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12 de Agosto de 2011

Juiz de Hortolândia (SP) autoriza casamento homossexual direto

PODER JUDICIÁRIO

COMARCA DE SUMARÉ

FÓRUM DISTRITAL DE HORTOLÂNDIA


"Vistos.

KATIA DE ALBUQUERQUE e EDNEIA RODRIGUES DE SOUZA, ambos do sexo feminino, demais qualificações nos autos, protocolaram pedido de habilitação para casamento.

Instruíram o pedido com declaração de duas testemunhas no sentido de que as requerentes não são parentes entre si, bem como não possuem qualquer impedimento previsto no Código Civil.

Foi publicado edital de proclamas e cumpridas todas as formalidades legais para habilitação a casamento, não havendo impugnações.

O Ministério Público ofertou parecer favorável ao pedido.

É o relatório.
Fundamento e decido.


O maior e mais repetido princípio da Constituição da República Federativa do Brasil é o da igualdade.

A mesma constituição elegeu a "dignidade da pessoa humana" como um de seus "fundamentos" (art. 1º, inciso III), e declarou que o Brasil tem como "objetivos fundamentais" a construção de "uma sociedade livre, justa e solidária", bem como "promover o bem de todos, SEM PRECONCEITOS de origem, raça, SEXO, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3º, incisos I e IV).

Também determina a constituição Federal que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" e que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição" (art. 5º , inciso I).

Mais à frente, no Título "Da Ordem Social", a Lei Maior afirma que "a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado" (art. 226, caput).

Sobre o casamento, a Constituição Federal dispõe que o ato "é civil e gratuita a celebração" (art. 226. § 1º), acrescentando que "o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei" (art. 226. § 1º), e que o casamento "pode ser dissolvido pelo divórcio" (art. 226. § 6º, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 66, de 13/07/2010).

A Constituição Ferderal também declara que "para efeito da aprovação do Estado, é reconhecida a união estável (...) como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento", e que "entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes" (art. 226. §§ 3º e 4º).

Em harmonia com o princípio da igualdade, nossa Lei Maior enfatiza que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher"(art. 226. § 5º).

Aqui, cabe consignar que a lei não declara que casamento existe apenas entre homem e mulher, até porque "sociedade conjugal" não é "casamento", sendo certo que a primeira sempre pôde ser dissolvida pela "separação" (de fato, judicial e mais recentemente também extrajudicial), e o segundo somente é dissolvido pelo "divórcio".

Contudo, aparentemente rompendo todo esse contexto de ênfase no princípio da igualdade, a Constituição da República Federariva do Brasil, ao mencionar a união estável em seu art. 226. § 3º, assim se pronunciou: "é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar" (art. 226. §§ 3º).

Mais de duas décadas passadas desde 05/10/1988, quando foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, e já se ingressando na segunda década do Século XXI, é público e notório que milhares de pessoas do mesmo sexo (homens e mulheres; mulheres e mulheres), compartilham a vida juntos como se casados fossem.

A ausência de respaldo jurídico a tal realidade social causou inúmeros prejuízos e injustiças, desde o não reconhecimento do direito à sucessão, passando pela ausência da presunção legal de esforço comum no patrimônio constituído, até a ausência de direitos sociais, como a pensão previdenciária por morte.

Nesse contexto, tramitava perante o Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 178 (conhecida como Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI nº 4277), ajuizada pela Procuradoria - Geral da República, objetivando a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pedia-se também, que os mesmos direitos e devres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do msmo sexo.

Também estava em trâmite a ADPF nº. 132, onde o Estado do Rio de Janeiro alegava que o não reconhecimento da união homoafetiva, contrariava preceitos fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da Constituição Federal, e pediu que o STF aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro.

Foi nesse contexto que no dia 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de tais ações tendo como relator o Exmo. Ministro Ayres Britto, reconheceu a união estável, para casais do mesmo sexo, dando interpretação conforme a Constituição Federal, para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Cógigo Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

Na ocasião, o Exmo. Ministro Ayres Britto foi seguido pelos Exmos. Ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandodowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como Exmas. Ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie - decorrendo votação unânime dos presentes.

Tal julgamento, nos termos do art. 102, § 2º, da Constituição Federal, possui "eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal".

No caso concreto, aplica-se a conhecida fórmula jurídica romana, segundo a qual "onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito" (ubi eadem ratio, ibi eadem jus).

Desta forma, os fundamentos de tal julgamento, ainda que sem o dito efeito vinculante, certamente são aplicáveis ao instituto de direito civil denominado casamento, inclusive ao mencionado art. 226 § 5º, da Constituição Federal - o que apenas não foi declarado no mencionado precedente histórico do STF, provavelmente porque não era objeto dos pedidos das ações em análise.

Os prováveis entraves a tal entendimento podem advir de discriminação e/ou de convicções religiosas.

Mas o Estado Brasileiro, do qual o Judiciário é um dos Poderes, repudia constitucionalmente a discriminação e é laico, ou seja, não vinculado a qualquer religião ou organização religiosa.

É bom e necessário que assim seja, pois alguns dogmas ou orientações religiosas muitas vezes se chocam com princípios e garantias da Constituição da República Federativa do Brasil.

É de se ter em mente que o fenômeno pelo qual um homem ou uma mulher se sente atraído (a) por pessoa do mesmo sexo, a ponto às vezes de repudiar contato íntimo com pessoa do sexo oposto, não se mostra como uma opção.

A atração por pessoas do mesmo sexo, do ponto de vista psíquico excluídos os preconceitos e razões de ordem religiosa, é tão natural quanto a atração por pessoas do mesmo sexo.

Outrossim, não se sustenta a tese (religiosa) de que o casamento tem por escopo a formação de prole - o que, na união homoafetiva, não seria possível.

Ora, o motivo maior de uma união humana é o Amor, este que é paradoxalmente pregado pela maioria das religiões, principalmente as cristãs, como o valor e a virtude máxima e fundamental.

Não bastasse, a sociedade moderna convive pacificamente com um sem numero de casamentos heteroafetivos onde, por livre escolha, decide-se pela mão procriação de filhos. Ainda, outro sem numero de casamentos heteroafetivos ond eum ou ambos os nubentes, por questões físicas, psíquicas ou biológicas, estão impossibilitados de ter filhos.

Por outro enfoque, muitos se preocupam com o potencial envolvido de crianças ou adolescentes na entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo. Mas se esquecem que a falta de planejamento familiar, da qual decorre a geração de crianças sem condições mínimas de sustento e educação, bem como atos abomináveis, como, por exemplo, a remessa de recém nascidosem latas de lixo ou o assassinato dos próprios filhos, são diariamente protagonizados por "casais" heterossexuais.

A origem da lei contra a Violência doméstica não tem raiz nas relações homoafetivas, mas sim, nas uniões entre homens e mulheres.

O Brasil, entre outras conhecidas mazelas, é palco da falência da segurança pública, das fronteiras sem controle, da disseminação descontrolada das drogas, da endêmica corrupção, e possui a maior carga tributária, a pior distribuição dos tributos arrecadados e o trânsito que mais mata do planeta Terra.

Assim, pode-se afirmar que no Brasil há situações de fato e de direito muito mais graves para se preocupar, que com a vida de dois seres desejosos de paz e felicidade ao seu modo, sem infringir direitos de ninguém.

Não é demasiado recordar que em 17 de junho de 2011, o Conselho de Diretos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução histórica destinada a promover a igualdade dos seres humanos, sem distinção de orientação sexual. A resolução, que teve aprovação do Brasil, embora sem ações afirmativas, dispõe que "todos os seres humanos nascem livres e iguais no que diz respeito a sua dignidade e casa um pode se benefíciar do conjunto de direitos e liberdades sem nenhuma distinção."

Postas estas considerações, entendo que não há qualquer limitação de cunho jurídico a impedir o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo.

Nesse sentido, conquanto no caso em tela as nubentes não tenham formulado prévia escritura de união estável, entendo não igualmente impedimento que o casamento dê-se de forma direta.

Com efeito, repita-se, há de se aplicar a fórmula jurídica romana, segundo a qual "onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito" (ubi eadem ratio, ibi eadem jus).

Em um Estado criticado por sua burocracia e imposição de barreiras na realização dos direitos subjetivos, condicionar a realização do casamento ao prévio pacto de escritura pública de união estável é no mínimo anacrônico e contrário aos princípios da administração pública, em especial, à eficiência.

Por todo o exposto, HOMOLOGO a disposição de vontades declarada pelos requerentes de presente procedimento, para AUTORIZAR o CASAMENTO, pelo regime escolhido da comunhão parcial de bens.

Expeça-se certidão de habilitação.
P.R.I. Ciência ao Ministério Público.

Hortolândia/SP, 20 de julho de 2011.

LUIS MARIO MORI DOMINGUES
Juiz de Direito

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