Notícias

03 de Dezembro de 2009

Clipping - Folha de S.Paulo - Projeto que agiliza divórcio passa no Senado

A chamada PEC do divórcio direto acaba com os períodos necessários para um casal pedir sua separação definitiva

Hoje, é preciso esperar 2 anos da separação de fato ou 1 ano da separação formal (feita pela Justiça ou por cartório); proposta vai a 2ª votação

JOHANNA NUBLAT
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O plenário do Senado aprovou ontem, em primeiro turno, a chamada PEC do divórcio direto. Ela acaba com os prazos atualmente necessários para o pedido do divórcio, em qualquer caso, e com a figura da separação formal.

O texto ainda deverá ser votado uma segunda vez no plenário, antes de ser promulgado -como é uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), não passará por avaliação da Presidência.

Pela lei vigente hoje, o casal precisa esperar dois anos da separação de fato (com a saída de um deles de casa, por exemplo) ou um ano da separação formal (seja feita pela Justiça ou pelo cartório) para se divorciar. A PEC vai permitir que o casal inicie o processo quando quiser.

A proposta foi chamada tanto de PEC "do amor" quanto "do desamor" pelos senadores durante a votação de ontem.

"A proposta dá a possibilidade de casar de novo e amar o quanto quiser", defendeu o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). "Ela acaba com prazos e interstícios, é a PEC do amor, como foi apelidada aqui", afirmou Demóstenes Torres (DEM-GO).

Divergindo dos colegas, Marcelo Crivella (PRB-RJ), evangélico, disse que ela prejudica uma eventual conciliação. Ele defendeu a permanência de um prazo para reflexão, de pelo menos seis meses. "Vai ser do desamor. É pensando melhor que o casal descobre o melhor caminho."

A manutenção de um prazo mínimo também foi defendida pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) durante a tramitação da proposta.

Lobby

Pouco depois de chegar ao Senado, em junho, após uma passagem rápida pelo plenário da Câmara, a PEC começou a sofrer pressões de parlamentares ligados à Igreja Católica.
O trâmite da matéria no plenário acabou suspenso por mais de um mês por requerimento do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que atendeu a um pedido de adiamento feito por um deputado católico. Ontem, Azeredo disse ter sido convencido. "Tinha temor de banalizar o casamento. Mas meu voto é convicto da importância da PEC", afirmou.

A matéria foi apresentada em nome do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito da Família) pelo deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ). Teve incorporadas outras propostas, entre elas a do deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), um dos principais articuladores da votação nas duas Casas.

"Há uma economia para as pessoas: de custas processuais, honorários advocatícios e ainda a economia emocional", afirmou Barradas Carneiro.

O deputado rebate o argumento de que a proposta atrapalha uma possível conciliação.

"Há pessoas que tentam voltar, não dá certo. Se separam, só depois é que decidem pela formalização. Assim, o prazo de reflexão já existe", afirma ele.

Presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira diz que a essência ideológica da proposta é imprimir maior responsabilidade a quem decidir se separar, pois o divórcio estará facilitado e não haverá o obstáculo do tempo. "Agora, cada pessoa tem que pensar duas vezes antes de decidir se separar."

Dados do IBGE mostram a abrangência do público que será atingido pela proposta. Em 2007, foram concedidos 152.291 divórcios em primeira instância no país, sendo 69% diretos -sem a separação formal prévia. As separações judiciais foram 91.743.

Para especialista em divórcio, mudança chega com atraso

Priscila Corrêa da Fonseca diz que tempo após a separação só leva à reconciliação do casal em pouquíssimos casos

Ela defende ainda mais mudanças na lei para que seja possível a realização de divórcio no cartório, sem necessidade de ir à Justiça

LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL

A advogada Priscila Corrêa da Fonseca, 60, conhecida pelo epíteto "Priscila, a rainha do divórcio", é especialista em dramas conjugais que acabam em separação. Pelo seu escritório já passaram milhares, boa parte deles casais endinheirados.

Doutora em direito processual civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a "rainha do divórcio" é expert na dinâmica das separações. Ela assegura que "a PEC [proposta de emenda constitucional aprovada ontem pelo Senado] veio atrasada".
"Se o argumento para manter o prazo entre a separação e o divórcio era a possibilidade de uma reconciliação, esse argumento é furado: em quase 40 anos de profissão, sou capaz de contar nos dedos de uma mão as vezes em que o casal que havia se separado voltou atrás."

Leia a seguir entrevista concedida ontem à Folha:

FOLHA - O que a sra. achou da aprovação da PEC do divórcio?
PRISCILA CORRÊA DA FONSECA -
Tinha de aprovar. Não havia jeito. Não tinha sentido. Já estava atrasado desde 1977, quando o senador Nelson Carneiro (1910-1996) conseguiu aprovar o divórcio. Foi a duras penas, porque tinha um preconceito imenso da Igreja e de setores tradicionais da sociedade.
O jeito para obter a aprovação foi esse: faz a separação, dá um tempo para o casal pensar se é isso mesmo que quer e só aí se entraria com o divórcio.

FOLHA - Os defensores da manutenção do prazo dizem que esse tempo de reflexão poderia conduzir a uma reconciliação do casal...
FONSECA -
Basta pegar as estatísticas de separação. Só não culminaram em divórcio aqueles casos em que não houve interesse do homem ou da mulher em estabelecer um novo casamento. Mas essa situação de o casal reatar, de voltar depois de um tempo de "reflexão" representa menos de 0,5% de todos os casos de separação.
No meu escritório, eu conto nos dedos de uma mão as reconciliações que fiz em 40 anos de profissão. Quando se chega à separação, se regulamenta, partilha, é coisa muito pensada.

FOLHA - Essa atualização da lei é suficiente?
FONSECA -
Não. Ainda estamos atrasados. As pessoas maiores, vacinadas e capazes deveriam poder ir ao cartório dissolver seu casamento, nos casos em que não houvesse litígio. Isso é coisa que, quando eu não estiver mais aqui, certamente será aprovado. Só se deveria recorrer ao Judiciário quando houvesse problema de guarda dos filhos, de visitas, de alimentos.
Hoje, você pode fazer a separação em um tabelionato por escritura pública ou ir ao fórum. Mas, você não pode, pura e simplesmente, ir ao mesmo cartório em que você se casou e, do mesmo jeito que você casou, dizer com o seu marido: "Nós não queremos mais".
Se não há filhos, se não tem patrimônio, nada para discutir, por que não ir lá e simplesmente distratar? Para que um advogado? É claro que quando há filhos, pensão a tratar, aí a figura do advogado é importante.

Para a CNBB, medida "afronta a família brasileira"
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

"O divórcio instantâneo é uma afronta à família brasileira", disse o padre Antonio Bento, assessor da Comissão para a Vida e Família da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), ontem, após a primeira votação da PEC do divórcio direto pelo plenário do Senado.

Padre Bento defende a manutenção na legislação de um prazo para reflexão do casal em conflito -mesmo que ele seja reduzido de um ou dois anos (o prazo atual) para seis meses.

Esse período funcionaria como "a possibilidade de um diálogo com a família, de buscar um conselho com alguém que possa ajudar", afirmou o padre Bento.

Durante a passagem da matéria pela Câmara e pelo Senado, a CNBB manteve contato com deputados e senadores aliados para tentar demovê-los de aprovar o divórcio sem prazos.

O deputado católico Miguel Martini (PHS-MG) foi um dos parlamentares que mais trabalharam para barrar a PEC. Ao perceber a rápida movimentação do texto no Senado, alertou o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e pediu que ele suspendesse a tramitação. Os parlamentares chegaram a cogitar pedido de audiência pública, ideia abandonada depois.

Apesar de o "divórcio instantâneo" estar a um passo de se tornar realidade, a CNBB diz que manterá o trabalho de convencimento.

Assine nossa newsletter