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13 de Junho de 2004

Artigo - A Instrumentação Notarial-Registral e a Garantia da Segurança Jurídica

Nada obstante os alertas promovidos pelos operosos organismos pró-consumidores, além de notários e registradores, de há muito assistimos o aminguamento da segurança jurídica nacional pela inserção de política prestigiadora dos chamados "instrumentos particulares" no sistema jurídico nacional.

Exemplificam o fato a Lei nº 5.709, de 1971, art. 12, § 2º, II; a Lei nº 6.766, art. 26; a Lei nº 8.934, de 18.Nov.1994, art. 53; a Lei nº 9.514, de 20.Nov.1997, art. 38; a Lei nº 9.636, de 1998, art. 34, § 1º; a Lei nº 10.150, de 2000, art. 2º, § 4º; a Lei nº 10.188, de 2001, arts. 8º, 23, par. ún., 39, par. ún.; e cumpre agregar ainda o Projeto de Lei nº 3.065/04, que "Dispõe sobre o patrtimônio de afetação de incorporações imobiliárias, Letra de Crédito Imobiliário, Cédula de Crédito Bancário, altera o Decreto-Lei nº 911, de 16 de dezembro de 1964, nº 4.728, de 14 de julho de 1965, e nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e dá outras providências", que tramita no Congresso Nacional sob a bandeira de estimular a construção civil pelo fortalecimento do crédito aos consumidores dos bens ofertados por esta indústria, a dizer, crédito para aquisição de imóvel na planta.
A doutrina, a dogmática, a jurisprudência e a legislação são unânimes no ponto da imprescindibilidade do instrumento público notarial e registral para paz social, erigindo esse mecanismo de tutela jurídica em todos os sistemas de feitio germânico-romanista, - inclusive em países anglo-saxões, onde, sobre não proibirem, a notarização de contratos asseguradores do direito contratual, e direito real imobiliário (Real Estate Law), é facultada, sendo a registração, em contrapartida, imposta como requisito constitutivo dos direitos que contêm.

No Brasil, se facultada para declaração e constituição do direito negocial e obrigacional contratual, a notarização e registração imobiliária restam estatuídas como cláusulas gerais de validade nas constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais, como paradigmatizam os arts. 108 e 1.245 do CC/2002.

Nos últimos 50 anos, graças aos trabalhos pioneiros de ética jurídica de Anthony Kroman, Christopher Lash, Jean Baudirillard, John Kenneth Galbraith, Herbert Marcuse, John Rawls, e Paul Baran, os modelos contratuais liberais de Friedrich Hayek, Milton Friedman e Robert Novic encontraram um poderoso contrapeso pugnador da proteção do consumidor no mercado de consumo dominado pela economia globalizada e caracterizado pela ferocidade empresarial em direitura do lucro.

Aquela corrente de pensamento ético-jurídico, costumeiramente chamada de "liberal neoclássico", avivou que a legitimidade negocial não está nos resultados, mas na proteção do menos aquinhoado.

Noutros termos, o mercado de consumo só será efetivamente justo se as preferências individuais dos consumidores forem respeitadas no mesmo grau de prevalência que os interesses dos produtores. Não se trata de mero exercício de política de isonomia, pelo estabelecimento de tratamento desigual dos desiguais. Mas do estabelecimento de políticas de Estado pró-consumeristas, que começam pela proteção contratual e terminam na maximização da eficacidade das responsabilidades.

Se tivéssemos de deter o leitor com argüições apologéticas ao sistema notarial e registral brasileiro, que, aliás, são modelares em todos os sentidos, não falaríamos de obviedades como a sua organização eficaz; a incomensurável economia que proporciona ao Estado na tutela administrativa de direitos disponíveis e indisponíveis, mediante a gestão autônoma, por profissionais do direito, de atribuições que vão desde o aconselhamento e consultoria jurídica gratuitas à população a lavraturas de negócios jurídicos constitutivos de direitos e obrigações.

Bastaria-nos apontar, como o fazemos agora, para o outro lado da mesma obviedade, como seja, o de que o esvaziamento dos serviços dos tabelionatos e registros públicos - pela edição de leis nacionais que ora facultam ora proíbem o instrumento público e o seu registro -, simplesmente não realiza os objetivos fundamentais de um Estado Democrático de Direito, firmados no Preâmbulo e art. 3º da nossa Constituição.

E que a manutenção da sobranceria da instrumentação particular, socolor de prover economia ao trato negocial, é rematada contradição lógica e jurídica. Lógica, porque a instrumentação particular, além de insegura, é mais cara e cumpridamente danosa, seja no plano de acautelação de interesses, porque desprovida da imparcialidade e aconselhamento que apanagiam a função notarial, seja no plano finalístico, pela irresponsabilidade de quem lavra tais instrumentos sem os resultados que seriam razoáveis dele se esperar. E contradição jurídica porque desconsidera o sistema de garantias constitucionais, inserindo, sem razoabilidade, a exceção da instrumentação particular na seara de atos cuja essência reclamam as interferências notarial e registral.

Em suma: a instrumentação particular em negócios imobiliários é perigosa enfermidade do Direito Social, que não se limita à desgarantia do comércio jurídico. Simplesmente o destrói.


Fonte: Site da Arpen-Brasil (www.arpenbrasil.org.br)
Autor: Regnoberto Marques de Melo Jr é Professor universitário, Coordenador do Centro de Estudos da Anoreg- CE e Doutorando em Direito Civil.

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