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08 de Abril de 2011

Jurisprudência STJ - Direito civil - Sucessão testamentária - Conflito de normas - Primazia da vontade do testador

EMENTA

DIREITO CIVIL. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA. CONFLITO DE NORMAS. PRIMAZIA DA VONTADE DO TESTADOR. I - Nos termos do artigo 1.750 do Código Civil de 1916 (a que corresponde o art. 1793 do Cód. Civil de 2002) "Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que o não tinha, ou não o conhecia, quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador". II - No caso concreto, o novo herdeiro, que sobreveio, por adoção post mortem, já era conhecido do testador que expressamente o contemplou no testamento e ali consignou, também, a sua intenção de adotá-lo. A pretendida incidência absoluta do art. 1750 do Cód Civil de 1916 em vez de preservar a vontade esclarecida do testador, implicaria a sua frustração. III - A aplicação do texto da lei não deve violar a razão de ser da norma jurídica que encerra, mas é de se recusar, no caso concreto, a incidência absoluta do dispositivo legal, a fim de se preservar a mens legis que justamente inspirou a sua criação. IV - Recurso Especial não conhecido. (STJ - REsp nº 985.093 - RJ - 3ª Turma - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros - Rel. para o acórdão Min. Sidnei Beneti - DJ 24.09.2010)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, após a vista regimental do Sr. Ministro Sidnei Beneti, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Sidnei Beneti. Votaram vencidos os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros e Nancy Andrighi. Votaram com o Sr. Ministro Sidnei Beneti os Srs. Ministros Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) e Ari Pargendler. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

Brasília, 05 de agosto de 2010 (Data do Julgamento).
Ministro Sidnei Beneti - Relator

RELATÓRIO

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Carlos Alberto de Carvalho Bumachar exerceu ação para desconstituir testamento deixado por Albert Farjalla Bumachar. É que posteriormente à lavratura do testamento malsinado, o autor assumiu a condição de herdeiro necessário do de cujus, em razão de adoção. A sentença declarou procedente pedido, porque a adoção superveniente impõe a desconstituição do testamento, a teor do Art. 1.750 do Código Beviláqua.

Em apelação, os herdeiros testamentários alegaram que não cabia a aplicação do Art. 1.750. O herdeiro Carlos Alberto já era conhecido do testador que declarara à época, o desejo de adotá-lo. Assim, respeitaria à legítima quanto ao herdeiro necessário e obedeceria o testamento, quanto à parte disponível.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, deu provimento ao recurso. Entendeu que não se aplicava o Art. 1.750 porque o testador, ao fazer as liberalidades, tinha consciência de que iria formalizar a adoção de Carlos Alberto.

O autor (Carlos Alberto) opôs embargos infringentes, dizendo que o voto vencido interpretara corretamente o Art. 1.750 do Código Civil.

Os embargos foram rejeitados, porque:

"Testamento. Adoção. Rompimento. Art. 1750 do Código Civil de 1916.
Em princípio, a adoção posterior ao testamento revoga a liberalidade; exatamente porque a "ratio legis" é no sentido de romper-se o testamento na presunção de que o "de cujus" não disporia de seus bens se soubesse que iria adotar alguém.

Entretanto, quando no mesmo instrumento, o testador manifesta sua inequívoca vontade de adotar menor, tido como filho querido, e ainda assim dispõe de todos os bens, a só formalização da ação ao depois, inclusive de seu falecimento; apenas se impõe a redução das disposições, para salvar-se a legítima. Recurso desprovido." (fl. 334)

Daí o recurso especial (alínea "a"), queixando-se de ofensa ao Art. 1.750 do Código Beviláqua.

O recorrente alega que houve equívoco do julgado em equiparar duas situações absolutamente distintas, como se a mera manifestação do desejo de futuramente adotar alguém já produzisse, desde logo, os efeitos de uma adoção já consumada.

Afirma que a filiação civil decorrente de adoção somente se constituiu com a sentença que atribuiu o estado de filho de Albert Bumachar. Assim, se a adoção não existia como ato jurídico, ao tempo do testamento, houve ofensa ao Art. 1.750 do Código Civil.

Cita precedentes do STJ, dizendo que a adoção somente produz efeitos após observadas todas as formalidades legais que lhe são inerentes, não bastando a mera manifestação, ainda que por instrumento público, da intenção de adotar.
Houve contra-razões (fls. 391/419).

VOTO

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Albert Farjalla Bumachar, por meio de testamento público (1982), dispôs que seus bens, após sua morte, deveriam ser divididos em partes iguais entre seus irmãos, sobrinhos e seu filho de criação Carlos Alberto Bumachar.

Com seu falecimento, Carlos Alberto Bumachar, já na condição de filho do de cujus (sentença judicial - 1991), pediu o rompimento do testamento com suporte no Art. 1.750 do Código Beviláqua.

A sentença de 1º grau julgou procedente o pedido, mas foi reformada, por maioria, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

O Tribunal de Justiça Fluminense negou provimento aos embargos infringentes manejados pelo ora recorrente, nestes termos:
"Com efeito, não há falar, no caso concreto, em ruptura do testamento, na forma do Art. 1750 do CC de 1916, cuja norma resta inteiramente mantida no NCC (art. 1973)

E isso porque embora admita-se que a adoção posterior à liberalidade tenha o condão de rompê-la, certo é que o testador, no mesmo instrumento, manifestara, de forma expressa e extreme de dúvidas, sua vontade de adotar o embargante, então menor, porque o tinha na condição de filho querido.

Logo, a só circunstância de a adoção ter-se formalizado depois da morte do testador, mas tendo-se em conta que a ratio legis é no sentido de romper-se o testamento apenas na presunção de que o de cujus não disporia de seus bens se soubesse que adotaria o embargante, não faz caducar, a todas as luzes, o testamento; exatamente porque, repita-se, no mesmo ato que manifestou sua vontade quanto à adoção, e sabedor de que seria ultimada ao depois, ainda assim distribuiu todos os seus bens." (fl. 335)

O Código Beviláqua previa o rompimento do testamento quando sobreviesse descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testador. É o que diz o Art. 1.750 do Código Beviláqua, verbis:

"Art. 1.750. Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que o não tinha, ou não o conhecia, quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador".

Vale dizer, rompe-se o testamento quando: a) o testador tem descendente que não conhecia; b) sobrevém um descendente sucessível.

Na hipótese, o testador, quando lavrou o testamento, deixou expressa a vontade de adotar Carlos Alberto. Confira-se a seguinte cláusula do testamento, extraída do recurso especial (fls. 363/364):

"(...) recomenda, a sua querida esposa, Dra. LYDIA, que dê toda proteção e primorosa educação, ao nosso filho de criação CARLOS ALBERTO DIAS, educação, ficando certo que é de sua vontade intransponível, adotá-lo como nosso filho querido e aconselhá-lo em tudo somente para que abrace, a carreira do testador que tanto sacrifício fez por ela".

Os autos noticiam que a sentença de adoção se deu em 1991 e que o de cujus faleceu em 1999, mais precisamente no dia 15 de setembro.

Ora, quando o testamento foi lavrado (1981), Carlos Alberto não tinha o status de filho do de cujus. A manifestação de vontade de adotá-lo no futuro, embora eloqüente, não lhe concedeu esta qualidade. A lei enumera as condições para que alguém seja adotado. Nossa jurisprudência não reconhece a adoção de fato. (REsp 57.220/EDUARDO e RESP 36.033/ZVEITER).

A superveniência de filho (na hipótese adotivo), rompe o testamento. O Art. 1.750 é expresso nesse sentido. A simples vontade do de cujus de adotar o recorrente não gera filiação.

O testador não tinha filho quando testou. Tanto é que incluiu Carlos Alberto, a quem tinha como filho de criação, no testamento, juntamente com seus irmãos e sobrinhos.

Houve ofensa ao Art. 1.750 do Código Beviláqua. Dou provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença.

VOTO-VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por CARLOS ALBERTO DE CARVALHO BUMACHAR, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional.

Procedimento especial de jurisdição contenciosa: abertura do inventário do patrimônio hereditário de ALBERT FARJALLA BUMACHAR.

Nos autos do inventário de bens, o recorrente requereu a declaração do rompimento do testamento deixado por ALBERT FARJALLA BUMACHAR, sob a alegação de que, posteriormente à lavratura do referido testamento, o recorrente foi adotado pelo testador, passando a ser herdeiro necessário.

Sentença: julgou procedente o pedido, sob o fundamento de que a adoção posterior às disposições de última vontade rompe o testamento.

Acórdão: deu provimento à apelação interposta pelos recorridos, conforme a seguinte ementa:

Apelação.

Sentença que, com base no art. 1750 do antigo Código Civil, decretou a ruptura do testamento diante da adoção formalizada após a feitura do testamento.

Adoção anunciada de forma categórica na escritura do testamento, no mesmo ato em que foram feitas as liberalidades.

Perquirição da vontade do testador.

Clara intenção de fazer as liberalidades mesmo com a adoção que tencionava formalizar.

Presunção contida no referido preceito legal elidida pela realidade.

Validade das disposições apenas condicionadas ao respeito da legítima que pertence ao filho adotivo.

Provimento do recurso. (fl. 239)

Embargos infringentes: interpostos pelo recorrente, foram rejeitados.

Recurso especial: alega violação do art. 1.750 do CC/16 do CPC. Assevera que: i) a adoção, superveniente ao testamento, torna o referido ato ineficaz; e ii) a adoção não se perfaz com a manifestação testamentária do desejo de adotar.
Revisados os fatos, decido.

O art. 1.750 do CC/16 estabelece que o testamento é rompido quando: i) sobrevier descendente sucessível ao testador quando este não o tinha; ii) houver superveniência de descendente que o testador não conhecia na época em que testou; e iii) o testamento foi feito na ignorância de existirem outros herdeiros necessários.

Assim, nos termos do referido dispositivo legal, a superveniência de descendente acarreta a ineficácia do testamento.

Acrescente-se que relação jurídica paterno-filial entre o adotante e o adotado é estabelecida com o trânsito em julgado da sentença de adoção. Antes disso, aquele que se pretende adotar não é filho do adotante, mantendo ainda vínculos de parentesco com o núcleo familiar anterior.

É relevante destacar, nesse contexto, a lição de Rosenvald e Chaves:
(...) a adoção é mecanismo de determinação da filiação, estabelecendo o parentesco entre pessoas não ligadas biologicamente. A adoção confere a alguém estado de filho, para todos os fins e efeitos.

A adoção implica a completa extinção da relação familiar mantida pelo adotado com o seu núcleo anterior, conferindo segurança à nova relação jurídica estabelecida e garantindo a proteção integral e prioritária do interessado.

(...) no sistema jurídico brasileiro (CC, 1.628), todos os efeitos jurídicos da sentença de adoção (patrimoniais e existenciais) se iniciam com o trânsito em julgado, exceto na hipótese de morte do adotante durante o procedimento (adoção póstuma). Com o trânsito em julgado, pois, ocorre a extinção do poder familiar anterior, passando a ser de titularidade dos pais adotivos. (Direito das famílias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 913 e 932)
Assim sendo, se, após o ato de última vontade, o testador adotar alguém, romper-se-á o testamento, pois sobreveio descendente que não tinha ao testar.

Em relação ao entendimento de que não há violação do art. 1.750 do CC/16 se o testador já pretendia adotar quando declarou as disposições de última vontade e, mesmo assim, não testou em prol exclusivamente do futuro descendente, deve-se levar em consideração que:

i) o testador era um advogado experiente;

ii) a partir da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, a sentença de adoção passa a romper todos os vínculos com a família biológica, ressalvados os impedimentos matrimonias;

iii) a adoção confere, ao adotado, a condição de filho do adotante;

iv) com a adoção, as disposições testamentárias feitas em 1982 não permaneceriam nos termos em que foram declaradas, tendo em vista a necessidade de se resguardar a legítima.

Apesar disso, entre a adoção do recorrente, em 1991 (fl. 148), e o óbito do adotante, em 1999 (fl. 36), o testador, mesmo sabendo que com a adoção as disposições testamentárias seriam alteradas para preservar a legítima do adotado, não fez um novo testamento para redistribuir a parte disponível de seus bens.

Ademais, se a vontade do testador era manter o testamento após efetivar a adoção, pois tinha consciência de que iria formalizar a filiação adotiva, conforme afirma o TJ/RJ (fl. 335), teria respeitado a legítima do futuro descendente, ao dispor de seus bens.

Além disso, se o testador, renomado advogado, conforme dito alhures, pretendesse resguardar o testamento de uma futura ruptura pela adoção do recorrente, poderia ter previsto expressamente que, sobrevindo a adoção, o testamento seria preservado, respeitando-se a legítima. Sem essa cláusula preventiva, para resguardar os recorridos como herdeiros testamentários, o testador deveria ter elaborado outro testamento. Nada, porém, fez o testador a respeito, deixando a descoberto o direito sucessório dos recorridos.

Dessa forma, é de rigor que haja o rompimento do testamento.

Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para restabelecer a sentença.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator): Sr. Presidente, recuperei aqui os dois precedentes da Turma.

O primeiro, relatado pelo Sr. Ministro Eduardo Ribeiro, diz respeito a uma ação em que a autora queria que a adoção fosse reconhecida por sentença judicial e o juiz liminarmente rejeitou a demanda, observando que era impossível juridicamente e nem a processou. A decisão foi no sentido de que, realmente, o Código Civil tem disposições específicas sobre a adoção que não contemplam esse reconhecimento por sentença.

Já, no caso do precedente relatado pelo Sr. Ministro Waldemar Zveiter, tratava-se de uma produção antecipada de provas porque alegadamente a escritura de adoção havia misteriosamente desaparecido.

Nenhum desses precedentes tem afinidade com o caso sub judice, no meu ponto de vista. Aqui a situação é de alguém, um advogado, que sabia o que estava fazendo e dispôs a respeito da sua última vontade. Nesse ponto, prevalece, sem dúvida, a vontade do testador, e ele tinha conhecimento de que teria, no momento da sua morte, um descendente, aquele adotado.

De modo que, entendendo que, realmente, o acórdão deu uma interpretação compatível com a vontade do testador, sem ofender o art. 1750 do Código Civil, não conheço do recurso especial.

RATIFICAÇÃO DE VOTO

EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER: Senhor Presidente, o art. 1.750 do Código Civil dispõe:

"Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que o não tinha, ou não o conhecia, quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador".

No caso, a pessoa que sobreveio ao testamento é a própria pessoa beneficiada pela adoção, que nele foi tratada como "filho querido".

A superveniente adoção dessa pessoa, que já era reconhecida como "filho querido", não desqualifica o testamento, porque já era conhecida como tal.

Por isso, não conheço do recurso especial, sinalando que foi interposto exclusivamente pela letra 'a'.

VOTO-VISTA

EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER: Senhor Presidente, o art. 1.750 do Código Civil de 1916 dispõe:

"Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que o não tinha, ou não o conhecia, quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador".

No caso, a pessoa que sobreveio ao testamento é a própria pessoa beneficiada pela adoção, que nele foi tratada como "filho querido".

A superveniente adoção dessa pessoa, que já era reconhecida como "filho querido", não desqualifica o testamento, porque já era conhecida como tal.

Por isso, não conheço do recurso especial, sinalando que foi interposto exclusivamente pela letra "a".

VOTO-VOGAL

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO FURTADO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA):

Nas razões do recurso especial em epígrafe, o recorrente sustenta a violação ao art. 1750 do Código Civil de 1916, pretendendo a anulação do testamento deixado pelo seu pai adotivo.

Narram os autos que o ora recorrente, filho de criação de Albert Farjalla Buchamar, teve sua adoção oficializada em 1991, após a lavratura do testamento público levada a efeito por sei pai, em 1982.

Nas disposições testamentárias, o pai, já reconhecendo o estado de filiação do ora recorrente, que posteriormente oficialmente adotaria, o incluiu como beneficiário juntamente com seus irmãos e sobrinhos.

Pretende, pois, o recorrente, a anulação do testamento com base na interpretação literal do aludido art. 1750 do Código Civil anterior.

Em que pesem as razões recursais e, ainda, o vigoroso voto proferido pelo ilustre Ministro Humberto Gomes de Barros, relator do processo, que foi acompanhado pelo voto da insigne Ministra Nancy Andrighi, não vislumbro a violação apontada.

Com efeito, a interpretação de um testamento, ato solene que é, deve ser sempre dirigida para o real alcance da vontade do testador, visando a preservação da sua finalidade.

No caso concreto, não há dúvidas de que o testador, apesar de reconhecer a sua paternidade em relação ao recorrente, apoiada em laços sócio-afetivos, que foram, de fato, consagrados na adoção posteriormente formalizada, resolveu dispor de seus bens na forma testamentária que ora se examina.

De fato, mesmo reconhecendo o autor-recorrente como "filho querido", o testador não o privilegiou. E, ainda, mesmo após a formalização da filiação, já tão reconhecida à época do testamento, não revogou o anterior testamento para compor outro.

Portanto, uma interpretação meramente literal do sobredito dispositivo legal, por certo, feriria, na hipótese em comento, o princípio basilar da autonomia da vontade do testador.

Por outro lado, é de se ter presente que, mesmo a hermenêutica literal do art. 1750 não conduz, necessariamente, à anulação do testamento, uma vez que, em casos tais, doutrina e jurisprudência convergem no sentido de que a superveniência de herdeiro sucessível só tem o condão de romper o testamento quando o testador não tinha a consciência da sua existência, isto é, quando "não o tinha, ou não o conhecia", no que se diferencia o presente caso.
De fato, analisando atentamente o dilema que foi estabelecido, concluo que o acórdão recorrido conferiu a melhor interpretação ao dispositivo de lei federal invocado nas razões recursais.

Ante o exposto, com a licença dos ilustres ministros retro-referidos, acompanho a divergência inaugurada pelo eminente Ministro Ari Pargendler e, também, não conheço do recurso especial.

É como voto.

VOTO-VISTA (VENCEDOR)

O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:

1.- O presente Recurso Especial nº 985093-RJ (em que convertido o Agravo de Instrumento nº 745439-RJ), de que Relator o E. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, ora aposentado, foi interposto, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal (Recurso Especial, fls. 351 destes autos e fls. 323 dos autos originários), visando à reforma, por violação do disposto no art. 1750 do Cód. Civil de 1916, que julgou improcedente pedido de anulação de testamento público, movida pelo ora Recorrente, filho adotivo, contra herdeiros testamentários (testamento de 8.6.1982, fls. 31/32v destes autos e 5/6v dos autos originários), irmãos e sobrinhos do "de cujus", falecido (no dia 15.9.1999), no estado de casado, sem filhos biológicos.

A redação do dispositivo legal (CC/1916, Art. 1750) que o Recorrente sustenta haver sido violado dispõe: "Sobrevindo descendente sucessível ao testador, que o não tinha, ou não o conhecia, quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador."

Tem-se que, mantido o julgamento do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que concluiu pela validade do testamento, os bens são partilhados entre todos os herdeiros testamentários, isto é, os três irmãos, os sobrinhos e o próprio Recorrente, filho adotivo, deixando de ser recolhidos exclusivamente pelo ora Recorrente.

2.- Por cuidado com o caso, ressaltando a atenção à extraordinária qualidade do patrocínio advocatício desenvolvido em prol do Recorrente, pedi Vista Regimental dos autos, conquanto já antes proferido Voto-Vista, divergindo dos Votos do E. Relator, Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS e da E. Minª NANCY ANDRIGHI, por acompanhar a divergência instaurada pelo E. Min. ARI PARGENDLER, a cujo voto se somou o proferido pelo E. Min. PAULO FURTADO.

O reexame dos autos veio a confirmar-me a convicção de que deve prevalecer a interpretação que nega violação ao dispositivo legal apontado (CC/1916, art. 1750).

Prevalecem os fundamentos já antes explicitados em meu anterior Voto-Vista. Postas de lado as numerosas digressões de natureza jurídica, psicológica e social que as questões a respeito de adoção, manifestações de última vontade e forma de atos jurídicos sempre ensejam, devem, aludidos fundamentos, ser agora repetidos exatamente como antes lançados, atalhando a dispersão de entendimento que possa decorrer do cotejo de duas redações a respeito do mesmo tema.

3.- Com o devido respeito e consideração aos Votos dos E. Ministros HUMBERTO GOMES DE BARROS e NANCY ANDRIGHI e, permita-se, à singularidade da dedicação ao caso e à qualidade do trabalho, assinalar, ao E. Advogado do Recorrente, reporto-me, transcrevendo, ao inteiro teor de meu anterior voto:

"1.- A ação é de anulação de testamento público, lavrado em 1982, pelo qual o Advogado Albert Farjalla Bumachar, falecido no dia 15.9.1999, dispôs no sentido de que seus bens deveriam ser divididos em partes iguais entre seus irmãos, sobrinhos e seu filho de criação, Carlos Alberto Bumachar, que veio a ser adotado pelo 'de cujus' em 1991.

De acordo com o Acórdão recorrido e os votos dos E. Ministros HUMBERTO GOMES DE BARROS e NANCY ANDRIGHI, anula-se o testamento e o filho adotivo autor recebe a totalidade dos bens. Segundo o voto divergente do E. Min. ARI PARGENDLER, prevalece o testamento e os bens são divididos em partes iguais entre irmãos, sobrinhos e o filho adotivo autor.

2.- Meu voto acompanha o voto proferido pelo E. Min. ARI PARGENDLER.

O Acórdão deu adequada interpretação ao disposto no art. 1750 do Cód. Civil de 1916, sob a seguinte ementa (fls. 334):

"Testamento. Adoção. Rompimento. Art. 1750 do Código Civil de 1916.

"Em princípio, a adoção posterior ao testamento revoga a liberalidade; exatamente porque a "ratio legis" é no sentido de romper-se o testamento na presunção de que o "de cujos" não disporia de seus bens se soubesse que iria adotar alguém.

"Entretanto, quando no mesmo instrumento, o testador manifesta sua inequívoca vontade de adotar menor, tido como filho querido, e ainda assim dispõe de todos os bens, a só formalização da ação ao depois, inclusive de seu falecimento, não faz caducar o testamento; apenas se impõe a redução das disposições, para salvar-se a legítima. Recurso desprovido"

Os fundamentos jurídicos do julgamento colhem-se no voto do E. Min. ARI PARGENDLER. Anota-se que, como bem anotou o voto do E. Min. ARI PARGENDLER, o exame dos dois precedentes da Turma (Relatores Ministros EDUARDO RIBEIRO e WALDEMAR ZWEITER) não se dirigiram a casos como o dos autos, de maneira que não interferem no presente julgamento.

3.- Ademais, obiter dictum, deve-se atentar às demais circunstâncias do caso, as quais, embora não sejam o fundamento do julgamento, levam ao mesmo sentido, de que o Acórdão se ateve à vontade do testador.

O testador, um Advogado experiente e de renome, quando testou, sem dúvida tinha perfeita consciência do que fazia. Sabia da existência do autor, a quem chamou "filho querido", mas não o privilegiou, limitando-se a colocá-lo em igualdade com os demais aquinhoados no testamento. E continuou tendo consciência. Podia revogar o testamento e não o fez. Podia testar em prol exclusivamente do autor, enquanto não adotado, e também não o fez. Apenas recomendou, no testamento, que se fizesse a adoção, o que não fez em vida, tendo ela sobrevindo à sua morte.

Não há ofensa ao art. 1750 do Código Civil e o julgado pelo Tribunal de origem atendeu adequadamente ao caso.

4.- Pelo meu voto, portanto, divergindo do E. Relator e da E. Ministra que o acompanhou, não se conhece do Recurso Especial, nos termos do voto do E. Min. ARI PARGENDLER."

4.- Pelo exposto, não se conhece do Recurso Especial (na terminologia da época em que proferidos os votos anteriores).

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