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03 de Março de 2016

Cartório paulista sai na frente e realiza casamento inédito de pessoa com deficiência, depois da Lei Brasileira de Inclusão

Em 17 de fevereiro, o Cartório de Registro Civil de Artur Nogueira (SP) realizou o primeiro casamento de pessoa com deficiência intelectual no país. Depois de 19 anos de convivência e um filho de 17 anos, R. A. O. L, 44, e J. F. D, 53, finalmente se casaram.

A noiva, que sempre sonhou com esse momento, foi beneficiada pela Lei Brasileira de Inclusão, que permite que pessoas com deficiência intelectual possam casar e exercer outros direitos da vida civil. A Lei foi sancionada em julho de 2015 e entrou em vigor em janeiro deste ano. De acordo com o filho do casal, de 17 anos, a mãe nunca esteve impossibilitada de levar uma vida normal. R. A. O. L. e J. F. D. trocaram as alianças na presença do Juiz de Paz Éric Lucke.

O titular responsável pelo cartório de Artur Nogueira, Fernando Marchesan Rodini Luiz, comentou sobre a importância da data e explicou que a pessoa interditada, assim como no caso de R. A. O. L, era considerada completamente incapaz, e para se casar dependia de uma ordem judicial. Mas, segundo ele, atualmente uma pessoa com deficiência intelectual não é mais considerada como totalmente incapaz, ou seja, qualquer pessoa nesta condição é considerada relativamente capaz, podendo gerir os seus atos da vida pessoal.

Estatuto – O Estatuto da Pessoa com Deficiência - também conhecido como Lei Brasileira da Inclusão (LBI) - foi instituído para regulamentar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU), que defende que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas, em todos os aspectos da vida. Até a promulgação do Estatuto, a lei brasileira trazia expressa vedação ao casamento de pessoas com enfermidade mental, consideradas absolutamente incapazes, o que encontrava seu fundamento na necessidade de pleno discernimento para praticar este ato. Com a vedação, se buscava proteger a pessoa.

A mudança implementada pelo texto faz parte do abandono do paradigma da exclusão, em busca da plena e efetiva inclusão da pessoa com deficiência no convívio social. Havendo vícios de consentimento ou manifestação de vontade, o casamento poderá ser anulado. A regra é a validade, sendo exceção a anulação do matrimônio, que deverá ser buscada judicialmente, momento em que serão produzidas as provas cabíveis. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 10% da população em países em desenvolvimento possuem algum tipo de deficiência, sendo que metade são pessoas com deficiência intelectual. Atualmente, no Brasil, existem 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência.

Para a oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro, em Belo Horizonte, Letícia Franco Maculan Assumpção, membro do IBDFAM, a celebração de um casamento de pessoa com deficiência intelectual representa a concretização dos princípios que fundamentaram a Convenção de Nova Iorque quanto à Lei nº 13.146/2015.

Ela explica que a Convenção de Nova Iorque é uma convenção internacional, ratificada pelo Brasil e por mais 156 países, que busca promover e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, promovendo assim o respeito pela sua dignidade inerente. “Até o momento, é a única convenção aprovada e promulgada pelo quórum de votação previsto pelo artigo 5º, inciso 3º, da Constituição da República Federativa do Brasil. Assim, mesmo anteriormente ao Estatuto, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência já havia se incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, com força de emenda constitucional”, diz.

Conforme Letícia Franco Maculan Assumpção, para que as conquistas dos deficientes se concretizassem foi necessário esperar a entrada em vigor da Lei nº 13.146/2015. De acordo com a oficial, o primeiro casamento no Brasil de uma deficiente intelectual após a entrada em vigor do Estatuto do Deficiente representa uma mudança de paradigma, com a busca de um modelo social de direitos humanos. “É preciso buscar a eliminação da exclusão daquele que é diferente. O conceito de deficiente consta do artigo 2º do Estatuto: a pessoa que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. De acordo com o artigo 84, ‘A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas’ ”, afirma, acrescentando que a nova lei determina que a curatela não está mais associada à incapacidade absoluta.

Letícia Assumpção explica que a lei determinou que a curatela afeta apenas os aspectos patrimoniais, mantendo ao portador de transtorno mental o controle sobre os aspectos existenciais da sua vida, como o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. No entanto, acrescenta, é necessário que o oficial e o Juiz de Paz possam apreender a real vontade do deficiente. “É preciso que a vontade do deficiente consiga ser transmitida e que ela seja livre, ou seja, que não haja coação ou induzimento. O desafio dos Oficiais do Registro Civil será garantir os direitos do deficiente e, ao mesmo tempo, protegê-lo daqueles que queiram tirar proveito da sua deficiência. Assim, é preciso agir com cautela, entrevistar o deficiente, se possível individualmente, conversar também com o curador e com aquele que pretende com ele se casar. Na dúvida, deve a questão ser submetida ao juiz competente, para a decisão”, conclui.

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