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21 de Junho de 2004

Artigo - PL 3065: afinal, o que está "em jogo"?

A apreciação pela Câmara dos Deputados do PL 3065, dispondo sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, alterando legislação pertinente vigente e incorporando novos dispositivos legais para reger a matéria, constitui empreitada legislativa de largo alcance e múltiplas conseqüências. De um lado, não podemos desconhecer ser a continuidade de uma prática persistente nos últimos tempos de, a pretexto de facilitar ou agilizar as relações negociais, afastar a intervenção notarial ou registral. Grande parcela dessa perigosa visão excludente da função do notário e do registrador decorre do absoluto desconhecimento do seu papel e missão.

Numa sociedade em acelerado desenvolvimento e transformação, ansiosa por agilidade e lucro, viceja o desastroso vezo de entender formalidades indispensáveis à tutela jurídica de interesses como simples encenação burocrática que, aos novos tempos, incumbe dispensar. O que "está em jogo" no PL 3065 é a própria manutenção da atividade notarial e registral, como instrumento indispensável à sociedade, sua segurança e à proteção dos direitos dos cidadãos.

Tenho percorrido nas últimas semanas os extensos corredores do Congresso Nacional, ao lado de expressivas lideranças do notariado e dos registros públicos, no trabalho quase pedagógico de esclarecer o nosso verdadeiro papel e importância, e dou-me por recompensado. Da maioria dos parlamentares recebemos o silêncio de quem ouve atento e interessado em conhecer a nossa atividade e, ao final, revigorantes manifestações de apoio à causa que defendemos.

Estou convencido de que os nossos congressistas são homens comprometidos com o interesse público, animados pelo propósito de contribuir para a construção de um Brasil democrático, progressista e justo.

Esta atividade incansável de convencimento, de verdadeira "evangelização" que estamos realizando deixa-me cheio de orgulho e satisfação, pois sinaliza uma nova forma de relacionamento da classe com a sociedade, baseada no debate franco, no esclarecimento, na legítima defesa de nossos direitos e interesses.

Aplaudo entusiasmado essas novas luzes a iluminarem as mentes de alguns de nossos líderes. De há muito venho defendendo que devemos abandonar a penumbra, a cultura do conchavo, do cochicho, como se estivéssemos a defender interesses que não coincidiriam com o que é bom para a sociedade. Devemos saudar a luz, buscar os espaços de debate, pois, somente assim, poderemos defender a nossa boa causa e receber o apoio da sociedade e da classe política.

Embora solidário com igual vigor e entusiasmo, com as demandas do Registro de Títulos e Documentos e do Protesto de Títulos, tenho acompanhado mais de perto o esforço ingente e idealista dos Tabeliães de Notas. Admira-me o vigor incansável com que defendem o segmento, sua elevada dimensão jurídica e social. De fato, o Tabelião de Notas ocupa singular espaço pela projeção jurídica e social de seu trabalho, a que me reportei anteriormente. No direito brasileiro, o exercício da atividade notarial é valioso instrumento na prevenção de litígios, contribuindo para diminuição das demandas judiciais.

Por outro lado, e com indiscutível repercussão social, o trabalho do Tabelião de Notas é significativo na defesa do interesse dos mais desamparados economicamente, orientando-os na assinatura de contratos diversos, aconselhando-os e prevenindo-os contra cláusulas leoninas, a prestar importante e gratuita assessoria jurídica àqueles sem meios para contratá-la. Assim o fazendo, projetam-se como verdadeiros árbitros, importantes mediadores.

A propósito, é oportuno o ensinamento de Joaquim de Oliveira Machado: "São incontestáveis a nobreza e a magnitude das funções do tabelião. Traduzindo e gravando as convenções em ato solene e material, expungindo o contrato de todas as cláusulas obscuras e insidiosas, colhendo, com incomparável desprendimento, a vontade extrema do homem para ser cumprida após a morte, o tabelião nobremente concorre para a estabilidade dos direitos, vigoroso apoio da ordem pública".

E prossegue, com brilhantismo: "O tabelião é o inestimável antídoto da demanda. Genuíno produto da primitiva civilização é o seguro paládio da família e o mudo penhor do lar doméstico. Escrevendo instrumento com toda individuação e pureza, ele embarga o subterfúgio do pactuante malversor que projeta envolver o outro nos sinuosos meandros da chicana imprevista... Em todas as nações, mesmo nas épocas menos iluminadas, o tabelião tem merecido peculiar distinção dos poderes públicos". E conclui: "Um bom tabelião exerce benefício influxo no destino dos povos". (*)

Não tenho dúvidas de que a fragilização de sua atividade, a exclusão de sua participação nos atos de compra e venda de imóveis, o prestigiamento do instrumento particular em detrimento do instrumento público notarial, é temerária opção, cujos danos recairão sobre os mais desamparados na relação negocial, com graves e imprevisíveis repercussões sociais.
Outra dimensão que vislumbro no cenário posterior ao PL 3065 é o fortalecimento do sentimento de união de notários e registradores, ou a necessidade de recriá-lo, sob novo enfoque, desprezando mofados corporativismos, caducas visões que nos distanciam da nossa verdadeira função profissional, qual seja, a de prover segurança jurídica, com eficiência, celeridade e, principalmente, compromisso com a responsabilidade social.

Jaime Araripe
Presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, ARPEN/BRASIL e da ANOREG-CE.
(*) Joaquim de Oliveira Machado, Novíssima Guia Prática dos Tabeliães, H. Garnier, Livreiro-Editor, Rio de Janeiro, 1910.

Fonte: Arpen Brasil - www.arpenbrasil.org.br

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