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02 de Fevereiro de 2011

Jurisprudência STJ - Direito Processual Civil e Direito Civil. Família. Recurso Especial. Ação de Reconhecimento de Sociedade de Fato Post Mortem.

EMENTA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO POST MORTEM. PRELIMINARES DE AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE, PREQUESTIONAMENTO E SIMILITUDE FÁTICA. REGRAS LOCAIS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA DE JULGAMENTO ALÉM DO PEDIDO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ESFORÇO COMUM NA AQUISIÇÃO DE EVENTUAL PATRIMÔNIO A SER PARTILHADO. REQUISITO PARA FINS DE RECONHECIMENTO DA SOCIEDADE DE FATO. 1. Consiste a lide em definir se a comprovação do esforço comum na aquisição de eventual patrimônio a ser partilhado - ainda que a partilha seja postulada em lide diversa - constitui requisito para fins de reconhecimento de sociedade de fato. 2. Descabe ao STJ imiscuir-se na interpretação de lei local que se exaure na esfera de competência do Tribunal estadual a que está vinculada. 3. Decidir em desacordo com a tese defendida pela parte não consiste em violação do art. 535 do CPC. 4. O prequestionamento e a similitude fática - no que concerne à questão relativa à incompetência absoluta deduzida pela recorrente - não foram comprovados. 5. Inexistiu julgamento além do pedido, porquanto em momento algum o acórdão impugnado conferiu contorno de união estável à relação mantida entre a recorrida e o falecido. Reconheceu isso sim - única e exclusivamente - a existência de sociedade de fato entre ambos, matéria essa que centra o debate, pois ao mesmo tempo, o TJ/PB afastou a necessidade de comprovação do esforço comum para a formação de eventual patrimônio a ser partilhado. 6. A realidade vívida e visceral de uma sociedade marcada pela existência de relações líquidas, fluidas, de fragilidade ímpar, impõe ao Juiz uma rigorosa análise de cada lide que apresenta paralelismo afetivo, de acordo com as peculiaridades multifacetadas apresentadas no caso concreto, sem aplicar, jamais, raciocínios distanciados da dimensão específica alcançada pelas circunstâncias contextuais do processo. 7. A inexistência da prova de patrimônio adquirido pelo esforço comum é circunstância suficiente para afastar a configuração de sociedade de fato, porque é pressuposto para seu reconhecimento. 8. Desse modo, a simples convivência sob a roupagem de concubinato não confere direito ao reconhecimento de sociedade de fato, que somente emerge diante da efetiva comprovação de esforço mútuo despendido pelos concubinos para a formação de patrimônio comum. Isso porque a existência de sociedade de fato pressupõe, necessariamente, a aquisição de bens ao longo do relacionamento, para que se possa ter por caracterizado o patrimônio comum. 9. A pertinência dessa construção jurisprudencial deve ser firmemente estabelecida, com vistas a salvaguardar as partes da malícia e da má-fé, por meio da utilização de premissas falaciosas de argumentos que possam inverter o sentido e a intenção das criações do Direito, as quais seguem sempre no rastro da realidade social e da preservação dos direitos inerentes à promoção do bem-estar do ser humano. 10. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial. (STJ - AgRg no REsp nº 1.170.799 - PB - 3ª Turma - Rel. Min. Massami Uyeda - Rel. para o acórdão Min. Nancy Andrighi - DJ 06.12.2010)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti e dos votos dos Srs. Ministros Vasco Della Giustina e Paulo Furtado, por maioria, dar provimento ao agravo regimental. Vencido o Sr. Ministro Massami Uyeda. Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado . Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília, 03 de agosto de 2010 (Data do Julgamento).
Ministra Nancy Andrighi - Relatora

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator): Cuida-se de agravo de agravo de regimental interposto M. E. DE C. M. contra decisão, da lavra desta Relatoria, assim ementada:

"RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO-OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE - ARTIGO 42 DA LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DA PARAÍBA - NORMA NÃO INSERIDA NO CONCEITO DE LEI FEDERAL - INVIABILIDADE DA ABERTURA DESTA INSTÂNCIA ESPECIAL - APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA N. 280/STF - SOCIEDADE DE FATO - COMPROVAÇÃO DO ESFORÇO COMUM - AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO - INCIDÊNCIA ANÁLOGA DA SÚMULA N. 283/STF - RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO".

Busca a recorrente a reforma do decisum, argumentando, em síntese, que não houve a comprovação dos requisitos necessários ao reconhecimento da sociedade de fato, especificamente em razão da ausência da constituição de patrimônio em comum. Aduz, outrossim, que a ação, por versar sobre o reconhecimento de união estável, deveria ter sido processada e julgada em uma das varas de família e não na vara civil comum.
É o relatório.

VOTO VENCIDO

O EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA (Relator): O inconformismo não merece prosperar.

Com efeito.

Inicialmente, quanto à alegada incompetência do juízo da vara cível para processar e julgar o presente feito, tema trazido a esta Corte a pretexto de eventual ofensa aos artigo 42 da Lei de Organização Judiciária do Estado da Paraíba e 113, § 2º, do Código de Processo Civil, observa-se que, de igual maneira, o recurso não merce prosperar.

Na realidade, o Tribunal de origem, após estabelecer que o pedido veiculado na inicial refere-se ao reconhecimento de sociedade de fato, concluiu, segundo a lei de organização judiciária local, que a competência para julgar o feito é de uma das varas cíveis, porquanto a competência das varas de família só teria atração se a hipótese sub examine versasse sobre o reconhecimento de união estável.

Assim, ainda que a recorrente tenha apontado ofensa ao artigo 113, 2º, do Código de Processo Civil, a transposição do argumento utilizado em segunda instância, pressupõe, de fato, a reinterpretação do já mencionado artigo 42 da Lei de Organização Judiciária do Estado da Paraíba que, por se compreender no conceito de lei estadual, não pode dar ensejo a abertura desta Instância especial. Incide, na espécie, por analogia o óbice da Súmula n. 280/STF. Nesse sentido, assim já se decidiu:

"PROCESSO CIVIL. (...). COMPETÊNCIA. TRIBUNAIS DE ALÇADA E DE JUSTIÇA. LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. LEI LOCAL. ENUNCIADO N. 280 DA SÚMULA/STF. RECURSO DESACOLHIDO. (...). III - As normas estaduais de organização judiciária que tratam da competência dos Tribunais de Alçada e de Justiça não se incluem no conceito de lei federal expresso na Constituição como hábil a ensejar o acesso à instância especial, tornando aplicável o verbete sumular n. 280/STF. IV - Não nega a prestação jurisdicional o acórdão do tribunal de segundo grau que fundamenta sua conclusão e supre a omissão, enfim, sana os vícios apontados no julgamento do recurso especial provido pela violação do art. 535, CPC" (REsp 191.431/RJ, Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, DJ 15/04/2002).

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. (...). COMPETÊNCIA INTERNA DOS TRIBUNAIS. INTERPRETAÇÃO DE NORMAS LOCAIS RELATIVAS À ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA E À COMPETÊNCIA DOS ÓRGÃOS JULGADORES. REGIMENTO INTERNO. RESOLUÇÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. INVIABILIDADE. SÚMULAS 280 E 399/STF. (...). 2. Para verificar a competência interna de cada um dos órgãos que compõem o Tribunal de Justiça estadual, é necessário interpretar as normas de organização judiciária, mormente a Resolução 194/2004, do TJ/SP, bem como seu regimento interno. Todavia, tal exame demanda a interpretação de lei local, o que, no entanto, é vedado em sede de recurso especial (Súmulas 280 e 399/STF). 3. Agravo regimental desprovido" (AgRg no Ag 949.819/SP, Relatora Ministra Denise Arruda, DJe 18/09/2008).

Com relação à caracterização da sociedade de fato, veja-se que a tese trazida pela parte recorrente consiste na impossibilidade de seu reconhecimento diante a ausência da comprovação da existência de um patrimônio comum.
Bem de ver que, no ponto, o Tribunal estadual deixou assente que a questão referente ao patrimônio não era discutida nos presentes autos e que a pretensão versava apenas acerca da possibilidade de se declarar a existência do já mencionado vínculo (sociedade de fato). É dizer, portanto, que no entender da Corte de origem, a única causa de pedir é a declaração da sociedade de fato e não a partilha de bens e que:

"a comprovação de contribuição (financeira, ou com seu trabalho) para a constituição de algum patrimônio, no presente tão debatida, só deveria ser considerada, se acaso a apelante estivesse almejando qualquer divisão de patrimônio (...). Mas aqui, busca-se a mera declaração da sociedade de fato".
Entretanto, verifica-se, de fato, que o sobredito argumento em que se fundou o aresto recorrido não restou devidamente infirmado, porquanto a recorrente limitou-se a sustentar a impossibilidade de se reconhecer a sociedade de fato sem a comprovação da participação comum de ambas as partes para a formação do acervo patrimonial, nada dizendo, pois, acerca dos limites da discussão travada na presente ação.

Incide, na espécie, por analogia, o óbice da Súmula n. 283/STF.

Nega-se, portanto, provimento ao recurso.

É o voto.

VOTO-VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de agravo interposto por M. E. DE C. M. contra decisão proferida pelo i. Ministro Relator, Massami Uyeda, que negou seguimento ao recurso especial, este com fundamento nas alíneas "a" e "c", da norma autorizadora.

Ação: (e-STJ fls. 2/5): de reconhecimento de sociedade de fato post mortem, foi ajuizada por M. E. DE S., em face da recorrente.

A autora alega na inicial que manteve, a partir de 1973, quando era funcionária da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba, um relacionamento amoroso com o então Deputado Estadual E. S. M. Dessa união nasceram dois filhos, ao longo dos anos de 1976 e 1977. Sustenta que a relação perdurou até a data do óbito de E. S. M., ocorrido em 18.11.2004, em concomitância com casamento válido epreexistente - celebrado, em 1962, entre o falecido e M. E. DE C. M. -, do qual advieram igualmente dois filhos. Ampara seu pedido nos arts. 226, § 3º, da CF; 1.723 a 1.727 do CC/02; bem como na Lei n.º 9.278/96, para que seja reconhecida como entidade familiar a sociedade de fato mantida pelo período de 31 anos com o E. S. M., ressaltando que "até a data de seu óbito todos viviam sob sua dependência financeira e afetiva" (e-STJ fl. 3).

Contestação (e-STJ fls. 71/81): a viúva aduz, em preliminar, a impossibilidade jurídica do pedido, porquanto E. S. M. jamais deixou o lar conjugal, ao longo dos 42 anos que perdurou o casamento, cuja ruptura somente ocorreu "quando do trágico incidente ocorrido na residência do casal (...), que levou o mesmo [E. S. M.] para longe dos seus [morte violenta]" (e-STJ fl. 75 - com adaptações). Relata que cuidou do marido, em sua enfermidade, em longa "peregrinação médica". Rebate a existência tanto de concubinato como de união estável entre o falecido e a recorrida, que, segundo afirma, "como outras tantas, inobstante ter tido dois filhos do falecido E., foi para este, apenas e nada mais, uma companhia de cama sem aprovação legal" (e-STJ fl. 78 - com adaptações).
Impugnação à contestação (e-STJ fls. 139/144): sustenta M. E. DE S. que "em nenhum momento foi requerido o reconhecimento da união estável e sim o reconhecimento da sociedade de fato existente entre a promovente e o saudoso E. S. M." (e-STJ fl. 141).

Sentença (e-STJ fls. 227/231): em consonância com o parecer do MP/PB (e-STJ fls. 223/225), o pedido foi julgado improcedente, porque estava ausente a prova da "contribuição do esforço comum para a aquisição de bens que pudessem constituir um patrimônio" (e-STJ fl. 231).

Acórdão (fls. 327/337): em contraposição ao Parecer do Ministério Público (e-STJ fls. 277/280), o TJ/PB conferiu provimento ao recurso de apelação interposto pela recorrida para, "nos termos do art. 1.727 do Código Civil brasileiro, (...) declarar a existência da Sociedade de Fato entre a apelante M. E. DE S. e o de cujus E. S. M.", ao entendimento de que é desnecessária, para tanto, "a comprovação do patrimônio adquirido pelo esforço comum, se no presente caso, não está almejando a dissolução judicial da sociedade de fato, mas apenas (...) a sua declaração" (e-STJ fl. 337).

Embargos de declaração: interpostos pela recorrente, foram rejeitados (e-STJ fls. 373/377).

Recurso especial (e-STJ fls. 411/437): interposto sob alegação de ofensa aos arts. 86, 91, 113, § 2º, 460, 535, do CPC, bem como, dissídio jurisprudencial.
Contrarrazões (e-STJ fls. 483/493): foram oferecidas pela recorrida.

Prévio juízo de admissibilidade recursal: às e-STJ fls. 518/520.
Parecer do Ministério Público Federal (e-STJ fls. 530/537): da lavra do i. Subprocurador-Geral da República Washington Bolívar Júnior, opinou-se pelo provimento parcial do recurso para que seja restabelecida a autoridade da sentença.

Decisão do i. Min. Relator (e-STJ fls. 539/543): o i. Ministro Massami Uyeda negou seguimento ao recurso especial, nos termos da seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO-OCORRÊNCIA, NA ESPÉCIE - ARTIGO 42 DA LEI DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DA PARAÍBA - NORMA NÃO INSERIDA NO CONCEITO DE LEI FEDERAL - INVIABILIDADE DA ABERTURA DESTA INSTÂNCIA ESPECIAL - APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA N. 280/STF - SOCIEDADE DE FATO - COMPROVAÇÃO DO ESFORÇO COMUM - AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO - INCIDÊNCIA ANÁLOGA DA SÚMULA N. 283/STF - RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

Ao agravo interposto pela recorrente (e-STJ fls. 546/554), o i. Min. Massami Uyeda negou provimento, ocasião em que pedi vista dos autos, para melhor examinar a matéria controvertida.

Reprisados os fatos, decido.

I. Da delimitação da lide.

Consiste a lide em definir se a comprovação do esforço comum na aquisição de eventual patrimônio a ser partilhado - ainda que a partilha seja postulada em lide diversa - constitui requisito para fins de reconhecimento de sociedade de fato.

II. Das preliminares de ausência de omissão contradição ou obscuridade no acórdão recorrido, de prequestionamento e do respeito às regras locais de distribuição de competência (violação dos arts. 86, 91, 113, § 2º, 460, 535, do CPC, e dissídio jurisprudencial a respeito da competência).

A recorrente alega que houve omissão, contradição e obscuridade no acórdão impugnado, que teria proferido decisão "ultra petita" e perpetrado "julgamento da demanda por juízo totalmente incompetente" (e-STJ fl. 419).

No que concerne à regra de distribuição de competência - utilizada no acórdão recorrido como único fundamento para definir como competente Juízo Cível vinculado ao Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba -, certo é que provém da Lei de Organização Judiciária daquele Estado da Federação. Descabe ao STJ imiscuir-se na interpretação da referida regra, por se tratar de lei local e, portanto, de legislação estadual. Nesse sentido, a Corte Especial já estabeleceu acerca da impossibilidade de se interpretar, no âmbito do STJ, lei local que se exaure na esfera de competência do Tribunal estadual a que está vinculada (AgRg no EREsp 542.077/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 1º.8.2006).

Por conseguinte, não houve apreciação das matérias jurídicas versadas nos arts. 86, 91, 113, § 2º, do CPC, sendo que nem por isso o acórdão impugnado padece de omissões, contradições ou obscuridades, porquanto contém análise e conclusão fundamentada concernente às alegações da recorrente. Decidir em desacordo com a tese defendida pela parte não consiste em violação do art. 535 do CPC.

O prequestionamento e a similitude fática - no que concerne à questão relativa à incompetência absoluta deduzida pela recorrente - não foram, portanto, comprovados.

Por fim, consigne-se, no que se refere ao alegado julgamento "ultra petita", sob alegação de ofensa ao art. 460 do CPC, que - diversamente do quanto depreendido pela recorrente -, em momento algum o acórdão impugnado conferiu contorno de união estável à relação mantida entre a recorrida e o falecido. Reconheceu isso sim - única e exclusivamente -, a existência de sociedade de fato entre ambos, matéria essa que centra o debate, pois ao mesmo tempo, o TJ/PB afastou a necessidade de comprovação do esforço comum para a formação de eventual patrimônio a ser partilhado.

III. Da prova da existência de patrimônio adquirido pelo esforço comum como pressuposto para o reconhecimento de sociedade de fato (dissídio jurisprudencial).

Em suas razões recursais, a recorrente sustenta que "só é possível o reconhecimento da sociedade de fato em sendo comprovada a colaboração das partes para a aquisição do patrimônio" ao passo que "o acórdão recorrido reconheceu a sociedade de fato, mencionando que essa prova não era necessária" (e-STJ fl. 430). Ainda, entende ser necessária a reforma do julgado, porque estava dissonante com a jurisprudência reproduzida em diversos precedentes, que afastam o reconhecimento de sociedade de fato quando não comprovado o esforço comum para a formação do patrimônio.

A similitude entre as hipóteses comparadas a respeito do tema é notória, do que passo à análise da matéria controvertida.

Sublinhe-se que a própria recorrida declara - em inúmeras oportunidades ao
longo do processo -, que não pretende, por meio do reconhecimento da aludida sociedade de fato, habilitar-se na partilha do patrimônio deixado pelo falecido. Contudo, faz alusão, em sede de contrarrazões ao recurso especial - por meio de raciocínio capaz de revelar pretensão velada -, à decisão de minha relatoria no sentido de "ser dispensável a comprovação de que a concubina houvesse contribuído financeiramente para o incremento patrimonial do parceiro" (e-STJ fl. 492), mencionando, ainda, a possibilidade da "contribuição indireta".
É oportuno, portanto, pinçar, do acórdão impugnado, as seguintes menções às assertivas da recorrida:

A insatisfação da promovente ora recorrente, Sra. M. E. de S., limita-se ao argumento de que a sentença merece reforma, pois os requisitos necessários para o reconhecimento de uma sociedade de fato e união estável (sic) presentes na relação havida entre a apelante e o Deputado E. M., eis que restou cristalino que a promovente contribuiu e muito com o acréscimo patrimonial e moral do parlamentar, sendo inegável sua contribuição para o aumento e manutenção de seu patrimônio material e pessoal. (e-STJ fl. 328 - com adaptações).
(...)
d) da Apelação (fls. 187/192): Inconformada com o julgado, foi interposto recurso apelatório, cujas razões, em suma, defendem que ficou demonstrado nos autos, que a recorrente concorreu efetivamente com o aumento do patrimônio do de cujus, bem como a existência de dependência econômica e afetiva tanto dos filhos do casal, quanto seu próprio (e-STJ fl. 333).

A realidade vívida e visceral de uma sociedade marcada pela existência de relações líquidas, fluidas, de fragilidade ímpar, impõe ao Juiz, uma rigorosa análise de cada lide que apresenta paralelismo afetivo, de acordo com as peculiaridades multifacetadas apresentadas no caso concreto, sem aplicar, jamais, raciocínios distanciados da dimensão específica alcançada pelas circunstâncias contextuais do processo.

Sob a égide específica da hipótese em julgamento, muito embora já tenha proferido voto - é certo, em situação fática em muito distinta da presente - no sentido de reconhecer a existência de sociedade de fato, tendo sido esse o único o pedido deduzido na inicial, sem deixar, obviamente, de asseverar a respeito da necessidade de comprovação do esforço comum na aquisição do patrimônio para eventual partilha de bens - o que, naquele processo, não se efetivou -, de modo a assegurar que os bens adquiridos em nome de apenas uma das partes permanecessem sob sua exclusiva propriedade (REsp 1.097.581/GO, DJe 9.12.2009), entendo que a sociedade de fato neste processo não deve ser reconhecida.

Para tanto, valho-me de trecho do parecer do Ministério Público do Estado da Paraíba, que definiu, com extrema percuciência, as circunstâncias fáticas do processo:
(...) na peça inaugural a promovente propõe uma declaratória de sociedade de fato, narra um concubinato e, por fim, requer o reconhecimento de uma união estável.
(...) impossível o reconhecimento de união estável por expressa vedação legal (homem casado).

Resta-nos a análise da existência ou não de sociedade de fato e de concubinato. Entendemos, inicialmente, que salta aos olhos dois fatos incontestes: o primeiro, a existência de prole, conforme documentos de fls. 10/15, a autora e o finado geraram dois filhos (C. Eu. de S. M. e C. Eg. De S. M.); o segundo, a vida conjugal ininterrupta entre o finado e a promovida, sendo farta a documentação nesse sentido, como demonstram as notícias jornalísticas da morte do ex-deputado (fls. 89/94), inclusive, mencionando que este encontrava-se em casa apenas em companhia da esposa; as declarações médicas (fls. 82; 84 e 85) de que o finado sempre esteve com a promovida durante todo tratamento médico e cirúrgico; as testemunhas (fls. 152/159), inclusive da promovente, demonstram que o finado nunca deixou o lar ou a esposa.

Prosseguindo, para configuração da sociedade de fato mister se faz a comprovação da existência de patrimônio, bem como o esforço comum para a formação deste. Entretanto, a promovente não faz prova nem de um nem de outro. Ora, sequer informa na inicial que bem ou bens foram adquiridos sob a égide do esforço de ambos; as próprias testemunhas da promovente não têm conhecimento se esta chegou a construir patrimônio juntamente com o finado; as testemunhas de ambos informam que o finado era que ajudava, financeiramente, os filhos comuns.
Apesar de não sabermos precisar valores, é evidente a diferença salarial entre um deputado e uma taquigrafa (sic), não podendo esta, apesar de sequer existir isso na exordial, pensar que ajudou na construção de todo o patrimônio daquele. Assim, entendemos que cabia à promovente não só informar aquilo que foi adquirido em conjunto, bem como comprovar o esforço comum. Ainda, as próprias testemunhas da promovente não têm conhecimento da existência de patrimônio comum.

Por fim, entendemos que também não restou configurado o concubinato. O fato, por si só, da existência de filhos não autoriza a afirmar a existência daquele. As testemunhas, inclusive da promovente, informam da inexistência de relacionamento entre a promovente e o ex-deputado por ocasião do falecimento deste. Ademais, restou demonstrado que o finado não deixou o lar conjugal; a promovente não conseguiu provar que viveram sob o mesmo teto; bem como, publicamente, o finado estava com a promovida.

Dessa forma, pelo menos é a verdade que restou nos autos, entendemos pela inexistência, seja de sociedade de fato ou de concubinato, e sim de um caso extraconjugal. (e-STJ fls. 224/225).

Ressalte-se, desde já, que não se está a reexaminar a prova dos autos, porque a descrição acima reproduzida segue exatamente a linha dos fatos assim como tecida no acórdão recorrido, senão vejamos:

In casu, toda a prova colacionada pela apelada demonstra que o de cujus não abandonou o seu leito matrimonial (fls. 71/105), inclusive, faleceu na residência em que habitava com sua esposa M. E. de C. M. (fl. 71). (e-STJ fl. 331 - com adaptações).

(...) e o que interessa no presente caso, o conceito de sociedade de fato envolve a convivência entre homem e mulher, sem a chancela do casamento, quando um dos concubinos não deixou o leito nupcial. (e-STJ fl. 334).
(...) Agora, é possível dizer que o novo sistema do direito se assenta em três institutos: um, preferencial e longamente tratado, o casamento; outro, reconhecido e sinteticamente previsto, a união estável; e um terceiro, residual aberto para as apreciações caso a caso, o concubinato (que é o que está sendo tratado no caso em evidência). (e-STJ fl. 335).

(...) a comprovação de contribuição (financeira, ou com o seu trabalho) para a constituição de algum patrimônio (...) só deveria ser considerada, se acaso a apelante estivesse almejando qualquer divisão de patrimônio (pelo menos nestes autos). Mas aqui, busca-se a mera DECLARAÇÃO de Sociedade de fato.

Nenhuma discussão está sendo feita sobre o patrimônio; consequentemente, não tem que se provar se a apelante contribuiu ou não com o incremento financeiro e patrimonial do apelado, afastando-se de imediato a aplicação da Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal (...). (e-STJ fl. 336).

Da análise dos autos, restou claramente comprovado o relacionamento amoroso existente entre a apelante e o falecido E. S. M.

Na espécie, não se põe em dúvida o convívio das partes, como se fossem marido e mulher, por vários anos. Dessa união, inclusive, nasceram dois filhos (certidões de fls. 10 e 14).

As fotos (fls. 17/28), "cartas e bilhetes de amor" (fls. 29/40), certidões do registro de nascimento dos dois filhos (fls. 10 e 14), somadas à prova testemunhal (fls. 152/159), deixam clara a convivência duradoura daqueles como concubinos (concubinato impuro). (e-STJ fl. 337).

Como se vê, os elementos fáticos contidos no acórdão impugnado e no parecer do MP/PB são idênticos; apenas a interpretação e as conclusões são diversas. Isso permite que, partindo dos fatos assim como descritos no acórdão recorrido, que são, portanto, imutáveis nesta sede especial de recurso, seja alcançada a solução que melhor se amolde às particularidades da lide.

O que se tem perfeitamente delineado é que, muito embora a recorrida tenha mantido relacionamento concubinário com E. S. M., não fez prova alguma da existência de bens eventualmente amealhados ao longo do concubinato. Desse encadeamento lógico decorre ser inconteste que, inexistente comprovação de patrimônio comum, evidentemente inviável se mostra a comprovação de união de esforços ou colaboração mútua para aquisição de bens cuja existência é ignorada.
Por isso mesmo e diversamente da conclusão contida no acórdão impugnado - de que é prescindível a comprovação do esforço comum para a aquisição de patrimônio para fins de reconhecimento de sociedade de fato quando não se busca a partilha de bens -, é de rigor a aplicação, na hipótese, do entendimento consagrado na jurisprudência do STJ: de que a inexistência da prova de patrimônio adquirido pelo esforço comum é circunstância suficiente para afastar a configuração de sociedade de fato, porque é pressuposto para seu reconhecimento.

Nessa linha, entre muitos, os seguintes precedentes: AgRg no Ag 949/MG, Rel. Min. Fontes de Alencar, DJ 18.12.1989; REsp 1.648/RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 16.4.1990; REsp 45.886/SP, Rel. Min. Antônio Torreão Braz, DJ 26.9.1994; REsp 64.863/SP, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 13.4.1998; REsp 147.098/DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 7.8.2000; REsp 214.819/RS, Rel. p/ ac. Min. Ari Pargendler, DJ 19.5.2003; REsp 486.027/SP, Rel. Min. Castro Filho, DJ 9.12.2003; REsp 275.839/SP, de minha relatoria p/ ac., DJ 23.10.2008.

Sob idênticas premissas, destaco, por fim, do parecer da lavra do i. Subprocurador-Geral da República Washington Bolívar Júnior, o entendimento de que "para que haja o reconhecimento de sociedade de fato entre concubinos, é necessária a comprovação da contribuição financeira ou do seu trabalho para a formação do patrimônio comum" (e-STJ fl. 535).

Assim, a simples convivência sob a roupagem de concubinato não confere direito ao reconhecimento de sociedade de fato, que somente emerge diante da efetiva comprovação de esforço mútuo despendido pelos concubinos para a formação de patrimônio comum. Isso porque a existência de sociedade de fato pressupõe, necessariamente, a aquisição de bens ao longo do relacionamento, para que se possa ter por caracterizado o patrimônio comum.

A pertinência dessa construção jurisprudencial deve ser firmemente estabelecida, com vistas a salvaguardar as partes da malícia e da má-fé, por meio da utilização de premissas falaciosa de argumentos que possam inverter o sentido e a intenção das criações do Direito, as quais seguem sempre no rastro da realidade social e da preservação dos direitos inerentes à promoção do bem-estar do ser humano.

Acrescente-se, apenas em raciocínio complementar, que, de um homem na posição em que E. S. M. ostentava no cenário social e econômico, espera-se sagacidade e plena consciência de seus atos, de modo que, acaso pretendesse extrair efeitos jurídicos, notadamente de cunho patrimonial, em relação à sua então concubina, promoveria em vida atos que demonstrassem sua intenção de com ela permanecer, na posse do estado de casados, afastando-se, dessa forma, do lar conjugal. Se não o fez, não o fará, em seu lugar, o Poder Judiciário, contra a vontade do próprio falecido.

Forte nessas razões, peço vênia ao i. Ministro Relator, para divergir do quanto
decidido e, por conseguinte, CONHECER do agravo para DAR PROVIMENTO ao recurso especial, reestabelecendo a sentença.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI:

1.- Meu voto acompanha a divergência instaurada pelo voto da E. Min. NANCY ANDRIGHI, em que pesem os fundamentos constantes do voto do E. Rel., Min. MASSAMI UYEDA, elaborado com cuidadoso exame do caso, como do feitio de S. Exa.

2.- É fora de dúvida que a recorrida, autora da ação declaratória de sociedade de fato, manteve relacionamento de afeto e intimidade com o marido da recorrente, durante cerca de trinta anos, relacionamento esse nutrido de notoriedade e respeito por todos os envolvidos, tanto que veio a produzir dois filhos, devidamente reconhecidos pelo genitor.

Mas desse relacionamento não resultava situação de união estável, pois esta somente se pode caracterizar em situações em que poderia haver casamento (CC/2002, art. 1723, par. 1º) e, no caso, casamento não poderia ocorrer, pois o convivente era casado, não separado da mulher; e, também, não resultava sociedade de fato, pois, para que desta se possa cogitar, é necessária a aquisição de patrimônio por um dos conviventes com o auxílio do outro, o que, no caso, não ocorreu, tanto que não se indicaram bens em cujo acréscimo se identificasse destinação de suporte patrimonial pela ora recorrida.

Ocorreu, de fato, concubinato, notório e respeitado, é certo, como de início se assinalou. Mas não gerador das conseqüências jurídicas de união estável ou de sociedade de fato.

As relações jurídicas formadas pelos conviventes consolidaram-se na seriedade do reconhecimento dos filhos, não havendo, contudo, como extrair o reclamado direito a sociedade de fato pela ora recorrida.

3.- Não vi os obstáculos de conhecimento do Recurso, que foram fundamento do voto do E. Relator.

A inicial pretende, realmente, apenas a declaração da sociedade de fato, não reclamando condenação a pagamento patrimonial. Não importa. A verdade é que o próprio instituto da sociedade de fato pressupõe, necessariamente, o acréscimo patrimonial, de maneira que, quando se aciona pedindo reconhecimento de sociedade de fato, tem-se que provar esse acréscimo, pena de insucesso no pleito.

Além do mais, embora na ação houvesse sido pedida apenas a declaração, evidente que essa declaração de sociedade de fato traria em seu bojo o reconhecimento de acréscimo patrimonial, essencial ao instituto, de maneira que a pretensão condenatória estaria autorizada a vir depois, donde a procedência, agora, de pedido meramente declaratório que pressupõe a existência de patrimônio acrescido, vir a tão-somente significar autorização a futura pretensão condenatória.

4.- Nas questões preliminares, meu voto acompanha os votos anteriores, concordes nelas.

5.- Pelo exposto, acompanhando, data vênia, a divergência, meu voto dá provimento ao Recurso Especial, restabelecendo a sentença.

VOTO

O SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS): Sr. Presidente, pelos dados trazidos agora pelo eminente Ministro Sidnei Beneti, essa questão se situa mais ou menos na mesma linha de outra, que temos julgado, em que há um casamento, embora, de fato, o marido possa estar, digamos, em concubinato com outra pessoa.

Nessa linha, acompanho o eminente Ministro Sidnei Beneti, dando provimento ao recurso especial e restabelecendo a sentença.

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