Notícias

26 de Agosto de 2011

Justiça de Franco da Rocha (SP) autoriza conversão de união estável entre mulheres em casamento

Ministério Público do Estado de São Paulo

Meritíssimo Juiz,

Cuida-se de pedido de conversão de união estável em casamento feito por Luciana Serrano e Paula Araújo Braga, assegurando as requerentes que vivem em união pública, duradoura e contínua, (fls. 14/15) e que após decisão do Supremo Tribunal Federal, em ação direta de inconstitucionalidade, reconhecendo com efeito vinculante a união homoafetiva como união estável possível se torna a conversão em casamento. É o que se pede nesta oportunidade, seguindo o pedido como de habilitação de casamento.

Acostaram ao pedido suas certidões de nascimento, atestado de testemunhas confirmando que conhecem as pretendentes e que não haveria óbice a conversão da união em casamento no tocante a existência de impedimentos (fls. 06).

Seguiu-se com a publicação de edital com os proclamas, findo o prazo não tendo surgido nenhum impedimento ao casamento (fls. 08).

Vieram-me os autos.

Passo a me manifestar.

A Constituição Federal ao tratar das normas de proteção a família estabeleceu três espécies de entidade familiar. Aquela decorrente do casamento, a família monoparental (constituída por qualquer dos pais e seus descentes) e a decorrente da união estável.

Também a Constituição Federal no artigo 226 § 3º cuidou de estabelecer o conceito de união estável, entendendo-o como "...a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". (grifei).

É certo que o "novo Código Civil", vigente em 2002, ao definir o conceito de união estável (art. 1723) cuidou de simplesmente repetir o quanto já havia na Constituição Federal, expressamente constando ser "...reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". E seguindo-se que "A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil" (art. 1726 CC).

Pois bem. Foi justamente o artigo 1723 do Código Civil, que repete o quanto já estava na Constituição Federal em relação aos requisitos da união estável quanto ao sexo, que foi alvo de ação direta de inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal. Para tanto aduzindo-se que o não reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo também violaria os princípios da isonomia, dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade previstos no art. 5º da Constituição da República.

Observo, contudo, que ao decidir esta questão em Ação Direta de Inconstitucionalidade (norma do Código Civil em face do art. 5º da Constituição Federal) ainda que implicitamente ao Supremo Tribunal Federal acabou por compatibilizar a aparente contradição que haveria entre os artigos 5º e art. 226, ambos da Constituição Federal, no que se refere a dignidade da pessoa humana e o impedimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Ao que tudo indica esta uma das razões pela qual em seu voto o Ministro Ricardo Lewandowski entendeu como exemplificativo o rol previsto na Constituição Federal, para conceito de família - família monoparental, família decorrente do casamento e decorrente da união estável - entendendo como quarta modalidade de família a "união homoafetiva estável" e estabelecendo que deveria ter os mesmos direitos da união estável, no que fosse compatível.

Nesse sentido

"...Não há como enquadrar a união entre pessoas do mesmo sexo em nenhuma dessas espécies de família, que naquela constituída pelo casamento, quer na união estável, estabelecida a partir da relação entre um homem e uma mulher, quer, ainda, na monoparental. Esta, relembra, como decorre de expressa disposição constitucional, corresponde à que é formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

"Para demonstrar que as relações homoafetivas constituem verdadeiras entidades familiares, temos como ponto de partida o rol descrito no artigo 226 da Constituição Federal, que, em nossa opinião, não é numerus clausus, e sim um rol exemplificativo, dada a natureza aberta das normas constitucionais. Para tanto, é essencial que se considere a evolução da família a partir de seus aspectos civis e constitucionais, buscando nos fenômenos da publicização e constitucionalização do Direito de Família, e, também, na repersonalização das relações familiares, os elementos para a afirmação das relações homoafetivas. A partir disso, encontramos um vasto campo para uma análise mais aprofundada da proteção legal das relações homoafetivas, assim como dos direitos que delas emanam, segundo o ordenamento jurídico vigente". Tal é, também, o abolizado entendimento de Paulo Luiz Netto Lobo, para quem "A regra do § 4º do art. 226 integra-se à cláusula geral de inclusão, sendo esse o sentido do termo `também´ nela contido. `Também´ tem o significado de igualmente, da mesma forma, outrossim da inclusão de fato sem exclusão de outros. Se dois forem os sentido possíveis (inclusão ou exclusão), deve ser prestigiado o que melhor responda à realização da dignidade da pessoa humana, sem desconsideração das entidades familiares reais no explicitadas no texto. Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art. 226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductibilidade e adaptabilidade. Não há, ademais, penso eu, como escapar da evidência de que a união homossexual, em nossos dias, é uma realidade de elementar constatação empírica, a qual está a exigir o devido enquadramento jurídico, visto que dela resultam direitos e obrigações que não podem colocar-se à margem da proteção do Estado, ainda que não haja norma específica a assegurá-los. Assim muito embora o texto constitucional tenha sido taxativo ao dispor que a união estável é aquela formada por pessoas de sexos diversos, tal ressalva não significa que a união homoafetiva pública, continuada e duradoura não possa ser identificada como entidade familiar apta a merecer proteção estatal, diante do rol meramente exemplificativo do art. 226, quando mais não seja em homenagem aos valores e princípios basilares do texto constitucional. O que se pretende, ao empregar-se o instrumento metodológico da integração, não é, à evidência, substituir a vontade do constituinte por outra arbitrariamente escolhida, mas apenas, tendo em conta a existência de um vácuo normativo, procurar reger uma realidade social superveniente a essa vontade, ainda que de forma provisória, ou seja, até que o Parlamento lhe dê o adequado tratamento legislativo. Cuida-se, em outras palavras, de retirar tais relações, que ocorrem no plano fático, da clandestinidade jurídica em que se encontram, reconhecendo-lhes a existência no plano legal, mediante seu enquadramento no conceito abrangente de entidade familiar. Dito de outro modo, não é dado ao intérprete constitucional, a pretexto de ausência de previsão normativa, deixar de dar solução aos problemas que emergem da realidade fenomênica, sob pena, inclusive, em nosso caso, de negar vigência ao disposto no art. 5º XXXV, da Lei Maior. Convém esclarecer que não se dá, aqui, a reconhecer uma "união estável homoafetiva", por interpretação extensiva do § 3º do art. 226, mas uma "união homoafetiva estável", mediante um processo de integração analógica. Quer dizer, desvela-se, por esse método, outra espécie de entidade familiar, que se coloca ao lado daquelas formadas pelo casamento, pela união estável entre um homem e uma mulher e por qualquer dos pais e seus descendentes, explicitadas no texto constitucional. Cuida-se, enfim, a meu juízo, de uma entidade familiar que, embora não esteja expressamente prevista na precisa ter sua existência reconhecida pelo Direito, tendo em conta a existência de uma lacuna legal que impede que o Estado, exercendo o indeclinável papel de protetor aos grupos minoritários, coloque sob seu amparo as relações afetivas públicas e duradouras que se formam entre pessoas do mesmo sexo. Em suma, reconhecida a união homoafetiva como entidade familiar aplicam-se a ela as regras do instituto que lhe é mais próximo, qual seja, a união estável heterossexual, mas apenas nos aspectos em que são assemelhados, descartando-se aqueles que são próprios da relação entre pessoas de sexo distinto, segundo a refusta máxima nbi eadem ratio ibi idem jus, que fundamenta o emprego da analogia no âmbito jurídico. Isso posto, pelo meu voto, julgo procedente as presentes ações diretas de inconstitucionalidade para eu sejam aplicadas às uniões homoafetivas, caracterizadas como entidades familiares, as prescrições legais relativas às uniões estáveis heterossexuais, excluídas aquelas que exijam a diversidade de sexo para o seu exercício, até que sobrevenham disposições normativas específicas que regulem tais relações".


Em que pese em seu voto não tenha elencado quais as prescrições legais relativas a união estável que seriam compatíveis com a união homoafetiva estável - ao que tudo indica compatíveis todos os direitos relativos à meação de bens adquiridos posteriormente a união, aos alimentos entre companheiros (as), a sucessão, direitos sobre eventual filho a ser adotado e muito provavelmente; não compatível a conversão em casamento - não vem ao caso mais neste momentos, na medida em que em decisão final o Supremo Tribunal Federal proferiu com efeito "vinculante e erga omnes" decisão no sentido de que constitui união estável a união homoafetiva. E sendo considerada união estável possível será a conversão em casamento.

Dessa forma, muito embora fosse muito mais salutar que o próprio Congresso Nacional atentasse a realidade e as garantias existentes atualmente em nosso país e, através de emenda constitucional já alterasse o teor do art. 226 da Constituição Federal e permitisse de maneira expressa a união estável e o casamento entre pessoas do mesmos sexo, diante do teor da decisão do STF que já reconhece a união estável homoafetiva não me opondo ao pedido de habilitação e conversão da mesma em casamento, feito pelas requerentes.

Nesse sentido observo que segundo o Código Civil a união estável poderá converter-se em casamento "mediante pedido dos companheiros ao juiz e assente no registro civil". Diante disso tem-se como única diferença doravante que para pessoas do mesmo sexo se casarem, ao invés de uma simples habilitação de casamento também deverão juntar escritura pública ou decisão judicial que reconheça a união estável entre os companheiros ou companheiras.

Ante todo o exposto, manifesto-me favoravelmente ao pedido de conversão da união estável em casamento.

Este o parecer.

Franco da Rocha, 11 de agosto de 2011.

Ana Paula Ferrari Ambra
Promotora de Justiça


Poder Judiciário
São Paulo
2ª Vara Cível da Comarca de Franco da Rocha

Vistos.

LUCIANA SERRANO e PAULA ARAÚJO BRAGA, ambas do sexo feminino, qualificadas nos autos, ingressaram com o presente pedido de conversão de união estável em casamento.

Cumpridas as formalidades legais e juntada a escritura de declaração de união estável, o pedido foi submetido ao M. Público, que apresentou parecer favorável.

É o sucinto relatório.

Decido.

O presente pedido, em que pese a especificidade do caso, por se tratar de pedido de habilitação formulado por pessoas do mesmo sexo, veio embasado no artigo 226, parágrafo 3º, parte final, da C. Federal, que dispõe, em suma, que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, reconhecendo a união estável como entidade familiar.

Veio amparando, igualmente, no disposto no artigo 1726 do C. Civil, segundo o qual a união estável poderá ser convertida em casamento, desde que haja pedido formulado ao juiz e que do ato seja lavrado o respectivo assento.

Ocorre, todavia, que o presente caso apresenta característica diversa, razão pela qual o pedido foi encaminhado ao M. Público e submetido à análise deste Corregedor.

Trata-se de se saber se é possível o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

E neste aspecto, levando-se em conta a realidade hoje existente, à qual não se pode ignorar e tendo em conta a recente decisão proferida pelo E. Supremo Tribunal Federal, conclui-se ser possível a conversão pretendida no presente pedido.

A partir da decisão referida, na qual foi reconhecida a união estável para casais do mesmo sexo, por meio de interpretação conforme a C. Federal, afastou-se qualquer interpretação do artigo 1723 do C. Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

E mostrou-se de fato acertada a decisão, já que no Brasil e no mundo diversas pessoas vivem em união estável com outras do mesmo sexo, sendo certo que o casamento civil garante mais direitos que a união estável. Por conseguinte, tendo em vista os princípios da igualdade, da dignidade humana e da proibição de discriminação, não há justificativa legítima a sustentar a proibição.

Mormente no caso do Brasil, ante a laicidade estatal e por estarmos tratando de casamento civil e não religioso.

Não se sustenta, outrossim, o argumento da impossibilidade de procriação, pois, do contrário, não se poderia cogitar de casamento de heterossexuais estéreis.

Ademais, a redação dos artigos 1514 e 1535 do C. Civil, por se referir ao homem e à mulher e à marido e mulher, respectivamente, não pode servis de empecilho ao casamento civil homoafetivo, já que tratou da regulamentação do casamento heteroafetivo, sem, contudo, dispor qualquer proibição ao casamento ora pretendido, permitindo, portanto, a aplicação da analogia e da interpretação extensiva decorrente dos princípios constitucionais já citados, que se encontram no topo da hierarquia das normas.

Saliente-se, por oportuno, que a Lei Maria da Penha, em seu artigo 5º, inciso II, parágrafo único, traçou novos contornos ao conceito de família, tendo estabelecido compreender a família como unidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa, cujas relações pessoais independem de orientação sexual.

Por fim, o que se augura, em verdade, e é o que mais importa nesta questão, para que a sociedade evolua de forma pacífica, equilibrada e harmoniosa, é que estejam presentes nas famílias, qualquer que seja sua formação, o amor familiar, o respeito, o entendimento, a compreensão, a orientação e a tolerância, sentimentos e virtudes imprescindíveis para o sadio desenvolvimento de seus integrantes.

Ante o exposto e considerando o mais que dos autos consta, homologo o pedido formulado pelos pretendentes e o faço para converter em casamento, pelo regime de bens eleito, a união estável dos requerentes, que passarão assinar os nomes de PAULA ARAÚJO BRAGA SERRANO E LUCIANA SERRANO.

Lavre-se o registro de casamento e providencie-se as necessárias averbações.

P.R.I.

Franco da Rocha, 19 de agosto de 2011.

Fernando Dominguez Guiguet Leal
Juiz de Direito

Assine nossa newsletter