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06 de Agosto de 2010

Artigo - A nova Emenda Constitucional do divórcio-é o fim da família? - Por Suzana Viegas

A chamada "Emenda do Divórcio" foi promulgada pelo Congresso Nacional no dia 13 de julho e é resultante da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 413/05, do suplente de deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ). Com a mudança, será possível se divorciar sem a obrigatoriedade de passar por duas etapas, bastando apenas requerer a dissolução do vínculo matrimonial pelo divórcio.

Antes da aprovação da Emenda Constitucional nº 66, os casais que pretendiam se divorciar tinham duas opções: após comprovação de um ano de casados, poderiam requerer a separação judicial, sendo necessário aguardar o período de mais um ano para a conversão em divórcio. A outra alternativa era simplesmente aguardar dois anos de separação de fato para ingressar com o pedido de divórcio direto.

O divórcio foi instituído no Brasil em 1977, com a promulgação da Emenda Constitucional 09/77. Passados trinta e três anos do surgimento da lei nº 6.515/77- Lei do Divórcio, ficou claro que a dissolução do casamento não apresentava razões concretas para continuar com um sistema que mantinha o casal vinculado, ainda que contra a sua vontade.

Acreditava-se que o período de um ano de espera após a separação judicial para romper definitivamente o vínculo serviria como um tempo razoável para eventuais reconciliações, ou uma espécie de "estágio probatório" dos recém-separados. Porém, o efeito era contrário, com conseqüências nocivas àqueles que não mais desejavam manter qualquer ligação entre si. Não há justificativa plausível para que a lei mantenha juntas, ainda que no papel, pessoas que já não possuem comunhão de vida.

Muitos já advertem: será o fim da família! Mas a instituição-família não acaba, pois nasce, transforma-se e se renova. O legislador foi sensível a essa realidade assim como às grandes dificuldades envolvidas na maior parte das separações. Mais uma vez percebemos que a sensatez prevaleceu para eliminar o formalismo burocrático que marca nosso sistema judiciário, a exemplo da Lei nº 11.441/07, que instituiu a possibilidade de realizar separações, divórcios, inventários e partilhas por escritura pública.

A realidade social é a maior prova de que o afeto conquistou o lugar de protagonista nas relações familiares, sendo os sentimentos uma característica indissociável de seus membros. Estes, por sua vez, são os reais destinatários da lei, cujo escopo é garantir a dignidade de todos os integrantes da família.

Não podemos negar, por mais doloroso que seja, que o fim do casamento pode, sim, ocorrer, embora o sonho inicial seja o de viver felizes para sempre. A PEC do divórcio veio para amenizar o sofrimento e o desgaste daqueles cônjuges que desejam colocar fim ao casamento, exercendo deste modo plenamente a autonomia de sua vontade, por vezes limitada por prazos, processos desnecessários e imposição de culpas inócuas sem maior relevância para a dissolução do vínculo matrimonial.

Outros temem que o casamento sofra uma banalização. A Emenda Constitucional se concretizou para atender aos anseios e às reais necessidades dos casais que enfrentam uma separação. Devemos lembrar que, de acordo com o artigo 226 caput da Constituição Federal, a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Não importa se a família é formada pelo casamento, constituída pela união estável ou monoparental. O fato é que todas as entidades familiares gozam de proteção, inclusive a que está se desfazendo.

A propósito, vale frisar que o Estado brasileiro é laico desde o advento da República, após a edição do Decreto119-A, de 17 de janeiro de 1890, que determinou a separação entre a Igreja e o Estado. O Decreto 181, de autoria de Ruy Barbosa e promulgado no dia 24.01.1890, instituiu o casamento civil no Brasil como o único ato válido para a celebração de casamentos.

Percebe-se, portanto, que a finalidade do interstício de um ano para conversão da separação judicial em divórcio ou o transcurso de dois anos de separação de fato para o requerimento do divórcio direto perdeu sua finalidade. A incorporação desses requisitos ao texto da Lei do Divórcio foi fruto de intensas negociações entre divorcistas e anti-divorcistas, estes em sua maioria representantes de movimentos religiosos.

No estágio atual da sociedade, a família já não se reveste das mesmas características do século passado, sendo imperioso que a lei acompanhe o fato social para dar efetividade à proteção devida pelo Estado, conforme previsto no artigo 226 da Constituição Federal.

Pior é manter vínculos pelo desamor, sujeitar os filhos a disputas infindáveis e assim comprometer o desenvolvimento dos laços afetivos paterno e materno-filiais, os quais devem permanecer, a despeito da separação. Devemos lembrar que, para a maioria das pessoas, a separação judicial representa uma verdadeira via crucis e a lei apenas incentivava a perpetuação das tensões familiares que decorrem de uma ruptura. Assim, é dever do Estado assegurar as condições necessárias para o pleno exercício da autonomia de vontade das pessoas, que, escolhendo pôr fim ao casamento, devem ter a liberdade de fazê-lo sem imposições externas, preservando deste modo a sua privacidade e o direito de ser feliz.

Finalmente, o artigo 1.513 do Código Civil é claro: "É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família." Neste sentido, a intervenção somente se justifica em casos extremos, devendo a escolha pelo caminho do divórcio ser plenamente respeitada, trajetória esta que foi encurtada pela Emenda Constitucional nº 66, deixando passagem para nova busca da felicidade.