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02 de Maio de 2004
Artigo - O ISS e os cartórios - Afinal, a cobrança é legítima?
Os Notários e os Oficiais de Registro Público foram surpreendidos com a edição da Lei Complementar n° 116 de 31.07.2003, que dentre outras previsões, confere aos Municípios "autorização para instituir o ISSQn - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza daqueles prestados pelos titulares de Cartórios, Notariados e Registros Públicos, verbis:
"Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
"Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. (...)
21 - Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.
21.01 - Serviços de registros públicos, cartorários e notariais."
Antes de qualquer análise sobre a cobrança propriamente dita, supondo ser constitucional referida exação, é importante verificarmos os parâmetros estabelecidos pela própria Carta da República de 1988 que servem de balizas para que os entes políticos - União, Estados, Distrito Federal e Municípios-, possam exercitar as respectivas competências tributárias. Dito sob outro giro, as limitações constitucionais ao Poder de Tributar, sob pena de violação às regras do Estado Democrático de Direito, devem ser obedecidas necessariamente. São elas:
1) Nenhum tributo poderá ser exigido ou aumentado sem lei que o estabeleça: eis o Princípio da Estrita Legalidade, estabelecido no artigo 150, inciso I da CF/88.
Cada Município deverá fazer votar e aprovar pelas respectivas Câmaras de Vereadores, LEI, que institua a cobrança do ISS sobre os Serviços de Registros Públicos, Cartorários e Notarias.
Vale ressaltar que é vedada a cobrança de tributos por analogia, sem que haja previsão legal. É o que estabelece o § 1º do art. 108 do Código Tributário Nacional.
2) É vedado aos Municípios cobrarem tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. (art. 15º, III, b)
O Princípio da Anterioridade da Lei Tributária estabelece que em relação aos impostos, os entes tributantes só poderão cobrá-los, se e somente se, no exercício anterior, a lei que os autorizou tenha sido votada, aprovada, sancionada e publicada em Diário Oficial.[1]
3) É vedado aos Municípios cobrarem tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado: é o Princípio Constitucional da Irretroatividade das Leis (art. 150, III, a).
Nenhuma cobrança de tributo poderá ser retroativa ao início da vigência da lei, sob pena de se desestabilizar a ordem social e desrespeitar o Sobre-Princípio da Segurança Jurídica e da Certeza do Direito.
4) Ainda: o Município não poderá, sob qualquer hipótese, instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, II).
Portanto, qualquer tentativa, de instituição de alíquotas ou bases de cálculos diferenciadas dentro do mesmo município, tomando-se por parâmetro os serviços de registros públicos, cartorários ou notariais, deverá ser afastada do sistema incontinenti, por desrespeitar o Princípio Constitucional da Igualdade Tributária. Ou seja, as alíquotas e bases de cálculos terão que ser idênticas em relação à cobraça do ISS dos Cartórios, quaisquer que sejam eles, ou quaisquer que sejam as delegações exercidas por seus titulares.
Como se sabe, o Direito Tributário - ramo da ciência do Direito - é um Direito de Sobreposições, donde as leis tributárias terão que sobrepor-se aos conceitos estabelecidos nas leis específicas que regem às atividades que se pretente tributar. O Código Tributário Nacional, em seu artigo 110, estabeleceu que " a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."
Neste passo, inadmissível, passar-se ao largo da análise da natureza jurídica dos serviços cartorários.
A Constituição Federal, no art. 236, estabeleceu:
"Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
(...)".
E por comando normativo constitucional, sobreveio a Lei n° 8.935/94, que dispôs sobre os serviços notariais e de registro, que definiu os serviços notariais e de registro, verbis:
"Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
(...)
Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro." (grifos nosso).
Ora, apesar de exercido em caráter privado, os serviços notariais e de registro são delegações de serviços públicos, que por força de imunidade recíproca estabelecida na Constituição Federal, é vedada a autorização para sua cobrança, ainda que por força de Lei Complementar, verbis:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
(...)." (grifamos)
Como adverte Alex Nunes de Figueiredo[2]:
"Parte dos emolumentos cobrados pelos ofícios de justiça do foro extrajudicial pertence ao Estado, que em lei específica fixará o percentual que o serventuário deverá recolher aos cofres públicos, após ter recebido pelo serviço prestado, girando esse valor geralmente em torno de 10%. A outra parte, como visto, cobre as despesas do titular do ofício extrajudicial no desempenho de suas funções."
Inafastável, portanto, a conclusão de que, a inclusão do item 21 e sub-item 21.01 da lista anexa à Lei Complementar 116/03, afronta a Constituição Federal, porquanto tais serviços gozam de imunidade, o que vale dizer, aos Municípios não fora conferida autorização constitucional para a cobrança do ISSqn sobre os serviços cartorários e de registros, havendo neste passo, uma limitação constitucional ao poder de tributar. Em assim sendo, não poderia o legislador complementar - hierarquicamente subordinado ao legislador constitucional- autorizar a referida cobrança.
Portanto, de toda sorte, sob qualquer análise, inadmissível a cobrança do ISSQn sobre os serviços de Cartórios e Registros Públicos, pela inconstitucionalidade da Lei Complementar n° 116/2003 no que se refere à inclusão do item 21 e sub-item 21.01 da lista anexa, devendo ser por meio de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADIN) com efeito erga omnes ou Mandados de Segurança Individuais, cuja sentença transitada em julgado, teria efeito incidenter tantum, afastando-a em definitivo do ordenamento jurídico pátrio.
Autor: Tiziane Machado (*)(*) Advogada em São Paulo e Fortaleza. Mestre em Direito Tributário pela PUC(SP).
Fonte: Arpen-Brasil
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[1] Em relação às Contribuições, aplica-se o princípio da anterioridade nonagesimal, o que vale dizer, antes de 90 dias contados da publicação da lei que instituiu referida exação, não poderá haver a sua cobrança.
2 Revista de Estudos Tributários 31. Síntese, Porto Alegre, 2003. P.125
"Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
"Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. (...)
21 - Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.
21.01 - Serviços de registros públicos, cartorários e notariais."
Antes de qualquer análise sobre a cobrança propriamente dita, supondo ser constitucional referida exação, é importante verificarmos os parâmetros estabelecidos pela própria Carta da República de 1988 que servem de balizas para que os entes políticos - União, Estados, Distrito Federal e Municípios-, possam exercitar as respectivas competências tributárias. Dito sob outro giro, as limitações constitucionais ao Poder de Tributar, sob pena de violação às regras do Estado Democrático de Direito, devem ser obedecidas necessariamente. São elas:
1) Nenhum tributo poderá ser exigido ou aumentado sem lei que o estabeleça: eis o Princípio da Estrita Legalidade, estabelecido no artigo 150, inciso I da CF/88.
Cada Município deverá fazer votar e aprovar pelas respectivas Câmaras de Vereadores, LEI, que institua a cobrança do ISS sobre os Serviços de Registros Públicos, Cartorários e Notarias.
Vale ressaltar que é vedada a cobrança de tributos por analogia, sem que haja previsão legal. É o que estabelece o § 1º do art. 108 do Código Tributário Nacional.
2) É vedado aos Municípios cobrarem tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. (art. 15º, III, b)
O Princípio da Anterioridade da Lei Tributária estabelece que em relação aos impostos, os entes tributantes só poderão cobrá-los, se e somente se, no exercício anterior, a lei que os autorizou tenha sido votada, aprovada, sancionada e publicada em Diário Oficial.[1]
3) É vedado aos Municípios cobrarem tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado: é o Princípio Constitucional da Irretroatividade das Leis (art. 150, III, a).
Nenhuma cobrança de tributo poderá ser retroativa ao início da vigência da lei, sob pena de se desestabilizar a ordem social e desrespeitar o Sobre-Princípio da Segurança Jurídica e da Certeza do Direito.
4) Ainda: o Município não poderá, sob qualquer hipótese, instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, II).
Portanto, qualquer tentativa, de instituição de alíquotas ou bases de cálculos diferenciadas dentro do mesmo município, tomando-se por parâmetro os serviços de registros públicos, cartorários ou notariais, deverá ser afastada do sistema incontinenti, por desrespeitar o Princípio Constitucional da Igualdade Tributária. Ou seja, as alíquotas e bases de cálculos terão que ser idênticas em relação à cobraça do ISS dos Cartórios, quaisquer que sejam eles, ou quaisquer que sejam as delegações exercidas por seus titulares.
Como se sabe, o Direito Tributário - ramo da ciência do Direito - é um Direito de Sobreposições, donde as leis tributárias terão que sobrepor-se aos conceitos estabelecidos nas leis específicas que regem às atividades que se pretente tributar. O Código Tributário Nacional, em seu artigo 110, estabeleceu que " a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."
Neste passo, inadmissível, passar-se ao largo da análise da natureza jurídica dos serviços cartorários.
A Constituição Federal, no art. 236, estabeleceu:
"Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
(...)".
E por comando normativo constitucional, sobreveio a Lei n° 8.935/94, que dispôs sobre os serviços notariais e de registro, que definiu os serviços notariais e de registro, verbis:
"Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
(...)
Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro." (grifos nosso).
Ora, apesar de exercido em caráter privado, os serviços notariais e de registro são delegações de serviços públicos, que por força de imunidade recíproca estabelecida na Constituição Federal, é vedada a autorização para sua cobrança, ainda que por força de Lei Complementar, verbis:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
(...)." (grifamos)
Como adverte Alex Nunes de Figueiredo[2]:
"Parte dos emolumentos cobrados pelos ofícios de justiça do foro extrajudicial pertence ao Estado, que em lei específica fixará o percentual que o serventuário deverá recolher aos cofres públicos, após ter recebido pelo serviço prestado, girando esse valor geralmente em torno de 10%. A outra parte, como visto, cobre as despesas do titular do ofício extrajudicial no desempenho de suas funções."
Inafastável, portanto, a conclusão de que, a inclusão do item 21 e sub-item 21.01 da lista anexa à Lei Complementar 116/03, afronta a Constituição Federal, porquanto tais serviços gozam de imunidade, o que vale dizer, aos Municípios não fora conferida autorização constitucional para a cobrança do ISSqn sobre os serviços cartorários e de registros, havendo neste passo, uma limitação constitucional ao poder de tributar. Em assim sendo, não poderia o legislador complementar - hierarquicamente subordinado ao legislador constitucional- autorizar a referida cobrança.
Portanto, de toda sorte, sob qualquer análise, inadmissível a cobrança do ISSQn sobre os serviços de Cartórios e Registros Públicos, pela inconstitucionalidade da Lei Complementar n° 116/2003 no que se refere à inclusão do item 21 e sub-item 21.01 da lista anexa, devendo ser por meio de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADIN) com efeito erga omnes ou Mandados de Segurança Individuais, cuja sentença transitada em julgado, teria efeito incidenter tantum, afastando-a em definitivo do ordenamento jurídico pátrio.
Autor: Tiziane Machado (*)(*) Advogada em São Paulo e Fortaleza. Mestre em Direito Tributário pela PUC(SP).
Fonte: Arpen-Brasil
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[1] Em relação às Contribuições, aplica-se o princípio da anterioridade nonagesimal, o que vale dizer, antes de 90 dias contados da publicação da lei que instituiu referida exação, não poderá haver a sua cobrança.
2 Revista de Estudos Tributários 31. Síntese, Porto Alegre, 2003. P.125