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22 de Abril de 2008
Artigo - O Ipesp e o Registrador - Por Milton César Gomes de Aguiar
Grande parte da minha vida foi vivida dentro de "cartórios" de Registro Civil das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo. Tornei-me titular em 1994, mas, mesmo antes, como interino, já sabia da dificuldade em recolher aos cofres da Carteira das Serventias todo final de mês, sobretudo por tratar-se de "cartório" de cidade pequena, mais ainda por tratar-se de Registro Civil das Pessoas Naturais, naqueles tempos em que sequer existia o "fundo de compensação". Preenchia-se aquela guia de recolhimento como quem participa de um ritual, e o fruto do trabalho, às vezes de uma semana inteira, ia com ela ao caixa do banco. Há época, não enxergava a real importância de que aquela atitude poderia representar na minha vida, fazia mais por obrigação já que o poder de imposição do Estado nos impingia para tal, porém, hoje, embora não mais contribua à "carteira", ao sentir o peso dos anos de estresse do lado de dentro do balcão e o comum da idade, conheço o verdadeiro significado que poderia ter o Ipesp na minha vida, e que continua significando para o "cartorário" paulista, principalmente o pequeno, mais ainda o Oficial de Registro Civil.
Não sei se foi mais com surpresa ou com estranheza que vi, no site desta Arpen-SP, o temor dos Oficiais de Registro em perder talvez seu maior patrimônio, sim, porque conheço muitos e muitos "cartorários" do Estado cujo maior patrimônio é a expectativa de se virem resguardados na sua velhice, ou diante de um infortúnio, pelo valor resultante de anos e anos de contribuição à "carteira". O restante do patrimônio resulta numa casa, e, talvez, num carro popular.
Acho que foi mais estranho que surpreendente. Surpreendente é aquilo que não se espera, mas que pode perfeitamente acontecer, e não se há de ter como surpreendente aquilo que não pode acontecer, aquilo que não está no mundo, que não pode causar efeito algum, então, na visão de quem alguma coisa reconhece no universo jurídico, só possui o condão de surpreender aquilo que não se espera e que acontece, mas que sobretudo possui capacidade jurídica para causar algum efeito.
Estranho por emanar o temor de um Governo de Estado, do maior do país, a quem, não só pelo condutor, mas, também pelo gabarito da assessoria, tem-se como a elite gestora da administração pública brasileira, que não pode, mesmo que num ímpeto de se objetivar o Estado empresarial, simplesmente ignorar a Lei. Logo, pensando melhor, acho que não foi para mim surpreendente, foi estranha, desagradavelmente estranha a sensação de repúdio às situações juridicamente consolidadas, lastreadas na norma legal.
O Instituto de Previdência do Estado de São Paulo é autarquia ligada a Secretaria da Fazenda, que, além das funções próprias de reger a previdência dos servidores públicos, tem como peculiar função a administração da Carteira das Serventias não-oficializadas, responsável pela concessão de pensão e aposentadoria aos auxiliares, escreventes, tabeliães e registradores e seus familiares, aqueles que ingressaram no ainda chamado serviço "cartorário extrajudicial" do Estado anteriormente à complementação legislativa à Constituição Federal e que instituiu o regime da delegação de serviço.
Os recursos que sustentam a Carteira são constituídos, segundo a Lei Estadual 10.393, de 16 de dezembro de 1.970, dentre outros, por a) parte do montante cobrado dos usuários dos serviços notariais e de registro e b) da contribuição social mensal também estipulada pela mesma lei, recepcionada pelo Art. 149, parágrafo único da Constituição Federal, que permitiu aos Estados federados a faculdade de cobrar de seus servidores tributo com finalidade previdenciária.
A princípio pode soar equivocada a definição de servidores públicos aos tabeliães e oficiais de registro após a promulgação da Constituição atual e da lei que a regulamentou (8.935/1.994), porém, mesmo após terem deixado esta condição particular, a de servidores públicos, detentores de cargo público pelo que se depreende da Lei Complementar Estadual 539/1988 (Art. 7º. São condições de inscrição para concorrer ao provimento de cargo inicial da carreira:...), a última a regrar os concursos de ingresso na atividade e que reproduziu o espírito das leis anteriores, continuaram estes profissionais a contribuir com seu órgão peculiar de previdência, de acordo com o Art. 51 da Lei 8.935, de 18 de novembro de 1.994, cujo teor "Os atuais notários e oficiais de registro, quando da aposentadoria, fica assegurado o direito de percepção de proventos de acordo com a legislação que anteriormente os regia, desde que tenham mantido as contribuições nela estipuladas até a data do deferimento do pedido ou de sua concessão".
Como frisado anteriormente, registradores e tabeliães ostentavam a condição de servidores públicos em sentido estrito, ou seja, detentores de cargo público, nomeados e exonerados pelo Governador do Estado e sujeitos ao Estatuto comum estadual. Com o advento da Lei 8.935, foi-lhes alterado o regime jurídico, passando de detentores de cargo a detentores de delegação de serviço público. A lei citada conhecia disto, tanto que lhes assegurou expressamente a condição previdenciária anterior, continuando esses profissionais sujeitos àquele regime próprio de previdência. Mudou-se-lhes o regime jurídico, o que o STF tem admitido (RE 438481-DF), mas o regime previdenciário continuou o mesmo.
O Art. 48 daquela lei entendeu diferentemente quanto aos escreventes e auxiliares: "Os notários e os oficias de registro poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias, contados da publicação desta Lei". Desta forma, concedeu o legislador faculdade ao subordinado do tabelião e do registrador para que continuasse a ostentar, tacitamente, a condição previdenciária anterior, ou, se preferisse, alterar seu regime previdenciário mediante declaração expressa naquele prazo. Só para constar, auxiliar e escrevente estatutário são aqueles investidos pela forma comum estatutária e o auxiliar e o escrevente em regime especial são os que integram o serviço de registro, ou de notas, anteriormente à Lei 8.935, sem, contudo, terem prestado concurso público, porém sujeitos ao regime previdenciário e disciplinar dos servidores comuns.
Deve-se perceber que a faculdade que se deu ao auxiliar e ao escrevente de alterarem seu regime previdenciário não foi concedida ao tabelião e ao registrador, que, continuariam obrigatoriamente vinculados ao seu regime anterior, logo, mesmo que quisessem a alteração do regime estadual para o federal comum, a lei lhes vedaria a intenção.
No regime jurídico anterior, a lei tinha-o como detentor de cargo público não pertencente aos quadros da administração pública cuja movimentação administrativa atípica somente poderia ocorrer num concurso de remoção que não o deslocaria para um outro cargo componente dos quadros administrativos, mas a um outro cartório, hoje serviço notarial ou de registro, e, por não se revestir dos mesmos caracteres do servidor comum, sua contribuição previdenciária não consistia num desconto em folha para aquela finalidade, porém, na destinação aos cofres do Estado de parte do seu ganho pelo ato praticado e pelo recolhimento mensal de um porcentual incidente no valor estipulado para futura aposentadoria.
Sobreveio a Lei Federal 10.169, que decretou normas gerais sobre a cobrança dos atos notariais e de registro. Embora não conste de disposição detalhada, há que se ter que os valores cobrados pelo tabelião, ou pelo registrador, especificada taxa pelo Supremo Tribunal Federal, são dele Tabelião, ou registrador, e, por repercussão lógica, servirão para os encargos próprios do exercício da delegação, ou seja, água, luz, folha de salários, etc. A lei em questão não faz menção a nenhum dispositivo que permita destinar aos cofres da unidade de federação parcela daquele ganho, porque editada já nos moldes da delegação de serviço, entretanto, continuaram as tabelas do Estado a destinar parte daqueles valores, que seriam exclusivos do tabelião, ou do registrador, ao tesouro estadual sob a rubrica de "contribuição ao Ipesp", sempre a respeitar a disposição legal transitória que determina que os tabeliães e oficiais de registro deverão continuar atrelados ao regime previdenciário anterior.
É incontroverso que não pode o Governador do Estado extinguir a Carteira autonomamente, isto é, por simples Decreto resolver acabar com a casa previdenciária do Tabelião e do Registrador paulista. Para tanto, deveria, se o ordenamento lhe autorizasse, valer-se de lei devidamente aprovada pois levaria à revogação de outra, que gerou e gera obrigações tributárias, constituindo direito subjetivo daqueles que com a ela contribuem. Não é demais falar que, hoje, a Carteira das Serventias não-Oficializadas constitui órgão governamental previdenciário de existência transitória uma vez que se extinguirá com a contribuição do último servidor a ela vinculado.
Não vamos focalizar a questão da constitucionalidade da anterior agregação de advogados nem sobre a forçada desvinculação dessa classe do órgão previdenciário paulista, entretanto, não resta dúvida que a lei anterior de ingresso na atividade de "cartorário", concedendo-lhe a condição de servidor público, estava plenamente condizente ao regramento constitucional vigente e deveria, como houve, tornar o "cartorário" sujeito à regra de previdência dos demais servidores públicos da terra bandeirante, mesmo que não integrando o quadro regular daqueles servidores, aliás, ainda que se concebesse anteriormente o instituto da delegação, poderia, já naquela oportunidade, o Estado filiá-los ao seu regime previdenciário diante de não existir lei federal a vedar tal iniciativa.
Desta forma, embora de existência transitória, deve a Carteira de previdência continuar a receber as contribuições dos servidores do chamado foro-extrajudicial até que se acabe pela inexistência de agregados. Hoje, somente pelo não recolhimento de seis parcelas de contribuição mensal, por todos os oficiais de registro e tabeliães, com anuência de todos seus funcionários a ela sujeitos, o que implicaria renúncia ao benefício, somente assim é que poderia deixar de existir a carteira, extinguindo também a obrigação de se recolher mensalmente aos cofres estaduais.
Pacífica a questão da sujeição dos tabeliães e registradores, anteriores a 21/11/1994, ao regime previdenciário criado pela Lei Estadual 10.393 e a consagração inafastável dos seus direitos frente ao IPESP, o mesmo não se pode dizer daqueles que, adentrando o serviço de registro e de notas paulista após aquela data, continuam a recolher aos cofres do Estado contribuição social a entidade da qual não fazem parte, ou seja, contribuindo para aposentadoria de outrem, afinal, dois, dentre outros, são os condutores de recursos aos cofres da Carteira: os recolhimentos sobre os fatos que declaram e os atos que praticam e o recolhimento mensal em razão do escrevente ou auxiliar não-optante em 1994. O recolhimento mensal constitui obrigação previdenciária do detentor da delegação e deriva da condição especial do servidor escrevente, ou auxiliar, que, na época apropriada, revelou o desejo de continuar sujeito ao regime previdenciário anterior e que tem direito, segundo a lei, de ter parte da sua contribuição devida à Carteira coberta pela pessoa que está à testa da serventia, independentemente de ser anterior ou posterior a 1.994 e até interino.
O mesmo não se pode dizer quanto ao recolhimento tabelado dos atos. A Constituição Federal no Art. 149, parágrafo, primeiro "Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para custeio, em benefício destes, de previdência e assistência social." A primeira questão é identificar a espécie tributária em estudo, ou seja, caracterizar o tributo sobre os atos como contribuição social para aposentadoria, para, na seqüência, vislumbrar o delegado, nos novos moldes, pessoa estranha ao meio previdenciário dos demais servidores, e, finalmente, localizá-lo como ente não sujeito à aposentadoria em questão, que, pela própria definição constitucional, não poderia beneficiar-se de tal recolhimento, condição indispensável para constituir-se sujeito passivo do tributo. A propósito, para completarmos o entendimento do binômio obrigatoriedade de contribuição/necessidade de benefícios advindos dela, Hamilton Dias de Souza descreve bem a coincidência que deve existir entre contribuição e benefício: "(...) 7.3.3. Parece, pois, claro que o benefício, enquanto traço conceitual das contribuições, está presente também nas destinadas à seguridade social. É bem verdade que se está em face de um benefício de um grupo de indivíduos, o que significa que a repartição de encargos entre eles há de ser feita a partir de referencias ou parâmetros que sejam sinais de uma suposta vantagem. Porém, a vantagem, ainda que presumida, há de sempre estar presente, sob pena de não se tratar de contribuição. O tema, como se viu no n. 3.9, retro, tem especial relevo na interpretação da lei respectiva, pois há o intérprete de supor que a norma examinada contenha algo que seja um signo presuntivo de benefício. Visto de outra forma, ainda que a hipótese de incidência contemple um fato do mundo fenomênico, este deve estar de alguma forma atrelado ao suposto fundamental da contribuição, que é o benefício. Se se entender que a realização do fato, por determinada pessoa, não resulta, nem possa resultar, qualquer benefício, não se tratará de contribuição. Isso ocorre, por exemplo, quando não há nenhuma referibilidade entre a pessoa que realizou o fato e a atividade estatal arrecadadora de especiais vantagens a um grupo de indivíduos. Também, quando a pessoa não pertence ao grupo de indivíduos beneficiado ou quando o fato previsto na norma é relacionado com pessoa com a qual o contribuinte não tem nenhum vínculo permanente, não tendo, em conseqüência, interesse na atividade estatal e[a ela referida." (in Curso de Direito Tributário, pág. 509, Ed. Saraiva).
Se a Lei federal 8.935 proibiu ao novo delegado regime previdenciário diverso do comum, filiando-o a este obrigatoriamente, não poderia outro ente obrigá-lo a contribuir com seus cofres. Assim, entendemos inconstitucional a cobrança de contribuição social em face dele delegado pós-1994, sempre e apenas em função dos atos tabelados, continuando obrigado pelos recolhimentos mensais em prol do escrevente ou do auxiliar não-optante. O mesmo deve ocorrer com quem responde pelo serviço e que adentrou a atividade posteriormente a 21 de novembro 1.994, que, na qualidade de designado ou interino e estando sujeito ao regime previdenciário comum, não se encontra obrigado à contribuição a grupo do qual não faz parte.
Autor: Milton César Gomes de Aguiar, ex-oficial de Registro Civil em Cajati-SP, atualmente é tabelião em Ipatinga - MG
milton-aguiar@superig.com.br
Não sei se foi mais com surpresa ou com estranheza que vi, no site desta Arpen-SP, o temor dos Oficiais de Registro em perder talvez seu maior patrimônio, sim, porque conheço muitos e muitos "cartorários" do Estado cujo maior patrimônio é a expectativa de se virem resguardados na sua velhice, ou diante de um infortúnio, pelo valor resultante de anos e anos de contribuição à "carteira". O restante do patrimônio resulta numa casa, e, talvez, num carro popular.
Acho que foi mais estranho que surpreendente. Surpreendente é aquilo que não se espera, mas que pode perfeitamente acontecer, e não se há de ter como surpreendente aquilo que não pode acontecer, aquilo que não está no mundo, que não pode causar efeito algum, então, na visão de quem alguma coisa reconhece no universo jurídico, só possui o condão de surpreender aquilo que não se espera e que acontece, mas que sobretudo possui capacidade jurídica para causar algum efeito.
Estranho por emanar o temor de um Governo de Estado, do maior do país, a quem, não só pelo condutor, mas, também pelo gabarito da assessoria, tem-se como a elite gestora da administração pública brasileira, que não pode, mesmo que num ímpeto de se objetivar o Estado empresarial, simplesmente ignorar a Lei. Logo, pensando melhor, acho que não foi para mim surpreendente, foi estranha, desagradavelmente estranha a sensação de repúdio às situações juridicamente consolidadas, lastreadas na norma legal.
O Instituto de Previdência do Estado de São Paulo é autarquia ligada a Secretaria da Fazenda, que, além das funções próprias de reger a previdência dos servidores públicos, tem como peculiar função a administração da Carteira das Serventias não-oficializadas, responsável pela concessão de pensão e aposentadoria aos auxiliares, escreventes, tabeliães e registradores e seus familiares, aqueles que ingressaram no ainda chamado serviço "cartorário extrajudicial" do Estado anteriormente à complementação legislativa à Constituição Federal e que instituiu o regime da delegação de serviço.
Os recursos que sustentam a Carteira são constituídos, segundo a Lei Estadual 10.393, de 16 de dezembro de 1.970, dentre outros, por a) parte do montante cobrado dos usuários dos serviços notariais e de registro e b) da contribuição social mensal também estipulada pela mesma lei, recepcionada pelo Art. 149, parágrafo único da Constituição Federal, que permitiu aos Estados federados a faculdade de cobrar de seus servidores tributo com finalidade previdenciária.
A princípio pode soar equivocada a definição de servidores públicos aos tabeliães e oficiais de registro após a promulgação da Constituição atual e da lei que a regulamentou (8.935/1.994), porém, mesmo após terem deixado esta condição particular, a de servidores públicos, detentores de cargo público pelo que se depreende da Lei Complementar Estadual 539/1988 (Art. 7º. São condições de inscrição para concorrer ao provimento de cargo inicial da carreira:...), a última a regrar os concursos de ingresso na atividade e que reproduziu o espírito das leis anteriores, continuaram estes profissionais a contribuir com seu órgão peculiar de previdência, de acordo com o Art. 51 da Lei 8.935, de 18 de novembro de 1.994, cujo teor "Os atuais notários e oficiais de registro, quando da aposentadoria, fica assegurado o direito de percepção de proventos de acordo com a legislação que anteriormente os regia, desde que tenham mantido as contribuições nela estipuladas até a data do deferimento do pedido ou de sua concessão".
Como frisado anteriormente, registradores e tabeliães ostentavam a condição de servidores públicos em sentido estrito, ou seja, detentores de cargo público, nomeados e exonerados pelo Governador do Estado e sujeitos ao Estatuto comum estadual. Com o advento da Lei 8.935, foi-lhes alterado o regime jurídico, passando de detentores de cargo a detentores de delegação de serviço público. A lei citada conhecia disto, tanto que lhes assegurou expressamente a condição previdenciária anterior, continuando esses profissionais sujeitos àquele regime próprio de previdência. Mudou-se-lhes o regime jurídico, o que o STF tem admitido (RE 438481-DF), mas o regime previdenciário continuou o mesmo.
O Art. 48 daquela lei entendeu diferentemente quanto aos escreventes e auxiliares: "Os notários e os oficias de registro poderão contratar, segundo a legislação trabalhista, seus atuais escreventes e auxiliares de investidura estatutária ou em regime especial desde que estes aceitem a transformação de seu regime jurídico, em opção expressa, no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias, contados da publicação desta Lei". Desta forma, concedeu o legislador faculdade ao subordinado do tabelião e do registrador para que continuasse a ostentar, tacitamente, a condição previdenciária anterior, ou, se preferisse, alterar seu regime previdenciário mediante declaração expressa naquele prazo. Só para constar, auxiliar e escrevente estatutário são aqueles investidos pela forma comum estatutária e o auxiliar e o escrevente em regime especial são os que integram o serviço de registro, ou de notas, anteriormente à Lei 8.935, sem, contudo, terem prestado concurso público, porém sujeitos ao regime previdenciário e disciplinar dos servidores comuns.
Deve-se perceber que a faculdade que se deu ao auxiliar e ao escrevente de alterarem seu regime previdenciário não foi concedida ao tabelião e ao registrador, que, continuariam obrigatoriamente vinculados ao seu regime anterior, logo, mesmo que quisessem a alteração do regime estadual para o federal comum, a lei lhes vedaria a intenção.
No regime jurídico anterior, a lei tinha-o como detentor de cargo público não pertencente aos quadros da administração pública cuja movimentação administrativa atípica somente poderia ocorrer num concurso de remoção que não o deslocaria para um outro cargo componente dos quadros administrativos, mas a um outro cartório, hoje serviço notarial ou de registro, e, por não se revestir dos mesmos caracteres do servidor comum, sua contribuição previdenciária não consistia num desconto em folha para aquela finalidade, porém, na destinação aos cofres do Estado de parte do seu ganho pelo ato praticado e pelo recolhimento mensal de um porcentual incidente no valor estipulado para futura aposentadoria.
Sobreveio a Lei Federal 10.169, que decretou normas gerais sobre a cobrança dos atos notariais e de registro. Embora não conste de disposição detalhada, há que se ter que os valores cobrados pelo tabelião, ou pelo registrador, especificada taxa pelo Supremo Tribunal Federal, são dele Tabelião, ou registrador, e, por repercussão lógica, servirão para os encargos próprios do exercício da delegação, ou seja, água, luz, folha de salários, etc. A lei em questão não faz menção a nenhum dispositivo que permita destinar aos cofres da unidade de federação parcela daquele ganho, porque editada já nos moldes da delegação de serviço, entretanto, continuaram as tabelas do Estado a destinar parte daqueles valores, que seriam exclusivos do tabelião, ou do registrador, ao tesouro estadual sob a rubrica de "contribuição ao Ipesp", sempre a respeitar a disposição legal transitória que determina que os tabeliães e oficiais de registro deverão continuar atrelados ao regime previdenciário anterior.
É incontroverso que não pode o Governador do Estado extinguir a Carteira autonomamente, isto é, por simples Decreto resolver acabar com a casa previdenciária do Tabelião e do Registrador paulista. Para tanto, deveria, se o ordenamento lhe autorizasse, valer-se de lei devidamente aprovada pois levaria à revogação de outra, que gerou e gera obrigações tributárias, constituindo direito subjetivo daqueles que com a ela contribuem. Não é demais falar que, hoje, a Carteira das Serventias não-Oficializadas constitui órgão governamental previdenciário de existência transitória uma vez que se extinguirá com a contribuição do último servidor a ela vinculado.
Não vamos focalizar a questão da constitucionalidade da anterior agregação de advogados nem sobre a forçada desvinculação dessa classe do órgão previdenciário paulista, entretanto, não resta dúvida que a lei anterior de ingresso na atividade de "cartorário", concedendo-lhe a condição de servidor público, estava plenamente condizente ao regramento constitucional vigente e deveria, como houve, tornar o "cartorário" sujeito à regra de previdência dos demais servidores públicos da terra bandeirante, mesmo que não integrando o quadro regular daqueles servidores, aliás, ainda que se concebesse anteriormente o instituto da delegação, poderia, já naquela oportunidade, o Estado filiá-los ao seu regime previdenciário diante de não existir lei federal a vedar tal iniciativa.
Desta forma, embora de existência transitória, deve a Carteira de previdência continuar a receber as contribuições dos servidores do chamado foro-extrajudicial até que se acabe pela inexistência de agregados. Hoje, somente pelo não recolhimento de seis parcelas de contribuição mensal, por todos os oficiais de registro e tabeliães, com anuência de todos seus funcionários a ela sujeitos, o que implicaria renúncia ao benefício, somente assim é que poderia deixar de existir a carteira, extinguindo também a obrigação de se recolher mensalmente aos cofres estaduais.
Pacífica a questão da sujeição dos tabeliães e registradores, anteriores a 21/11/1994, ao regime previdenciário criado pela Lei Estadual 10.393 e a consagração inafastável dos seus direitos frente ao IPESP, o mesmo não se pode dizer daqueles que, adentrando o serviço de registro e de notas paulista após aquela data, continuam a recolher aos cofres do Estado contribuição social a entidade da qual não fazem parte, ou seja, contribuindo para aposentadoria de outrem, afinal, dois, dentre outros, são os condutores de recursos aos cofres da Carteira: os recolhimentos sobre os fatos que declaram e os atos que praticam e o recolhimento mensal em razão do escrevente ou auxiliar não-optante em 1994. O recolhimento mensal constitui obrigação previdenciária do detentor da delegação e deriva da condição especial do servidor escrevente, ou auxiliar, que, na época apropriada, revelou o desejo de continuar sujeito ao regime previdenciário anterior e que tem direito, segundo a lei, de ter parte da sua contribuição devida à Carteira coberta pela pessoa que está à testa da serventia, independentemente de ser anterior ou posterior a 1.994 e até interino.
O mesmo não se pode dizer quanto ao recolhimento tabelado dos atos. A Constituição Federal no Art. 149, parágrafo, primeiro "Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para custeio, em benefício destes, de previdência e assistência social." A primeira questão é identificar a espécie tributária em estudo, ou seja, caracterizar o tributo sobre os atos como contribuição social para aposentadoria, para, na seqüência, vislumbrar o delegado, nos novos moldes, pessoa estranha ao meio previdenciário dos demais servidores, e, finalmente, localizá-lo como ente não sujeito à aposentadoria em questão, que, pela própria definição constitucional, não poderia beneficiar-se de tal recolhimento, condição indispensável para constituir-se sujeito passivo do tributo. A propósito, para completarmos o entendimento do binômio obrigatoriedade de contribuição/necessidade de benefícios advindos dela, Hamilton Dias de Souza descreve bem a coincidência que deve existir entre contribuição e benefício: "(...) 7.3.3. Parece, pois, claro que o benefício, enquanto traço conceitual das contribuições, está presente também nas destinadas à seguridade social. É bem verdade que se está em face de um benefício de um grupo de indivíduos, o que significa que a repartição de encargos entre eles há de ser feita a partir de referencias ou parâmetros que sejam sinais de uma suposta vantagem. Porém, a vantagem, ainda que presumida, há de sempre estar presente, sob pena de não se tratar de contribuição. O tema, como se viu no n. 3.9, retro, tem especial relevo na interpretação da lei respectiva, pois há o intérprete de supor que a norma examinada contenha algo que seja um signo presuntivo de benefício. Visto de outra forma, ainda que a hipótese de incidência contemple um fato do mundo fenomênico, este deve estar de alguma forma atrelado ao suposto fundamental da contribuição, que é o benefício. Se se entender que a realização do fato, por determinada pessoa, não resulta, nem possa resultar, qualquer benefício, não se tratará de contribuição. Isso ocorre, por exemplo, quando não há nenhuma referibilidade entre a pessoa que realizou o fato e a atividade estatal arrecadadora de especiais vantagens a um grupo de indivíduos. Também, quando a pessoa não pertence ao grupo de indivíduos beneficiado ou quando o fato previsto na norma é relacionado com pessoa com a qual o contribuinte não tem nenhum vínculo permanente, não tendo, em conseqüência, interesse na atividade estatal e[a ela referida." (in Curso de Direito Tributário, pág. 509, Ed. Saraiva).
Se a Lei federal 8.935 proibiu ao novo delegado regime previdenciário diverso do comum, filiando-o a este obrigatoriamente, não poderia outro ente obrigá-lo a contribuir com seus cofres. Assim, entendemos inconstitucional a cobrança de contribuição social em face dele delegado pós-1994, sempre e apenas em função dos atos tabelados, continuando obrigado pelos recolhimentos mensais em prol do escrevente ou do auxiliar não-optante. O mesmo deve ocorrer com quem responde pelo serviço e que adentrou a atividade posteriormente a 21 de novembro 1.994, que, na qualidade de designado ou interino e estando sujeito ao regime previdenciário comum, não se encontra obrigado à contribuição a grupo do qual não faz parte.
Autor: Milton César Gomes de Aguiar, ex-oficial de Registro Civil em Cajati-SP, atualmente é tabelião em Ipatinga - MG
milton-aguiar@superig.com.br