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16 de Julho de 2008

Artigo - Uniões homoafetivas são pauta da Corte Constitucional Colombiana

Eloisa Machado e Samuel Friedman

Depois de quatro vitórias judiciais, em 2007 e 2008, que já reconheceram a igualdade de alguns direitos, uma ação em trâmite na Corte Colombiana pretende a equiparação de direitos e obrigações dos companheiros heterossexuais às uniões homoafetivas. A Corte está apreciando a ação D-7290, proposta pelas entidades Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad - Dejusticia; Colombia Diversa e Grupo de Derecho de Interés Público de La Universidad de Los Andes, em conjunto com outras 38 organizações do movimento GLBT colombiano.

Baseada nos precedentes da própria Corte, a ação sustenta que as uniões heterossexuais e homoafetivas têm a mesma necessidade de proteção nos aspectos político, social, econômico, penal, previdenciário, etc, para dar concretude dos direitos à igualdade, autonomia e dignidade humana.

Determinada em ampliar o debate e oferecer uma visão mais abrangente para subsidiar a decisão dos magistrados, a Conectas Direitos Humanos apresentou manifestação requerendo a sua admissão como amicus curiae na ação. A manifestação traça um paralelo com o direito brasileiro, as garantias da Constituição de 1988, marco da redemocratização do país, e a jurisprudência brasileira sobre o tema. Sob o prisma constitucional, uma sociedade verdadeiramente democrática, pluralista e diversa só pode se consolidar com o respeito à liberdade e autonomia dos indivíduos e grupos, ou seja, a garantia e o respeito às diferenças e o tratamento isonômico são condições indispensáveis para o Estado que queremos. Conectas sustenta que a garantia à livre manifestação e vivência das diferentes sexualidades e orientações sexuais é fundamento do ordenamento jurídico brasileiro.

Mas a proteção aos direitos e à dignidade dos homossexuais não é exclusividade do ordenamento jurídico nacional ou de outros países. Decorre de toda a normativa internacional de proteção dos direitos humanos, seja na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (no âmbito do sistema global da ONU) e também na Convenção Interamericana de Direitos Humanos (no âmbito do sistema regional da OEA).

Ao destacar casos emblemáticos da jurisprudência brasileira, Conectas pretende exemplificar a atualidade do tema e as soluções que os magistrados brasileiros têm adotado, como a decisão da ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal que garantiu, no âmbito INSS, a equiparação das uniões de pessoas do mesmo sexo às uniões heterossexuais para fins previdenciários e diversos julgados, com destaque à apelação cível nº 598362655 do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul):

HOMOSSEXUAIS. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual. E é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso país, destruindo preceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade cientifica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Sentença desconstituída para que seja instruído o feito. Apelação provida. (Apelação Cível Nº 598362655, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 01/03/2000)

A organização destaca que a discriminação em virtude da orientação sexual tem dois efeitos perversos: viola os direitos individuais e coletivos dos homossexuais e também permite que a sociedade mantenha um contexto de exclusão e violência, ambiente propício para os crimes de ódio. Só nos últimos cinco anos, aproximadamente 668 homossexuais foram assassinados no Brasil em razão de sua orientação sexual, de acordo com dados levantados pelo Grupo Gay da Bahia.

O tratamento legal dispensado por diversos países em relação às relações homoafetivas indica um avanço, já que ao menos cinco países e um estado dos Estados Unidos reconhecem o casamento de pessoas do mesmo sexo e outros 20 países e alguns estados e cidades reconhecem a união civil homoafetiva.

Isso, de certa forma, indica que a comunidade internacional está em um momento de transição, em diferentes estágios, mas caminha para que as uniões homoafetivas saiam da invisibilidade e os homossexuais deixem de ser tratados como cidadãos de segunda-classe, com menos direitos que os demais. Tal movimento global não pode ser encarado de forma isolada e, daí a importância da articulação das organizações em diversos países, especialmente na América Latina, onde os contextos sócio-culturais são muito semelhantes.

Por exemplo, em maio, a Suprema Corte do Estado da Califórnia (EUA) decidiu que a definição de casamento como apenas entre homens e mulheres é inconstitucional, pois exclui as uniões homoafetivas, garantindo, assim, o casamento de pessoas do mesmo sexo. Entenderam os julgadores que a decisão contrária faria dos homossexuais "cidadãos de segunda categoria".

Outro exemplo: no final de 2005, o Tribunal constitucional da África do Sul decidiu a favor do casamento já que todas as pessoas são iguais e desfrutam da mesma proteção perante a lei e, com isso, determinou que o parlamento adequasse a lei no prazo de um ano:

"...quando as leis vigentes no país no garantam a efetividade da Carta de Direitos, é obrigação da Corte Constitucional fazê-lo, seja interpretando o conteúdo dessa legislação para fazer cumprir todos os direitos lá presentes, seja zelando para que a injustiça da lei seja corrigida. Ao promover o desenvolvimento dessa lei, a Corte deve sempre zelar para que o espírito, os objetivos e as proposições da Carta de Direitos acompanhem o desenvolvimento da sociedade. Nesse contexto, garantir que os indivíduos sejam tratados como iguais, a pesar de suas diferenças, não é uma questão de escolha. É uma obrigação que prescinde de orientação religiosa, política ou ideológica!" (Voto do juiz Sanchez na decisão da ação Fourie an and Anot nother v Minister of Home Affairs and Others)

No Brasil, as uniões de pessoas do mesmo sexo estão na pauta do Supremo Tribunal Federal com a ADPF (ação de descumprimento de preceito fundamental) nº 132, proposta pelo governador do Estado do Rio de Janeiro para sustar e remediar lesões decorrentes da interpretação de dispositivos do Estatuto dos Servidores Públicos carioca e das decisões dos tribunais estaduais que neguem às uniões homoafetivas o mesmo regime jurídico das uniões estáveis. Conectas Direitos Humanos, em conjunto com o Escritório de Direitos Humanos de Minas Gerais e o Grupo Gay da Bahia, também se manifestou na qualidade de amicus curiae na ação brasileira. Leia a íntegra da manifestação em www.stfemfoco.org.br.

Esse trabalho conjunto das organizações de defesa dos direitos humanos da América Latina é essencial para o enfrentamento dos problemas comuns nos sistemas jurídicos e contextos sociais semelhantes que permeiam o bloco, ainda marcado por uma arraigada cultura de tolerância às discriminações, que deve ser superada com urgência.