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15 de Outubro de 2021

G1 Santos - Casal homoafetivo consegue na Justiça o registro com dupla paternidade na matrícula de filho em escola no litoral de SP

Roberto Ribeiro precisou ser cadastrado no campo indicativo para 'mãe' do aluno, pois sistema da Secretaria Estadual de Educação não permite dupla paternidade.

Um casal homoafetivo conseguiu na Justiça o direito de matricular o filho de 4 anos com dupla paternidade na ficha de inscrição de uma escola municipal de Barra do Turvo, no interior de São Paulo. Ao g1, Roberto Pereira, que é professor da rede pública, contou que se sentiu constrangido ao ter que usar seu nome no campo indicado para 'mãe'. Cabe recurso na decisão.

Roberto e o companheiro são casados há sete anos, e por dois anos passaram pelo processo de adoção. Em 2016, conseguiram adotar o pequeno Arthur, hoje com 4 anos, e Sophia, de 2. Apesar de pensarem que as dificuldades enfrentadas pelos dois já haviam se tornado passado, se surpreenderam quando foram matricular o mais velho na rede municipal de ensino, em setembro do ano passado.

Eles moram em Barra do Turvo, de população com cerca de 7,6 mil habitantes, segundo a estimativa do Censo IBGE 2020. O município conta com apenas uma escola pública, a Escola Municipal Maria Aleixo de Queiroz, onde Roberto trabalha e desejava matricular o filho.

"Fui todo feliz fazer a matrícula dele na escola. No momento em que a secretária foi colocá-lo no sistema, ela não conseguiu realizar a matrícula de acordo com o que está na certidão de nascimento do Arthur", recorda.

Na certidão, constam os nomes dos dois pais como filiação, seguindo a ordem alfabética: primeiro o esposo dele, Alexandre Ribeiro de Jesus, e depois o próprio Roberto. O sistema ao qual os pais se referem é o da Secretaria de Educação de São Paulo.

Eles tentaram de tudo, desde os dois nomes no campo de 'pai' até apenas um nome, sempre deixando o campo de 'mãe' em branco, mas não tiveram sucesso. Arthur só foi matriculado quando colocaram o nome de Alexandre como pai e o de Roberto como 'mãe'.

"Para o sistema, o campo 'mãe' é o mais importante. Eu acho linda a palavra mãe, mas me senti sozinho, envergonhado por passar por isso. Eu tenho uma certidão de nascimento do meu filho, mas não consegui fazê-la valer para colocá-lo na escola", desabafa.

'Questão de bom senso'

Arthur foi matriculado e frequenta as aulas normalmente. No entanto, a situação já dura um ano. Os pais moveram uma ação contra o Governo de São Paulo para fazer a alteração e correção do cadastro deles na matrícula do filho.

Para o advogado Vinicius Vieira Dias, que representa o casal, a alteração na forma de cadastrar os responsáveis pelos alunos deveria ser "questão de bom senso", e não de leis. "Não existe uma lei que obrigue, mas nem precisaria, porque não existe uma lei que proíbe", defende.

"O estado está atrasado quando deixa de aceitar o registro escolar de uma criança criada por dois pais ou duas mães", disse o advogado. "Houve um diálogo entre a direção [da escola] e os pais, uma tentativa que chegou à exaustão. Mas, o sistema do estado não aceita o registro".

Em setembro, uma decisão liminar da 1ª Vara Cível de Jacupiranga foi favorável aos pais. A Procuradoria Geral do Estado foi intimada, via portal eletrônico, no dia 9 de setembro, sobre a sentença e o prazo dado pelo magistrado para o cumprimento, de 20 dias, sob risco de multa diária de R$ 200.

O g1 questionou a Secretaria de Educação de São Paulo sobre o sistema que não admite dupla paternidade ou dupla maternidade. Em nota, a pasta afirmou lamentar o incômodo que a situação gerou aos pais do estudante.

A secretaria informa que recebeu a decisão na tarde desta quinta-feira, e que, apesar de a matrícula não ser em uma escola da rede estadual, o sistema é utilizado de forma compartilhada, e será reformulado no prazo de 20 dias.

PL garante registro

O Projeto de Lei 5.423/20, que tramita na Câmara dos Deputados, garante o direito de registro de dupla maternidade ou paternidade a casais homoafetivos que tiverem filhos, independentemente do estado civil.

A autora da proposta é a deputada Maria do Rosário (PT-RS). Conforme o texto, nesses casos, será registrado no documento de identificação o nome dos genitores como sendo de duas mães ou de dois pais, conforme o caso.

O registro será adotado nos demais documentos de identificação civil, tais como documentos de identidade, comprovantes de pessoa física, carteira nacional de habilitação, documentos oficiais de identificação profissional e passaportes.

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu o direito à união estável para casais do mesmo sexo, e o Superior Tribunal de Justiça já declarou a legalidade da adoção entre casais homoafetivos.

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