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01 de Dezembro de 2020

Clipping - Metrópoles - Corregedoria Nacional de Justiça cria órgão para fiscalizar cartórios

Ao tomar posse na Corregedoria Nacional, ministra Maria Thereza criou plano para modernizar relações da Justiça com esses estabelecimentos

Menos de uma mês depois assumir a Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra Maria Thereza de Assis Moura publicou um plano de trabalho para modernizar as relações entre tribunais de Justiça e cartórios.

Com mais de 50 páginas, a proposta quer, a princípio estimular ou até mesmo forçar a realização de concursos e a renovação dos nomes que estão a frente do cartórios em todo o país, já que muitos ainda são controlados por antigos “titulares”, especialmente advogados com relação muito próxima a magistrados que atuam em todo o país.

A ideia é assegurar o preenchimento imediato de vagas com base em critérios impessoais e universais, como manda a lei e, consequentemente, derrubar os antigos feudos. Atualmente, o Brasil tem mais de 13 mil cartórios, boa parte dos quais controlados ainda por antigos tabeliões.

“A ministra Maria Thereza (na Corregedoria) pediu minha ajuda e eu pretendo pôr em ordem o setor. Seria arrogante dizer que vamos organizar 100% (dos cartórios) num biênio. Mas existem providências estruturais que são possíveis de tomar para viabilizar os concursos em todos os estados”, afirmou o desembargador Marcelo Martins Berthe, um dos principais auxiliares da nova corregedora do Conselho Nacional de Justiça.

Além dos novos concursos, a Corregedoria Nacional deve fazer um pente-fino nos concursos já realizados e, a partir daí, induzir os tribunais ao preenchimento das vagas com os novos gestores devidamente aprovados. As medidas são consideradas necessárias porque, em alguns tribunais, alguns setores ainda resistiriam à chegada ou à ascensão de novos administradores, sobretudos nos maiores.

Sem a abertura e competição por vagas, prevalece a velha ordem, que ainda controla os cartórios desde épocas remotas e que ainda tratam as instituições, de caráter público, como bens particulares. Esses estabelecimentos oferecem serviços extrajudiciais e, na prática, funcionam como uma extensão do Poder Judiciário.

Batalhas judiciais

Com essa mistura de interesse público e privado, há relatos de casos de antigos titulares ou interinos indicados por desembargadores que promovem longas batalhas jurídicas com o objetivo de atrasar a conclusão de concursos e, com isso, vão permanecendo nos cargos.

“Tudo é uma questão de caso a caso. Há casos que existem desvios. Já se fez várias intervenções para evitar isso. Eu mesmo já participei de casos em que desembargadores que fazem gestões para parentes, amigos ou advogados que ele conheça sejam designados como interinos”, detalhou Berthe.

O desembargador fez a declaração com base na primeira experiência que teve no Conselho Nacional de Justiça, ainda na gestão do ex-ministro Gilson Dipp, entre 2009 e 2010, e em correições no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ainda nos anos 90.

No novo cargo, a ministra Maria Thereza ainda terá de analisar outras questões. Algumas disputas, por exemplo, se prolongam mesmo depois da conclusão dos concursos e a seleção dos aprovados. Cartorários reclamam que, quando obtêm classificação suficiente para ocupar cartórios maiores, muitas vezes são alvos de processos administrativos arbitrários.

Ligações com magistrados

A Corregedoria Nacional ainda não tem dados específicos sobre a situação. Mas os feudos e as brigas por cartórios mexem com os nervos e os bolsos de pessoas em quase todos os tribunais estaduais. Entre os estados que mais acumulam problemas estariam Alagoas, Maranhão, Piauí, Santa Catarina, Ceará e Tocantins. São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul iniciaram o processo de modernização mais cedo e os conflitos mais complexos teriam sido resolvidos.

Alagoas é considerado um caso emblemático da resistência de parte do Judiciário à tentativa de modernização. Recentemente, desembargadores do Tribunal de Justiça se declararam suspeitos ou impedidos de presidir um concurso para mais de 200 cartórios do Estado. Todos teriam alegado algum tipo de vínculo com a questão dos cartórios e, por isso, não teriam a devida isenção para coordenar a seleção dos novos profissionais.

Com o o impasse, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) convocou o próprio Berthe, que é desembargador de São Paulo, para desatar os nós. O magistrado abriu o concurso, que recebeu mais de 6 mil inscrições de pessoas de todo o país. O certame só foi suspenso por causa da pandemia de coronavírus. O desembargador garante, no entanto, que conclui o processo seletivo em 2021, mesmo com alguns casos já em disputa na Justiça.

A operação pente-fino da Corregedoria Nacional sobre os concursos deverá mapear outros focos de resistência e, a partir daí, buscar soluções negociadas ou, em último caso, intervir como aconteceu em Alagoas. O trabalho estará sob a responsabilidade da Coordenadoria para os Serviços Notariais e Registrais, criada pela própria ministra Maria Thereza.

A criação da coordenadoria é um dos mais fortes indicativos da prioridade que o tema terá durante a nova gestão. A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é discreta e dificilmente fará declarações retumbantes sobre moralização no setor. Mas com a sinalização inicial, a expectativa é que enfrente as questões mais espinhosas, mesmo a contragosto de setores do Judiciário.

Histórico

O primeiro choque de modernização das relações entre tribunais de Justiça e cartórios foi conduzido pelo ex-ministro Dipp, também com o auxílio de Bethe. Por ordem do ex-corregedor, hoje ministro aposentado, mais de cinco mil cartórios foram declarados vagos e, portanto, deveriam ter suas vagas preenchidas mediante a realização de concursos públicos.

As decisões do ministro provocaram grande rebuliço no setor e, de fato, alguns tribunais tiveram que abrir os primeiros concursos para cartorários. Hoje, mais de uma década depois dos primeiros passos, o quadro geral indica estagnação. A renovação dos cartórios teria sido abandonada ao longo dos anos. A pandemia do coronavírus também adiou alguns processos seletivos previstos para este ano. Com isso, muitos cartórios estão sendo administrados por interinos e aguardam o desfecho de intermináveis batalhas jurídicas.

A diretora-executiva da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), Fernanda de Almeida Abud Castro, considera a realização de concursos e a revisão das regras do CNJ. Para ela, algumas lacunas nas medidas gerais dão margem a contestações judiciais de resultados de processos seletivos. “Tem concurso que dura 12 anos por causa de decisões liminares. E a coisa não acaba nunca. Isso não pode acontecer”, reclama.

A diretora da Anoreg classifica como essencial a ampliação do leque de serviços prestados pelos cartórios e argumenta que as instituições têm grande capilaridade e poderiam assumir algumas tarefas que hoje sobrecarregam a Justiça. “Os cartórios podem ajudar muito mais, retirando do Judiciário temas que podem ser resolvidos administrativamente”, disse.

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