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24 de Agosto de 2018

Artigo - Terceiro quadradinho de gênero ganha força – Por Hugo Souza

'Inter', 'diverso', 'não-binário', 'neutro', 'X'. Importa menos a designação e mais a proteção do direito à identidade, dignidade e privacidade
 
No Canadá, certidões de nascimento e passaportes já contam com a opção de gênero 'X' (Foto: Pixabay)

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“A atribuição de um gênero é de suma importância para a identidade individual; normalmente, desempenha um papel fundamental tanto na autoimagem como na maneira como cada pessoa é percebida pelos outros. A identidade de gênero das pessoas que não são nem masculinas nem femininas deve ser protegida”.

Esse é um trecho de uma decisão tomada pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, em novembro do ano passado. Uma decisão que logo foi classificada como “revolucionária”, porque a mais alta instância judiciária alemã estabelecia ali, para todos os efeitos, inclusive e sobretudo os legais, que todos os alemães têm o direito de serem identificados como de algum gênero, mesmo que não seja nem masculino, nem feminino.

Desde 2013, a Alemanha permite que se deixe em branco os dois quadradinhos para definição de sexo nas certidões de nascimento, o que já era considerado um avanço em matéria identitária, porque significa, inclusive, que os pais podem deixar para que os próprios filhos preencham essa parte anos mais tarde. Uma pessoa, porém, não satisfeita, foi à justiça pelo direito de definir seu gênero, de papel passado, em vez de em branco, como “inter” ou “diverso”.

O resultado foi a decisão de novembro do “Supremo alemão”, e o resultado da decisão de novembro é que o governo de Angela Merkel acaba de enviar para apreciação do Bundestag, o parlamento da Alemanha, um projeto de lei para que as certidões de nascimento emitidas no país passem a oferecer mais de duas possibilidades de marcação de gênero. Além delas, “diverso” ou “outro”.

Na Califórnia, gênero ‘não-binário’

Os deputados alemães têm, agora, até o fim do ano para tomar uma decisão sobre uma questão que, antes de tudo, aqui, é biológica: a ONU estima que até 1,7% dos bebês que nascem no mundo não podem, ou não deveriam, ser classificados nem como do sexo masculino, nem do feminino, porque ou seus cromossomos, ou glândulas sexuais (ovário e testículo) ou órgãos sexuais não se enquadram nessa classificação binária, seja quando isso fica evidente logo ao nascimento, seja quando isso só se revela na puberdade ou, por exemplo, em exames para detectar causas de infertilidade.

Em meados de março o Tribunal Constitucional da Áustria, citando a Convenção Europeia de Direitos Humanos, anunciou que seguiria os passos do seu congênere alemão: os registros oficiais austríacos deverão apresentar às pessoas uma terceira opção de gênero para se identificarem. Em maio, um tribunal holandês deu ganho de causa a uma pessoa nascida em 1961, que pleiteou ao Estado o direito de mudar de “homem” para “mulher” a classificação de gênero em seu registro civil. E pediu mais: que a justiça reconhecesse o gênero “neutro”.

A justiça lhe deu razão.

Do outro lado do Atlântico, em outubro de 2017, o governador da Califórnia, o democrata Jerry Brown, assinou a lei de “Identidade de gênero: mulher, homem ou não-binário”, garantindo aos californianos uma terceira opção, batizada assim, “não-binário”, para identificação de gênero nos documentos pessoais, da certidão de nascimento à carteira de habilitação. Há pouco tempo, uma pessoa chamada Sara Kelly Keenan conseguiu do estado da Nova York, aos 55 anos de idade, a emissão de uma nova certidão de nascimento onde seu gênero é definido como intersexual.

No Canadá, em certidões de nascimento e passaportes já consta, também desde o ano passado, a opção de gênero “X”. No Brasil, um projeto de lei proposto pela deputada Laura Carneiro (MDB-RJ), em 2016, prevê “disciplinar o registro civil do recém-nascido sob o estado de intersexo”, registrando-o assim, de gênero “intersexo”, ou “indefinido”. O projeto de lei está desde o ano em que nasceu dormindo na Câmara deste país de, via de regra, lógicas binárias.

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