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20 de Setembro de 2011

Juiz de Limeira autoriza conversão de união estável homoafetiva em casamento

Ministério Público do Estado de São Paulo

Trata-se de pedido formulado por Maria Rita Gurgel Pinto Lemos e Fulvia Lucia Martotti, visando abertura de processo de habilitação para conversão de união estável em casamento.

O pedido encontra-se instruído com declaração de união homoafetiva (fls. 13).

Eis a síntese do necessário.

Passamos a opinar.

Primeiramente, urge consignar que o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ação direta de inconstitucionalidade 4277, movida pela Procuradoria-Geral da República, visando ser conferida interpretação conforme a Constituição, ao artigo 1723, do Código Civil, de forma a contemplar, no conceito de entidade familiar, a união estável entre pessoas do mesmo sexo, desde que exigidos os requisitos para a constituição da união estável entre homem e mulher.

Como se pode facilmente constatar, a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto confere ao casal homoafetivo os mesmos direitos de uma união estável, na dissolução em vida ou por morte.

Entretanto, a decisão da Egrégia Corte não outorga, em razão da união homoafetiva, o direito de contrair casamento civil.

Com efeito, o casamento civil constitui entidade diversa da união estável, regendo-se por normas jurídicas próprias (vide CF, artigo 226, caput e parágrafo 5; Código civil, art. 1517). Essas normas são de ordem pública e de observação cogente. E tais regras não autorizam o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

Atentando-se ao pedido formulado na Ação Direta, que foi julgado procedente, nota-se que a Corte Suprema deu interpretação conforme a constituição ao artigo 1723, do Código Civil, que disciplina a união estável; não constitui pedido daquela ação fosse conferida interpretação conforme a constituição aos dispositivos que regem o instituto do casamento, acima destacados.

Como consequência do exposto, entendemos data máxima, que ressalva a hipótese de alteração legislativa ou de futura decisão do Supremo Tribunal Federal com efeito vinculante, dando interpretação conforme a Constituição Federal às normas que regem o casamento, não se encontra autorizado no Brasil, no presente momento, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, seja por celebração, seja por conversão de união estável.

A especialista Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Comissão de Direito de Família do Instituto dos Advogados de São Paulo, explica que a decisão do STF sobre o assunto confere ao casal gay os mesmo direitos de uma união estável, na dissolução em vida ou por morte. "Essa decisão não confere numa união homoafetiva o direito de contrair casamento civil. São entidades familiares, tanto a união estável como o casamento, na conformidade da Constituição Federal, artigo 226, mas cada uma dessas relações têm sua própria natureza, sendo a primeira constituída no plano dos fatos e a segunda por meio de proclamas e registro no Cartório de Registro Civil".

No que se refere aos direitos oriundos da união estável, são os mesmos do casamento na dissolução em vida da relação, havendo algumas diferenças na dissolução por morte o que se aplica igualmente à união estável heteroafetiva e à união estável homoafetiva. Dessa forma, com a devida vênia, não podemos concordar com a decisão proferida, pois, para haver casamento civil homoafetivo, em nosso entendimento, dependemos de lei, como em outros países já ocorreu", ressalta¹.

Da mesma forma, é imperioso registrar o entendimento consolidado na perante a Vara da Família da Comarca de São Caetano do Sul, nos autos de habilitação n.485/11, onde foi negado o pedido de conversão de união estável em casamento junto ao Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da Comarca de São Caetano do Sul, rogando vênia para transcrever parte da decisão, nos seguintes termos: "Em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal aplicou os princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana e declarou que a leitura do artigo 1.723 do Código Civil, de acordo com a Constituição Federal, abarca as uniões homoafetivas ao lado das heteroafetiva. Contudo, em nenhum momento o Supremo Tribunal Federal decidiu pela possibilidade de conversão da união estável em casamento ou de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Observo que do ponto de vista jurídico, a união estável não se confunde com o casamento, os quais possuem requisitos e consequências distintas, não havendo que se falar em equiparação dos institutos, tampouco extensão ao casamento da decisão da Suprema Corte sobre união estável. A decisão do Supremo Tribunal Federal reconheceu que as uniões homoafetivas devem ser consideradas como entidades familiares, com proteção do Estado em todos os seus aspectos, porém, sem possibilidade de conversão em casamento, já que este possui aspectos próprios. Anote-se, ainda, que tanto a união estável (hetero ou homoafetiva), com o casamento constituem modalidades de entidade familiar, não hierarquizadas, mas diferentes. A própria Constituição Federal optou por manter o casamento como ato solene, privilegiando, ao menos nesse aspecto, a noção de instituição, tanto que o regulamenta pormenorizadamente, exigindo, também, a chancela estatal para sua concretização. Nesse sentido são as regras que dispõe sobre a realização, celebração, capacidade para o casamento, impedimentos e causas suspensivas. É da essência do matrimônio essa formalização, sem que se esteja a desmerecer ou inferiorizar as demais modalidades de família. O que não se pode é, por decisão judicial, instituir ou alargar previsão legal que, até o momento, não existe: a propósito, a opção aqui é legislativa e caberá ao Poder Legislativo dispor sobre a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Logo, à mingua de previsão legal ou diretriz normativa disciplinando o tema, tenho que a pretensão formulada é inviável: não se trata de estabelecer desigualdade entre uniões de pessoas do mesmo sexo e de sexos diferentes, mas sim de, sob a ótica registrária, definir a impossibilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e a conversão da união estável em casamento. Por tais motivos, deixo de homologar o pedido de conversão de união estável em casamento formulado por Sandro Luís do Nascimento e Milton César Pereira de Sá. P.R.I.C. São Caetano do Sul, 26 de julho de 2011. Daniela Anholeto Valbão. Juíza de Direito."

Pelo exposto, opinamos seja indeferido o pedido inicial, diante de sua impossibilidade jurídica.

Limeira, 02 de agosto de 2011.

Luiz Alberto Segalla Bevilacqua
Promotor de Justiça

Renato Fanin
Promotor de Justiça



Poder Judiciário
São Paulo
Comarca de Limeira
Corregedoria Permanente

Vistos, etc.,

Trata-se de pedido de conversão de UNIÃO ESTÁVEL em CASAMENTO formulado por MARIA RITA GURGEL PINTO DE LEMOS e FÚLVIA LÚCIA MARGOTTI, qualificadas nos autos.

O pedido veio acompanhado de certidão de objeto e pé da 4ª Vara Cível desta Comarca extraída do Proc. 3587/09, da Ação Declaratória de Reconhecimento de União Estável, da inicial desta ação, da declaração de convivência registrada no 1º Oficial de Registro de Títulos e Documentos de São Paulo, em 10/12/07.

Foi publicado o edital, constam declarações de duas testemunhas, sendo cumpridas às formalidades legais para conhecimento do pedido de habilitação a casamento, que não recebeu impugnações.

O Ministério Público ofereceu parecer, desfavorável ao pedido.

O requerimento foi convertido em diligência, sendo providenciada a cópia da inicial da Ação Declaratória de Reconhecimento de União Estável.

É o relatório do essencial.

FUNDAMENTO e DECIDO.

Em primoponendo, consigne-se tratar-se de pedido de conversão de união estável em casamento, conforme admite o art. 226, § 3º, parte final, da CR/88 e o art. 1726 do Código Civil, o que não se confunde com processo de habilitação para celebração de casamento prevista no art. 1.525 desta última lei civil.

De acordo com as NSCGJ-SP, art. 135, Cap. XVII, Tomo II, a matéria está assim regulamentada: 87. A conversão da união estável em casamento deverá ser requerida pelos conviventes perante o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de seu domicílio.

87.1. Recebido o requerimento, será iniciado o processo de habilitação previsto nos itens 52 a 74 deste capítulo, devendo constar dos editais que se trata de conversão de união estável em casamento.

87.2. Decorrido o prazo legal do edital, os autos serão encaminhados ao Juiz Corregedor Permanente, salvo se este houver editado portaria nos moldes previstos no item 66 supra.

87.3. Estando em termos o pedido, será lavrado o assento da conversão da união estável em casamento, independentemente de qualquer solenidade, prescindindo o ato de celebração do matrimônio.

87.4. O assento da conversão da união estável em casamento será lavrado no Livro "B", exarando-se o determinado no utem 81 deste Capítulo, sem a indicação da data da celebração, do nome e assinatura do presidente do ato, dos conviventes e das testemunhas, cujos espaços próprios deverão ser inutilizados, anotando-se no respectivo termo que se trata de conversão de união estável em casamento.

87.5. A conversão da união estável dependerá da superação dos impedimentos legais para o casamento, sujeitando-se à adoção do regime matrimonial de bens, na forma e segundo os preceitos da lei civil.

87.6. Não constará do assento de casamento convertido a partir da união estável, em nenhuma hipótese, a data do início, período ou duração desta².


A par disso, infere-se que o casamento civil celebrado através de ato solene tradicional, diverge quanto à forma e regras materiais do casamento por conversão de união estável, inexistindo neste a figura do Juiz de Paz e a celebração do ato solene, com o uso das palavras específicas previstas na lei civil. No casamento por conversão de união estável, o pedido é homologado pelo juiz de direito corregedor permanente do ofício do registro civil das pessoas naturais e de interdições e tutelas da comarca.

Superadas tais questões isagógicas e conferidas todas as formalidades legais, devidamente cumpridas, a questão que se coloca para exame é o cabimento do pedido de conversão da união estável em casamento feito por pessoas do mesmo sexo.

É dizer, em síntese, se há possibilidade jurídica para ao colhimento do pedido, já que postulado por pessoas de sexo idêntico.

Sem embrago da posição contrária dos Digníssimos Curadores de Casamentos que, em seu judicioso parecer, examinaram com percuciência a questão, sob o prisma de flatar uma disposição específica sobre o tema no nosso sistema normativo, tenho que uma interpretação tampão é pouco para solucionar algo que envolve direitos fundamentais com muitas implicações.

Nossa sociedade está fundamentada no sistema normativo jurídico. Colocando as coisas de uma maneira simples, vale dizer que todos os que a ele se acham sujeitos são obrigados a obedecê-lo. Ou: Todos os comportamentos humanos ou estão positivamente regulados ou estão negativamente permitidos³. Portanto, no nosso sistema normativo não há o que se denomina anomia jurídica.

A fundamentação ora desenvolvida é de grande relevância para o caso, uma vez que a atuação judicial aqui não é a de "legislador positivo", em invasão da competência constitucional do Parlamento ou da Administração. Trata-se, ao contrário, de respeitar a eficácia do direito já existente, que é o direito fundamental, previsto na Constituição.

Cuida-se, deste modo, de cumprimento da importante missão conferida aos juízes e tribunais, consistente em zelar pelos direitos fundamentais do cidadão. Não se trata de ultrapassagem dos limites da atribuição constitucional da jurisdição.

Mesmo a falta de disposição específica sobre dado comportamento será solucionado pela decisão judicial ou administrativa (nos países que assim dispõem) que preenche a lacuna do ordenamento normativo. No entanto, este deverá habilitar o tribunal a solucionar a pendência, podendo valer-se de soluções por ele próprio alvitradas ou estabelecer que o juiz decida como se legislador fosse (art. 4º do Código Civil da Suíça)4.

No nosso sistema, o permissivo legal que confere ao julgador realizar o processo de colmatação para solucionar tem que se apresenta no ordenamento jurídico com aparente lacuna está contido no art. 4º da LICC.

Na solução da pendência, caberá ao juiz emitir decisão justa, de acordo com as ferramentas jurídicas do momento, sem perder de vista, claro, os rumos da sociedade contemporânea e a ciência em seus campos de atuação.

Em tais hipóteses, o juiz, que é também como todos os demais indivíduos, portador de sua própria ideologia, condicionada pelo meio, emitirá uma solução, qualquer que seja, mas sempre limitada pelas pressões sociais da comunidade em que vive, já que as diretivas sociais, comunitárias e ideológicas são vividas pelo julgador5.

No cerne da temática homossexualidade, possibilidade de duas pessoas do mesmo sexo optar pela conversão da união estável em casamento, tem-se que aquela, enquanto situação de fato, passou a receber atenção do Estado no campo previdenciário, securitário, sucessório, etc.

Ora, o Estado investido de representante da sociedade paulatinamente passou a reconhecer e conceder direitos civis aos casais do mesmo sexo vivenciando união habitual.

Foi nesta linha de entendimento, que o Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADPF 178, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, ADPF 132, autor Governo do Estado do Rio de Janeiro deu eficácia jurídica à união estável entre casais do mesmo sexo, equiparando-a a entidade familiar, com efeito vinculante e normativo segundo a regra do art. 102, § 2º, da CR/88.

O resultado do julgamento proferido pela Excelsa Corte passou a constituir disposição jurídica integrada ao sistema, o que permite ao juiz aplica-lo através de uma interpretação extensiva, tendo como pressuposto que, se o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, dando interpretação conforme a Constituição Federal (princípios da igualdade e dignidade da pessoa), para excluir qualquer significado do art. 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, é porque o entendimento consolidado na Corte Maior é de que no nosso atual sistema já não subsiste a diferenciação jurídica entre homens, mulheres e homossexuais ou, para ser mais específico, entre heterossexuais e homossexuais. Portanto, conclui-se que não se justifica tratamento distinto dos dois e que os direitos civis devem estender-se, por analogia, aos homossexuais.

O problema subjacente à interpretação extensiva (interpretação por analogia) pode ser descrito da maneira que se segue. Se segundo seu sentido linguístico natural uma regra se aplica à esfera A, sua extensão à esfera B pressupõe: 1- Que atua uma valoração jurídica em favor da aplicação da regra à esfera B. Essa valoração pode fundar-se em particular na concepção de que a regra é uma formulação parcial, uma revelação incompleta e esporádica de um ponte de vista mais geral. 2- Que não há diferenças entre A e B que possam justificar o tratamento distinto dos dois casos. Se, por exemplo, uma lei antiga utiliza palavras tais como ele e homem, pode-se sustentar que no direito atual já não subsiste a diferenciação jurídica entre homens e mulheres, e que a lei, portanto, deve estender-se, por analogia, às mulheres6.

Examinando a questão à luz das observações de Alf Ross, é possível sustentar cum grano salis que o Supremo Tribunal Federal afirmou que não há mais distinção, no âmbito dos direitos civis, entre sujeitos heterossexuais e homossexuais. É dizer, em outras palavras, se ele disser estar excluído do texto do art. 1.723 do CC, qualquer significado que impeça o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, com efeito vinculante e normativo, permitiu extrair que a nova interpretação do referido artigo seja compreendida em relação a outros casos, suja situação equipara-se aquele, mas não está normatizada. Diz habitualmente, que só é possível extrair uma analogia de A para B se B não estiver já compreendido por uma lei7.

Por tais considerações já haveria suficiente fundamento para a aceitação do pedido. Mas, como p tema é grandioso e viceja na sociedade, o espaço é apropriado para serem tecidos argumentos à luz de uma interpretação histórica e cultural.

Em primeiro lugar, é bom lembrar, para que não haja dúvida alguma quanto às fontes de interpretação utilizadas, que não cabe o uso da dogmática religiosa. As interpretações das religiões em temas de interesse da sociedade são, em sua maioria, muito duras, quando conflitam com seus dogmas. O problema é que a sociedade se modificou muito no último século, resultado da Secularização, de modo que ela apresenta novas relações, novas necessidades, que as religiões, engessadas por dogmas, não conseguem se adaptar.

Segundo aspecto importante a ser lembrado, é que a gradativa evolução dos direitos fundamentais do cidadão (igualdade e dignidade da pessoa) está ligada ao poder transformador do poder Judiciário.

Houve, ao longo da história, várias mudanças na sociedade que diminuíram a desigualdade social e tiveram início nos Tribunais, através da atuação transformadora dos juízes, ante a recusa ou demora na criação de dispositivos legais. Como exemplo pode ser citado o período que ficou conhecido como crise final da sociedade escravista nos vinte anos finais do Império.

Andrei Koerner, Doutor em Ciência Política pela USP escreveu: Os estudantes, bacharéis e práticos do direito, tomam, uma série de iniciativas no sentido de contribuir para a abolição. Uma das suas formas de ação - e Luís Gama é a figura mais importante neste ponto - foi a elaboração de interpretações criativas de dispositivos legais, de novas interpretações baseadas no princípio do direito natural à liberdade individual, com que produziram novos argumentos com os quais colaboraram para precipitar, pela via judicial também, o fim da escravidão. O governo imperial dizia: os juízes não podem examinar essas questões sem considerar a razão do Estado, sem considerar a necessidade da ordem pública, sem considerar os imperativos de manutenção da ordem e da segurança pública. Mas alguns juízes passaram a acolher essas interpretações, esses argumentos baseados no princípio de direito natural à liberdade individual e reconheceram a liberdade de inúmeras pessoas escravizadas ilegalmente em situação irregular, filhos de libertas sob condição etc.

Em termos numéricos há controvérsia sobre o alcance da atuação desses juízes. Alguns afirmam que um juiz de Santos, o Barão de São Domingos, teria alforriado mais de vinte mil escravos8.


A atuação dos juízes em prol da efetividade dos direitos e garantias fundamentais, como se pode observar, desde o Império, precede a criação de dispositivos legais que depois acabam sendo introduzidos no ordenamento jurídico, mas sempre e somente após a corajosa atuação de juízes então considerados heterodoxos, outsiders, etc., mas que não acomodaram em atuar na promoção dos direitos fundamentais.

No caso desta temática, é incontestável que, na atualidade, a união entre pessoas do mesmo sexo é uma realidade e toma conta da sociedade, que não a repudia, ao contrário, recebeu-a de braços abertos. Em 1975, quando o atual Código Civil foi redigido, era inconcebível falar em união de pessoas do mesmo sexo e em 1916, ano da criação do Código Civil revogado talvez isso nem fosse pensado. Até porque, basta lembrar que este último continha dispositivo que dava ao marido direito de devolver a noiva à casa paterna, se descobrisse nas núpcias que ela já tinha sido deflorada.

Os tempos são outros, e a união estável de pessoas do mesmo sexo constitui uma realidade imposta ao direito. Seus operadores devem enfrentá-la desapegados de dogmas religiosos e preconceitos sociais. Isso porque, a sociedade convive com ela. As estatísticas mostram que 10% a 15% da população nacional é composta de uniões estáveis de pessoas do mesmo sexo, o que representa mais de 20 milhões de pessoas.

Negar o acesso a estas pessoas aos mesmos direitos civis que gozam as pessoas heterossexuais configura uma forma legalizada de segregação e isso não representa o espírito da Constituição Federal. Os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana foram erigidos à categoria de direitos fundamentais com a finalidade de agregar e não excluir, acabar com as desigualdades, não criar barreiras.

Na definição de Karl Engisch, O Direito é, historicamente, produto de interesses9, como tal, deve ser vistos como algo que está a serviço da sociedade. Destinado a resolver e pacificar os interesses particulares e coletivos, não deve existir constrangimento quando mudanças na sociedade exigem configuração diferente das leis e alteração da interpretação dos comportamentos.

Quase nada há de justo ou injusto que não mude de natureza com a mudança de clima. O Direito tem as suas épocas. Divertida justiça esta que um rio ou uma montanha baliza. Verdade aquém, erro além Pirineus10.

Enfim, na atualidade, a promoção da igualdade entre os seres humanos, sem distinção de sua orientação sexual, é uma tendência universal o que pode ser sentido com a aprovação da Resolução "Direitos Humanos, orientação sexual e identidade de gênero", pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, apresentada por África do Sul e Brasil.

Ante o exposto, HOMOLOGO a disposição de vontades declaradas pelas requerentes deste pedido de conversão de união estável em casamento para CONVERTER em CASAMENTO, a união estável das mesmas, com a observação quanto ao regime de Comunhão Parcial de Bens adotado e ficando mantidos os nomes de solteiras por expressa manifestação de vontades.

A presente sentença substitui a celebração e tem efeitos imediatos. Lavre-se o registro de casamento, providencie-se as averbações nos registros de nascimentos das interessadas e, nada sendo requerido, arquivem-se os autos, decorrido trinta dias, certificando-se.

Ciência ao Ministério Público.

P.R.I.

Limeira, 30 de agosto de 2011.

Mario Sérgio Menezes
Juiz de Direito Corregedor Permanente do Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas da Comarca de Limeira

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¹principal/index.cfm?tipo_layout=SISTEMA&url=noticia_mostrar.cfm&id=14195
²Prov. CGJ 25/2005; Prov CGJ 14/2006
³Em Defesa dos Direitos Fundamentais; Régis de Oliveira; 2010; CDICP Câmara dos Deputados; p.45
4Régis de Oliveira; ob. Cit; p.45
5 Régis de Oliveira; ob. Cit; p.45
6Direito e Justiça; Alf Ross; Edipro; 2ª; 2007; p.179
7Alf Ross; ob. Cit.; p.180
8Artigo: A Independência do Judiciário como Garantia Institucional dos Direitos Humanos; Publicação Direitos Humanos - Visões Contemporâneas; 2001; p.186
9Introdução ao Pensamento Jurídico, 10ª, Ed. Fundação Calonste Gulbenkian, 2008, p.371
10Pascal citado por Karl Engisch; ob. cit; p.16/17

Fonte : Assessoria de Imprensa

Data Publicação : 20/09/2011

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