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25 de Junho de 2008

Clipping - Artigo - Guarda compartilhada ou conjunta fere a autonomia dos pais e relega o interesse do menor de idade

*Maria Luiza Póvoa Cruz

A regulamentação da guarda compartilhada chega ao nosso ordenamento jurídico, festeja, por expressiva parcela de estudiosos do Direito de Família, como também pelos pais. O meu entusiasmo é contido. Direito de Família trata de relações afetivas, complexas, impondo condutas, de forma objetiva. A flexibilização é o melhor caminho.

Como se organizar juridicamente a família, se agora, não há mais uma única forma de família, mas várias? Mães criando filhos sem os pais por perto e vice-versa, casais com filhos de casamento anteriores e também seus novos filhos, parentalidade socioafetiva, útero de substituição, casais homossexuais. Enfim, a família hoje está em movimento e é plural.

"Afeto, igualdade e alteralidade, pluralidade de famílias, melhor interesse da criança/adolescente, autonomia de vontade de intervenção estatal mínima são os princípios fundamentais e norteadores do Direito de Família contemporâneo, sob os quais está o macroprincípio da dignidade da pessoa humana. São esses princípios que os possibilitam estabelecer e optar por razões mais universais, ou seja, pelo ética". RODRIGO DA CUNHA PEREIRA.

E, em meio a todas essas mudanças, o Prof. LUIZ EDSON FACHIN: "Os fatos acabam se impondo perante o Direito e a realidade acaba desmentindo esses mesmos códigos, mudanças e circunstâncias mais recentes têm contribuído para dissolver a névoa da hipocrisia que encobre a negação de efeitos jurídicos"...

Psicanalistas, sociólogos, não têm a fórmula certa. Terá o legislador, com a nova redação dada ao artigo 1.584 do Código Civil? Acredito que não. Difícil impor diretrizes, comportamentos, de forma objetiva, no Direito da Família. Penso, que o intérprete, aplicando á teoria tridimensional do Prof. Miguel Reale (norma, valor e fato) à situação, concreta, à realidade do casal e filhos, seria um caminho mais seguro. A aplicabilidade do Direito em sua essência: "Dá-me o fato e lhe darei o Direito".

Obviamente, compartilhar a educação dos filhos, seria o ideal. Pais presentes, participativos. Porém, essa premissa não é a realidade das Varas de Família. Nas relações judiciais, às vezes, o elo determinante da família, o amor, o afeto, o respeito, perdem espaço para conflitos, dessentimentos. E os filhos? Se encontram no meio da história da degradação pessoal dos pais. Poupar os filhos, como o casal é tarefa preciosa do juiz e advogado, auxiliados por estudiosos da psicologia, da psicanálise. Enfim, o caminho é sinuoso, porém repleto de vitórias se assim for dirimido.

Importa também considerar, que família e parentesco são categorias distintas. O cônjuge pertence à família, e não é parente do outro cônjuge. Enquanto perdura à relação conjugal, marido e mulher são consortes, que compartilham uma comunhão de vida. Dissolvida à sociedade conjugal, não existirá liame jurídico entre os ex-cônjuges. Já os filhos, continuam fazendo parte daquela relação finalizada, e precisam conviver com àqueles que um dia formaram um casal. Portanto a separação é da família conjugal e não da família parental.

Surge porém um dilema. Com quem ficará o filho ou filhos? Convivendo com ambos? O melhor caminho. Mas a experiência mostra que isso só ocorre, se os pais saíram da separação/divórcio, sem mágoas, ressentimentos, amadurecidos. E no caso de conflitos, determinar que a guarda seja concedida apenas a um (obedecendo o melhor interesse do menor), e a outro, o direito de visitas. Que situação frustrante, tanto para as partes, como para o julgador. Porém como nas relações de "estado", as situações são momentâneas, vigorando a premissa "rebus sic stantibus", posteriormente aquela situação poderá ser mudada, em qualquer tempo, pois a vida segue seu curso.

Também é importante observar, que nem sempre filhos de pais separados são infelizes. O tom para uma vida serena dos filhos, será dado na infância. E, justamente na infância, que se sedimenta , a possibilidade, à história pessoal de cada indivíduo, á construção de seus valores morais, éticos, e a maneira de enfrentar as vicissitudes da vida. Esse momento é importante.

Sob outra ótica, também os filhos de pais casados, que vivem em situações de eterno conflito, traduzem problemas para a criação dos filhos. A história é repleta de acontecimentos nefastos, quando o casamento era indissolúvel, e a única forma de constituir família. Não havia como sair de uma relação de desamor. Prefiro o Estado Laico, Securalizado, com várias formas de constituir família, que prioriza a dignidade da pessoa humana, e tem no afeto, Princípio do Direito de Família.

Prosseguindo, tendo como norte a Constituição Federal de 1988, observo que o legislador infraconstitucional não alçou altos vôos. A igualdade constitucional entre o homem e a mulher, indica que o poder familiar deve ser exercido em igualdade de condições. Que o princípio do melhor interesse do menor, deve ser respeitado; e também, que o planejamento familiar é do casal.

Assim, conjugando os princípios citados, e respeitando os vários posicionamentos à respeito da nova redação dada ao artigo 1.584, do Código Civil, entendo que a intenção, o espírito do legislador, alcançou o seu fim. Mas, a efetividade do casal não será alcançada. A dignidade do casal poderá ser arranhada, com a imposição de uma guarda compartilhada (ex-cônjuges, que ainda não digeriram o fim do casamento, sentarem juntos para resolver a escolha, o médico, etc. dos filhos.).

É interessante o(s) filho(s), serem educados, acompanhados por pais que se odeiam? Onde anda o melhor interesse do menor? O princípio da autonomia do casal, (não observado pela novel Legislação), estabelecido no artigo 226, parágrafo 7, da CF: "Fundados nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedado qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas".

Enfim, no exercício da minha função de julgadora, intérprete da Lei, (sem querer polemizar a chegada da nova Lei), numa visão hermenêutica civil-constitucional, considero a nova Legislação, que dispõe sobre a guarda conjunta ou compartilhada dos filhos, inconstitucional; isto porquê: fere à dignidade do casal, o melhor interesse do menor é relegado, e, é uma forma coercitiva de se resolver à guarda , em razão da intervenção estatal na autonomia, da vontade do casal. Melhor seria, que a redação anterior fosse mantida, onde se preserva o menor e às partes.

Aguardemos pois os efeitos da guarda compartilhada, deixando (pelo menos ao momento), que a nova Lei respire, adquira fôlego.

E, como a vida segue seu curso, de forma inexorável e surpreendente, à reflexão do prefácio, do Prof. Luiz Edson Fachin, no Livro, Princípios Norteadores do Direito de Família de autoria de Rodrigo da Cunha Pereira: "O tempo presente é de inquietudes e por isso mesmo de reflexões para manter acesa a esperança e o sonho. É certo que, como Zeca Andorinho, da estória de Mila Couto sobre o último vôo do flamingo em Moçambique, somos madeira que apanhou chuva. Agora não ascendemos nem damos sombra. Temos que secar à luz de um sol que ainda há. E esse sol só pode nascer dentro de nós. É desse sol que se faz a terra, as árvores e o céu, todos esses mundos que se abrem para acolher a genealogia dos princípios na origem, no meio e no fim da família, um corpo em movimento mensageiro suscetível de arrotar o rapto da esperança e o seqüestro da vida. É desse sol que reafirma, no vital respeito à diferença, que um outro mundo, sim, é mais possível".

Fontes:
Princípios fundamentais e norteadores do Direito de Família - Rodrigo da Cunha Pereira, Ed. Del Rey, Belo Horizonte - MG.
Direito Civil - Paulo Lobo, Ed.

*Maria Luiza Povoa Cruz é presidente do IBDFAM - GOIÁS, Juíza de Direito da Vara de Família e Sucessões da Comarca de Goiânia (GO). Professora da Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás, Professora e Coordenadora Científica do Curso de Pós-Graduação do Direito das Famílias, Civil-Constitucional, Interdisciplinar - Instituto IPOG.