro civil.

Qual a importância do registro da naturalização provisória? Além de possibilitar a efetivação de outros direitos, como já demonstrado, no registro civil das pessoas naturais, serviria de controle, pois, caso um adolescente obtenha uma identidade civil com o ato de naturalização provisória, onde se fizer apresentar com aquele documento, será tido como brasileiro sem maiores questionamentos, independentemente de a naturalização ter sido provisória ou definitiva, praticando todos os atos da vida civil como se brasileiro o fosse, evitando-se ainda possíveis erros na indicação da nacionalidade deste por não ter requerido expressamente a conversão.

Com o registro, haveria controle desses brasileiros naturalizados, trazendo maior segurança jurídica, além de publicidade e efetividade dos direitos, pois em que local este naturalizado irá, se continuar residindo no Brasil? Muito provavelmente no registro civil, seja para contrair núpcias, seja para registrar um filho ou até mesmo para ter o falecimento dele registrado. Todo o controle da vida da pessoa natural passa pelo registro civil, então nada mais natural que os naturalizados também nele estejam desde o primeiro momento.

 

5. Direito comparado

A Lei n. 37/81 de Portugal[37], chamada Lei da Nacionalidade, prevê no artigo 16º que “As declarações de que dependem a atribuição, a aquisição ou a perda da nacionalidade portuguesa devem constar do registro central da nacionalidade, a cargo da Conservatória dos Registros Centrais.”

A referida lei prevê que o registro é obrigatório: das declarações para atribuição da nacionalidade; das declarações para aquisição ou perda da nacionalidade; e da naturalização de estrangeiros. O registro do ato que importe em atribuição, aquisição ou perda da nacionalidade será lavrado por assento ou por averbação.

Na Espanha também há a necessidade de registrar no Registro Civil a aquisição da nacionalidade derivada. “Las inscripciones en el registro individual de la adquisición de la nacionalidad por opción, residencia y carta de naturaleza, tienen carácter constitutivo. A falta de inscripción, no se produce el cambio de status de nacionalidad (artículos 23 CC y 68. 1 LRC 2011).”[38]

A inscrição da nacionalidade espanhola mesmo nos casos de carta de naturaleza, que é outorgada discricionariamente mediante Real Decreto, após prévio expediente que tramita pelo Ministério da Justiça, deverá ser inscrita no registro civil tendo caráter constitutivo.[39]

O artigo 23, alínea “c”, do Código Civil espanhol estabelece que é requisito comum para a validade da aquisição da nacionalidade espanhola por opção, carta de naturaleza ou residência, que a aquisição seja inscrita no registro civil espanhol.[40]

A perda da nacionalidade espanhola também é inscrita no registro civil, contudo “Dicha inscripción tiene caráter declarativo, de modo que la perdida tiene lugar ipso iure o automáticamente cuando concurren todos sus presupuestos de hecho”.[41]

A recuperação da nacionalidade espanhola também é inscrita no registro civil e, neste caso, atua ativamente desse processo, pois o artigo 26 do Código Civil espanhol dispõe dos requisitos para a recuperação da nacionalidade, dentre os quais: “b) Declarar ante el Encargado del Registro Civil su voluntad de recuperar la nacionalidad española; c) Inscribir la recuperación en el Registro Civil.”[42]

O registrador civil espanhol também atua diretamente para evitar a perda da nacionalidade, como no caso descrito no artigo 24 do Código Civil espanhol o qual dispõe que: “Pierden la nacionalidad española los emancipados que, residiendo habitualmente em el extranjero, adquieran voluntariamente otra nacionalidad o utilicen exclusivamente la nacionalidad extranjera que tuvieran atribuida antes de la emacipación. La perdida se producirá uma vez que transcurran tres años, a contar, respectivamente, desde la adquisición de la nacionalidad extranjera o desde la emancipación”.

O referido artigo segue dispondo que os interessados poderão evitar a perda se dentro do prazo indicado declararem a vontade de conservar a nacionalidade ao encarregado do Registro Civil.[43]

Contudo o artigo 68 da Lei do Registro Civil Espanhol traz uma questão que pode ser um complicador para os apátridas, pois determina que “No podrá inscribirse la nacionalidad española adquirida por cualquiera de las vías que reconoce el ordenamiento jurídico si no se ha efectuado la inscripción previa de nascimiento”[44].

 

Conclusão

A melhor alternativa nos casos de naturalização, para de fato guardar todos os direitos e garantias fundamentais que se pretende, nos termos da Carta Magna, seria que houvesse a determinação da obrigatoriedade de registro do certificado de naturalização, provisório ou definitivo, no Livro "E" do registro civil das pessoas naturais da residência ou da última residência do naturalizado, por meio de provimento próprio, editado, preferencialmente, pelo Conselho Nacional de Justiça ou por meio de lei – nesses casos, o processo legislativo tem se mostrado muito mais moroso do que o Conselho Nacional de Justiça, apesar das acusações de ativismo judicial. Para que não houvesse nenhum prejuízo, tornar-se-ia facultativo o registro dos certificados de naturalização anteriores à edição do ato normativo (provimento ou lei). 

O registro no livro "E" seria realizado mediante apresentação de requerimento do interessado, do ato de naturalização e também da declaração de domicílio do naturalizado na comarca ou comprovante de residência/domicílio, a critério do interessado, à semelhança do que dispõe a Resolução n. 155 do Conselho Nacional de  Justiça.

O brasileiro naturalizado, ao apresentar a certidão de nascimento ou a de casamento, poderia ainda requerer a transcrição desse documento estrangeiro no Livro “E”, fazendo o registrador civil anotações marginais recíprocas dos assentos. Essa transcrição só seria permitida quando apresentasse ou requeresse concomitantemente o registro de naturalização e o documento de origem obedecesse à legislação brasileira, ou seja, o documento estrangeiro deverá estar apostilado ou legalizado perante autoridade consular brasileira, traduzido por tradutor público juramentado, inscrito em junta comercial brasileira e registrado no cartório de títulos e documentos competente (artigo 148 da Lei n. 6.015/73).

O registro no Livro “E” da certidão de nascimento ou de casamento estrangeiro não seria obrigatório, pois nos casos dos apátridas tal documento é inexistente e no caso dos refugiados é muito pouco provável a existência ou localização.

Não haveria nenhum prejuízo aos naturalizados anteriores, ficando a critério o registro ou não no Livro “E”, tornando obrigatório o registro apenas daqueles a partir da regulamentação, para fins de controle, publicidade e efeitos erga omnes.

Da mesma maneira seria possível o registro da naturalização provisória, que, após se tornar definitiva, seria averbada à margem do registro no Livro “E”.

À margem do assento de naturalização definitiva ou provisória também seriam realizadas as anotações de casamento, separação ou divórcio, óbito, interdição, averbando-se ainda qualquer alteração no assento, tal qual: o reconhecimento biológico ou socioafetivo, a alteração de nome e de sexo, a alteração de patronímico, a perda e a retomada da nacionalidade brasileira etc.

Com isso, os registros civis passariam a deter e a oferecer à sociedade números completos e atualizados dos naturalizados, dos casamentos ou óbitos, tendo o encadeamento perfeito dos atos da vida civil desses “novos” brasileiros, assegurando a eles os mesmos benefícios concedidos aos brasileiros natos quanto à rapidez e economicidade de certos atos nos registros civis das pessoas naturais.

 

Referências:

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[1] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 188.

[2] CARTAXO, Marian Andrade. A nacionalidade revisitada: o direito fundamental à nacionalidade e temas correlatos. Fortaleza, abril de 2010, p. 27. Disponível em: . Acesso em: 19 jul. 2020.

[3] CARTAXO, Marian Andrade. A nacionalidade revisitada: o direito fundamental à nacionalidade e temas correlatos. Fortaleza, abril de 2010, p. 27-28. Disponível em: . Acesso em: 19 jul. 2020.

[4] CAHALI, Yussef Said. Estatuto do estrangeiro. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 19.

[5] CARTAXO, Marian Andrade. A nacionalidade revisitada: o direito fundamental à nacionalidade e temas correlatos. Fortaleza, abril de 2010, p. 28. Disponível em: . Acesso em: 19 jul. 2020.

[6] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 35. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 320.

[7] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 35. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 323-4.

[8] ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Verbatim, 2011, p. 259-60.

[9] Ibidem, p. 268.

[10] Em sete anos, Brasil naturaliza 7,6 mil pessoas. Revista Consultor Jurídico, 2 de setembro de 2013. Disponível em: . Acesso em: 19 jul. 2020.

[11] “Como a imigração não cessou, tanto que até 1970 se contam cerca de cinco milhões e quinhentos mil imigrantes [...] Essa população, quase toda, integra a nacionalidade brasileira, graças aos critérios que favorecem a sua aquisição, fundada no ius solis e na possibilidade da obtenção, sem grandes entraves, da nacionalidade secundária” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 35. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 326).

[12] ONU faz apelo para que Estados resolvam questão de apátridas até 2024. Agência Brasil. Genebra (Suíça), 13 de novembro de 2018. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2020.

[13] ONU: 10 milhões de crianças são apátridas; agência pede ‘medidas urgentes’. Publicado em, 3 de novembro de 2015. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2020.

[14] ONU faz apelo para que Estados resolvam questão de apátridas até 2024. Agência Brasil. Genebra (Suíça), 13 de novembro de 2018. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2020.

[15] Direito à nacionalidade do país onde se nasceu é exceção no mundo. Contacto. Luxemburgo, 8 de novembro de 2018. Disponível em: <https://www.wort.lu/pt/luxemburgo/direito-a-nacionalidade-do-pa-s-onde-se-nasceu-e-excec-o-no-mundo-5be47b1c182b657ad3b991be>. Acesso em: 3 ago. 2020.

[16] NOWROUZI, Mahjooba. O país onde mulheres não podem dizer seus nomes e são enterradas como anônimas. BBC Brasil. Afeganistão, 31 de julho de 2020. Disponível em: . Acesso em: 11 ago. 2020.

[17] O drama dos estrangeiros adotados por americanos que descobrem não ter cidadania. BBC. 22 de agosto de 2020. Disponível em: . Acesso em: 23 ago. 2020.

[18] KÜMPEL, Vitor Frederico et. al. Tratado notarial e registral. vol. II. 1. ed. São Paulo: YK Editora, 2017, p. 195.

[19] O portal da legislação mantido pelo governo federal (www.planalto.gov.br/legislacao), recentemente, deixou de mostrar o parágrafo único do artigo 33 da Lei n. 6.015/73. “A omissão decorre do fato que a Lei n. 6.216/75, ao alterar o “caput” do artigo 33, para inserir dois novos livros (Livro B-Auxiliar e C-Auxiliar), não reproduziu o teor do parágrafo único, nem fez referência a sua supressão, talvez porque não tenha havido alteração de redação no referido parágrafo” (CAMARGO NETO, Mario de Carvalho; OLIVEIRA, Marcelo Salaroli de. Coord. Christiano Cassetari. Registro civil das pessoas naturais. 2. ed. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2020, p. 379-80).

[20] CAMARGO NETO, Mario de Carvalho; OLIVEIRA, Marcelo Salaroli de. Coord. Christiano Cassetari. Registro civil das pessoas naturais. 2. ed. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2020, p. 380.

[21] Talvez no futuro, o Livro “E” após alteração legislativa, possa estar presente em cada registro civil, pois a preocupação anterior de se facilitar a localização do registro, hoje não mais existe com a CRC – Central de Informações do Registro Civil, facilitando ainda mais a vida das pessoas que poderiam realizar o registro de sua naturalização no registro civil mais próximo de sua residência, evitando deslocamentos desnecessários.

[22] CENEVIVA, Walter. Lei de registros públicos comentada. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 98.

[23] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática. 6. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014, p. 33.

[24] Ibidem, p. 32.

[25] Ibidem, p. 37.

[26] BOSELLI, Karine; RIBEIRO, Izolda Andrea; MRÓZ, Daniela.  Registro civil das pessoas naturais. In: Registros Públicos. Org. Alberto Gentil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020, p. 249.

[27] Ibidem, p. 250.

[28] Número de naturalizações cresce em 2019 e tempo de decisão cai para cinco dias. MigraMundo. 16 de janeiro de 2020. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2020.

[29] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 161.

[30] Vitor Frederico Kümpel expõe que, “não obstante a omissão da Resolução sobre a necessidade de tal registro prévio no Registro de Títulos e Documentos das transcrições de nascimento, casamento e óbito de brasileiros lavrados por autoridade estrangeira, tal requisito se mostra imprescindível” (in: Tratado notarial e registral. vol. II. 1. ed. São Paulo: YK Editora, 2017, p. 872).

[31] Mariangela Ariosi defende que: “Deverá registrar a transcrição do seu nascimento no estrangeiro no Livro E do cartório do seu domicílio e depois efetuar outro registro, também no Livro E, da decisão (Portaria) de concessão da nacionalidade brasileira pela naturalização. Após feitos ambos os registros, deve-se anotar apenas a naturalização no registro estrangeiro, pois este já se encontra mencionado no corpo do assento do registro da naturalização” (A prática registral da nacionalidade no livro ERevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25n. 62113 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83671. Acesso em: 17 ago. 2020).

[32] Mariangela Ariosi entende que: “Nesse caso, faz-se a averbação da perda da nacionalidade no Livro E do cartório no qual o estrangeiro teve sua decisão de naturalização registrada e a anotação dessa averbação no registro de transcrição de seu nascimento estrangeiro” (A prática registral da nacionalidade no livro ERevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25n. 62113 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83671. Acesso em: 17 ago. 2020).

[33] O artigo 102, § 5º, da Lei n. 6.015/73 prevê que no livro de nascimento será averbada a perda de nacionalidade brasileira, quando comunicada pelo Ministério da Justiça, nada mencionando expressamente quanto ao Livro “E”.

[34] KÜMPEL, Vitor Frederico et. al. Tratado notarial e registral. vol. II. 1. ed. São Paulo: YK Editora, 2017, p. 873.

[35] CAMARGO NETO, Mario de Carvalho; OLIVEIRA, Marcelo Salaroli de. Coord. Christiano Cassetari. Registro civil das pessoas naturais. 2. ed. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2020, p. 382.

[36] ARIOSI, Mariangela. A prática registral da nacionalidade no livro E. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25n. 62113 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83671. Acesso em: 17 ago. 2020.

[38] FUENTE, María Linacero de la. Tratado del registro civil. Adaptado a la Ley 20/2011, de 21 de julio, del Registro Civil. Valencia: Tirant lo Blanch, 2013, p. 369.

[39] Ibidem, p. 368.

[40] Ibidem, p. 378.

[41] Ibidem, p. 384.

[42] Ibidem, p. 385.

[43] Ibidem, p. 380.

[44] Ibidem, p. 398.
  
**Júlia Cláudia Rodrigues da Cunha Mota é Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais do 42º Subdistrito (Jabaquara) da Comarca da Capital do Estado de São Paulo.

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