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06 de Julho de 2004

Jurisprudência - Casamento na vigência da Lei do Divórcio pelo regime da comunhão de bens sem apresentação de pacto antinupcial

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 173-6/0, da Comarca de OURINHOS, em que é apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e apelada LUCIANE MARTINS ROMEIRA E SILVA.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 20 de maio de 2004.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator
V O T O
Registro de Imóveis. Dúvida. Registro de formal de partilha. Herdeiros casados na vigência da Lei do Divórcio pelo regime da comunhão de bens. Registro viável sem apresentação de pacto antenupcial, uma vez que a habilitação foi feita na vigência de lei anterior que não exigia tal formalidade quando adotado aquele regime. Recurso improvido.
1. Trata-se de apelação interposta por Ministério Público de São Paulo (fls.59/62) contra sentença proferida pelo MM Juiz de Direito Corregedor Permanente do Oficial do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Ourinhos (fls.52/56), que julgou improcedente a dúvida suscitada, autorizando o registro do formal de partilha, extraído do arrolamento sumário dos bens deixados pelo falecimento de André Martins Romeira.
Sustenta, em síntese, o recorrente, que razão assiste ao Oficial, uma vez que os herdeiros Walter Martins Romera e Dovis Sales Romera casaram-se pelo regime da comunhão de bens depois de entrar em vigor a Lei 6515/77, sendo necessário, portanto, o pacto antenupcial, ainda que a habilitação tenha sido feita na vigência da lei anterior.
Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso (fls 137/139), porém, por fundamento diverso, qual seja, a existência de erro no formal de partilha consistente na menção de que o casamento dos herdeiros Odair Martins Romeira e Adelaide Pimenta Romeira ocorreu na vigência da Lei 6515/77, tendo sido realizado anteriormente a sua promulgação.
É o relatório.
2. O recurso não comporta provimento.
A apelante pretende o registro do formal de partilha dos bens deixados em razão do falecimento de André Martins Romeira, que foi negado pelo Oficial por entender que os herdeiros Walter Martins Romera e Dovis Sales Romera são casados pelo regime da comunhão de bens na vigência da Lei 6515/77, sendo, portanto, necessária a apresentação do pacto antenupcial.
A requerente se insurgiu contra tal exigência, sustentando que a habilitação do casamento foi feita na vigência da lei anterior, a qual não exigia o pacto antenupcial para os casamentos a serem realizados pela comunhão universal de bens, posto que era esse o regime legal.
Razão assiste à apelada, devendo ser procedido o registro.
Com efeito, o casamento dos referidos herdeiros foi realizado em 07 de janeiro de 1978, já na vigência da Lei 6515/77, a qual entrou em vigor em 27 de dezembro de 1977, e a habilitação foi expedida em 17 de dezembro daquele ano, ainda na vigência da lei anterior.
Foram muitos os casos em que o casamento se deu na vigência da nova lei e a habilitação ainda quando vigorava a anterior, sem realização do pacto antenupcial. Na época, o MM. Juiz da 1ª Vara de Registros Públicos, após consulta do Terceiro Oficial de Registrosde Imóveis da Capital, entendeu ser dispensável o pacto antenupcial, assim decidindo:
"A questão é nova e propicia, realmente, certa perplexidade ao Oficial registrador. Já decidiu, e por mais de uma vez, o Tribunal de Justiça de São Paulo, que em casos tais pode-se suprir a falta do pacto antenupcial, constando o ato por averbação à margem do assento de casamento (Revista de Jurisprudência, vol. 72/42). O mesmo pensamento foi esposado no julgamento inserido na mesma Revista, vol. 67, p. 126. Julgando hipótese em que no assento do registro do casamento constou o regime da comunhão parcial, o mesmo Tribunal assim se pronunciou: Dos autos consta que antes do advento da Lei 6515, de 26.12.1977, os apelantes requereram a habilitação para o casamento que contraíram, mas se casaram em 14.1.78, sob império da mencionada Lei. Quando requereram a habilitação, os apelantes expressamente declararam que adotariam o regime da comunhão universal, e isto está dito a fls. 5. É certo que não foi celebrado pacto antenupcial, por escritura pública, mas a declaração verbal que fizeram, reduzida a termo, tinha plena validade, pois fora ela manifestada pelo regime legal, que no silêncio optavam pelo regime da comunhão universal, praticaram eles um ato jurídico perfeito, consumado, sendo todos os requisitos suficientes para o aperfeiçoamento do negócio, durante a vigência da Lei anterior. Sendo perfeito o ato jurídico, encontrava-se ele coberto da lei que veio alterar o regime legal de bens. Adotado o jurídico e bem lançado parecer do Procurador da Justiça, Dr. Márcio de Salles Penteado, dão provimento ao apelo interposto, para o fim de ser retificado o assento do casamento, ficando constando do mesmo ser o da comunhão universal o regime de bens dos apelantes. Em casos tais, quando comprovado na habilitação, processada anteriormente à vigência da Lei 6515/77, que os noivos declararam-se pelo regime da comunhão universal e, realizado o casamento após a vigência daquela Lei, ficou constando do assento do registro civil, o regime da comunhão universal, a falta de pacto antenupcial poderá ser suprida por contrato posterior de ratificação. A solução, no entanto, se restringe a essa hipótese, justamente, quando do registro do pacto preliminar do regime de bens, por entenderem, à época, desnecessário, uma vez que já tinham declarado, por vontade, aquele regime, no processo de habilitação, anterior à nova sistemática "(processo nº 112/82).
No caso em tela, os noivos escolheram na habilitação de casamento o regime legal que então vigorava, declarando expressamente que pretendiam se casar pela comunhão de bens. Em razão disso, foi dispensada a elaboração de pacto antenupcial.
Assim, deve prevalecer a vontade inequívoca dos nubentes de adotar o regime da comunhão de bens, o qual é o que sempre constou do respectivo assento, merecendo na hipótese a dispensa da apresentação do pacto antenupcial que não foi feito.
Por outro lado, não há óbice ao registro do formal de partilha em razão de nele constar que o casal Odair MartinsRomeira e Adelaide Pimenta Romeira casaram-se na vigência da Lei 6515/77. O princípio da continuidade não foi ofendido, ao contrário do que sustentou a ilustre Promotora de Justiça convocada pela Procuradoria Geral de Justiça.
Preleciona Afrânio de Carvalho que: "O princípio da continuidade, que se apóia no da especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente" ("Registro de Imóveis", 4ª ed., Ed. Forense, 1998, p. 253). E acrescenta, mais adiante: "Ao exigir-se que todo aquele que dispõe de um direito esteja inscrito como seu titular no registro, impede-se que o não-titular dele disponha. A pré-inscrição do disponente do direito, da parte passivamente interessada, constitui, pois, sua necessidade indeclinável em todas as mutações jurídico-reais" (op. cit., p. 254).
O erro em tela se refere à qualificação dos herdeiros do detentor do domínio, pessoas que não figuram na matrícula, não havendo risco de ofensa ao princípio da continuidade.
Além disso, a certidão de casamento apresentada à fls. 49 comprova que os referidos herdeiros casaram-se em 1971, muito antes da vigência da Lei do Divórcio. No formal de partilha constou o correto regime de bens adotado, sendo que a menção de que o casamento ocorreu na vigência daquela lei é erro material que não prejudica o ingresso do título no fólio real.
Por fim, o registro seria de fato inviável em razão da não apresentação da certidão de casamento dos herdeiros Odair e Adelaide, porque somente assim se comprovou que o casamento se deu antes de 1978. Entretanto, não foi dada nova oportunidade à apelada para suprir tal falha, posto que na nota de devolução que originou a presente dúvida não constou tal exigência. Deveria o Oficial novamente ter devolvido o título para a juntada do documento, e aí sim, se ausente este, ter suscitado a dúvida também por esse motivo.
Ante o exposto, nego provimento à apelação para, pela fundamentação ora adotada, manter a sentença recorrida.
(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator

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