Notícias
Amor sem idade: Casamentos de pessoas acima de 60 anos crescem em São Paulo
Casamentos de
pessoas de terceira idade apontam para tendência de crescimento em São Paulo.
Avanços jurídicos, busca por segurança e realização pessoal, estão entre os principais
motivos
O casamento civil é um dos atos mais emblemáticos do
Registro Civil. Mais do que uma formalidade, ele representa o reconhecimento
oficial de uma união, garantindo proteção jurídica, segurança patrimonial e
visibilidade social a casais que decidem oficializar sua vida em comum. Se
antes o matrimônio era visto como um compromisso exclusivo da juventude, os
números recentes revelam uma mudança importante: cada vez mais pessoas na
terceira idade estão dizendo “sim” diante da lei.
Em 2023 foram realizados 2.900 casamentos entre pessoas com
mais de 60 anos. Em 2024, o número subiu para 3.020 registros, e em 2025, até
agosto, já foram contabilizadas 1.925 uniões. Esses dados demonstram que,
apesar de preconceitos e receios, cresce o movimento de idosos que optam por
dar um passo além nos relacionamentos, buscando não apenas celebrar o amor, mas
também assegurar direitos fundamentais.
Entre preconceitos e inseguranças
Para muitos, a decisão de se casar após os 60 anos ainda
esbarra em barreiras emocionais e sociais. A registradora Júlia Mota, oficial
do Cartório de Registro Civil do Jabaquara, capital paulista, explica que o
preconceito é um fator real que precisa ser considerado. “Além do medo natural
que as pessoas sentem por se perceberem mais vulneráveis após determinada
idade, há também um preconceito social que, muitas vezes, se reflete nos
próprios filhos desses idosos, que não os apoiam. É preciso lembrar que eles já
viveram esse processo na juventude com seus filhos e ofereceram apoio. Agora,
muitas vezes, não recebem a mesma compreensão”, afirma.
A resistência de familiares, segundo a oficial, se mistura à
receios financeiros e patrimoniais. Muitos idosos evitam formalizar a união por
acreditar que isso poderia prejudicar a herança destinada aos filhos. “Esse é
um equívoco comum. No casamento, os noivos podem estabelecer o regime de bens
que melhor lhes atenda, inclusive com pacto antenupcial. Isso traz segurança e
clareza para todas as partes, sem que seja necessário renunciar ao sonho de
casar”, explica Júlia.
União estável x casamento
Embora a união estável seja uma realidade para muitos casais
idosos, o casamento ainda oferece uma estrutura jurídica mais robusta. No
casamento civil, direitos e deveres ficam expressamente definidos, facilitando
o acesso a benefícios previdenciários, herança e até mesmo a tomada de decisões
médicas em casos de emergência.
Para a registradora, o casamento não deve ser visto apenas
como um ato simbólico. “O casamento civil, além de ser a celebração do amor,
também é uma forma de proteção. Ele evita incertezas jurídicas e garante que a
vontade do casal prevaleça, trazendo tranquilidade tanto para os noivos quanto
para suas famílias”.
Essa segurança, muitas vezes, é o que motiva casais da
terceira idade a oficializarem suas uniões após anos ou até décadas de
convivência.
A mudança no regime de bens: mais liberdade de escolha
Um dos grandes avanços recentes para casais acima de 70 anos
foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023, no julgamento do
Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1309642. Até então, o Código Civil
determinava que, para pessoas com mais de 70 anos, o casamento só poderia ser
realizado sob o regime da separação obrigatória de bens.
Na prática, isso significava que, ainda que o casal
desejasse compartilhar patrimônio, essa escolha não lhes era permitida. A regra
partia da presunção de que pessoas nessa faixa etária poderiam ser mais
vulneráveis a casamentos por interesse econômico.
O STF, no entanto, entendeu que essa imposição feria o
princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à autonomia. A decisão
permitiu que pessoas maiores de 70 anos escolham livremente o regime de bens de
seu casamento ou união estável, assim como qualquer outro cidadão. “O
julgamento privilegiou o princípio da dignidade da pessoa humana, valorizando
os idosos por suas escolhas conscientes, sem discriminação em razão da idade”,
explica a Oficial.
Esse avanço jurídico tem encorajado cada vez mais idosos a
formalizarem suas uniões, sem receio de abrir mão de sua autonomia.
Histórias que inspiram
Por trás dos números e das decisões judiciais, estão
histórias reais que mostram como o casamento na terceira idade pode ser um
momento de renovação e afirmação. É o caso de Sidnei Ortunho, de 62 anos, que
viveu quase duas décadas em união estável com sua companheira, Pedrina Ortunho,
até decidir oficializar o relacionamento no Cartório de Registro Civil de
Sapopemba.
“Foram quase 20 anos juntos, mas eu sempre senti que faltava
algo. Casar foi uma forma de dizer para ela, para nossa família e para nós
mesmos que o nosso amor é para sempre. Não tem idade para realizar um sonho, e
esse era o nosso”, contou.
Histórias como a de Sidnei e Pedrina ajudam a desconstruir a
ideia de que o casamento é algo restrito à juventude. Ao contrário, mostram que
a terceira idade pode ser também um momento de novos recomeços e de conquistas
importantes.
Casamento como direito e celebração
A cada cerimônia realizada em cartórios de São Paulo, fica
evidente que o casamento na terceira idade não é apenas sobre formalidade ou
patrimônio, mas sobre reconhecimento e respeito. O ato reforça o direito de
cada pessoa, em qualquer fase da vida, de buscar felicidade, estabilidade e
proteção. “Muitos idosos ainda pensam que não têm mais esse direito à
felicidade ou à realização de um sonho. Infelizmente é comum esse tipo de
pensamento, reflexo da própria falta de apoio da família, mas o casamento civil
além de ser a celebração do amor, também pode proteger os direitos dos
envolvidos”, completa Júlia.
Os números crescentes confirmam que cada vez mais pessoas
estão entendendo esse direito. E os cartórios de Registro Civil seguem sendo
guardiões dessa história, assegurando que o “sim” continue sendo um motivo de
felicidade em todas as fases da vida.
Fonte: Eduardo Carrasco, Assessoria de Comunicação da
Arpen-SP