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26 de Setembro de 2011
Jurisprudência TJ-RS - Apelação cível - Família - Ação de anulação de registro civil por duplicidade registral
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL POR DUPLICIDADE REGISTRAL. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO COM AMBOS OS PAIS REGISTRAIS, MAS COMPROVADA A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA COM AQUELE QUE EFETUOU O SEGUNDO REGISTRO, QUE DEVE PREVALECER. A EXISTENCIA DE DUPLO REGISTRO DE NASCIMENTO, IMPORTA EM ANULAÇÃO DO PRIMEIRO ASSENTO, NO CASO CONCRETO, COM AS RETIFICAÇÕES QUE SE FIZEREM NECESSARIAS. ELABORAÇÃO DE NOVO REGISTRO, COM OS DADOS DO SEGUNDO REGISTRO, TORNADO SEM EFEITO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. PRELIMINAR REJEITADA. APELO DESPROVIDO. (TJRS - Apelação Cível nº 70036372647 - Camaquã - 7ª Câmara Cível - Rel. Des. Roberto Carvalho Fraga - DJ 20.07.2011)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, EM REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO AO APELO.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO.
Porto Alegre, 13 de julho de 2011.
DR. ROBERTO CARVALHO FRAGA - Relator.
RELATÓRIO
DR. ROBERTO CARVALHO FRAGA (RELATOR):
Trata-se de apelação cível interposta pela Sucessão de Ramão L., representada pelos herdeiros Maria N. S. L e outros, nos autos da ação de anulação de registro público ajuizada por Silviomar G. L., inconformada com a sentença que procedência da demanda, que anulou o assento de nascimento registrado sob o nº 20.338, do livro A-58, do Registro Civil de Camaquã, em nome de Robinson G, de O., permanecendo o segundo assento com o nome de Sioviomar G. L., com os demais dados registrais, pois demonstrada a filiação socioafetiva.
Relata a apelante, em síntese, que o autor possui dois registros públicos de nascimento, pois foi registrado primeiramente pelo companheiro de sua mãe à época do seu nascimento, Sr. Valdoir de O. e, meses depois fora novamente registrado como sendo filho de Ramão L., pai dos apelantes, com quem a mão do autor mantinha, eventualmente, relacionamento sexual. Aduzem que o argumento da mãe de Silviomar para a existência de dois registros foi no sentido de que, ao nascer, o autor necessitou urgente internação hospitalar, mas não possuía, ainda registro de nascimento, o que fez com que o seu companheiro Valdoir registrasse o mesmo a fim de que a criança recebesse o tratamento médico de que necessitava, ainda que ele soubesse que o menino não era seu filho. Além disso, ao procurar Ramão para efetuar o segundo registro, sob a alegação de que ele seria o pai biológico do ora demandante, não mencionou em momento algum que a criança já possuía um primeiro registro. Alegam que a existência de dois registros de nascimento só veio a ser descoberta em razão da suscitação de dúvida promovida pelo Oficial do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Camaquã. Apontam a ilegitimidade ativa para a propositura da presente ação que, travestida de ação de anulação de registro civil, pretendeu, na verdade, a negatória de paternidade de Valdoir. Além disso, ressaltam que o exame de DNA entre Silviomar e Ramão resultou negativo. Pedem, preliminarmente, a declaração de ilegitimidade ativa, e ao final, a reforma da sentença, a fim de que se declare a validade do registro de nascimento nº 20.338, no qual consta o Sr. Valdoir de Ol. Como pai do ora apelado.
Foram apresentadas contrarrazões.
Sobrem os autos a esta instância, onde a douta Procuradoria de Justiça opina pelo afastamento da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento da apelação.
Registre-se, por fim, que foi cumprido o comando estabelecido pelos artigos 549, 551 e 552, todos do CPC.
Importante relatar, ainda, o apenso procedimento administrativo instaurado pelo respectivo Oficial, aduzindo a existência dos dois registro de nascimento. Tal duvida foi julgada procedente para fins de tornar sem efeito o segundo registro de nascimento.
É o relatório.
VOTOS
DR. ROBERTO CARVALHO FRAGA (RELATOR):
A situação relatada nos autos é peculiar.
O autor possui dois registros de nascimento.
No primeiro, de nº 20.338 (fl. 08), foi registrado como Robinson G. de O., filho de Valdoir de O., então companheiro de sua mãe Solange N.G., lavrado em 05 de fevereiro de 1992.
Já no segundo registro, de nº 20.772 (fl. 09), lavrado em 30 de junho de 1992, foi registrado como Silviomar G. L, filho de Ramão L. e Solange.
Destaco que, na sua origem, o processo era de jurisdição voluntária. Entretanto, com a citação de Valdoir e dos herdeiros de Ramão, estabeleceu-se o contraditório.
Em apenso, encontra-se o procedimento administrativo de dúvida, suscitado pelo Oficial do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Camaquã, no qual, em decisão final, foi anulado o segundo registro ora mencionado, declarando a validade do primeiro.
Não satisfeito com aquela decisão o autor ajuizou a presente ação anulatória, alegando que o primeiro registro de nascimento não demonstra a realidade, uma vez que sempre foi conhecido pelo nome constante no segundo registro, qual seja Silviomar, e que sempre viveu como sendo filho de Ramão, tendo morado com este até seu óbito, sendo que inclusive, após tal fato a viúva de Ramão requereu a sua guarda, dada a afetividade que a família desenvolveu com a criança, processo que, todavia, restou infrutífero.
Se acolhido o pedido formulado no apelo da Sucessão de Ramão, restaria o autor sem qualquer registro de nascimento, o que não se pode admitir.
Assim, resta a análise acerca de qual dos dois registros deve prevalecer, ainda que o segundo esteja desconstituído, mas uma vez tendo os dados deste como correto, deverá haver novo registro, com tais anotações.
Aqui, cabe afastar a preliminar de ilegitimidade ativa suscitada no apelo.
Com efeito, como bem destacou o ilustre Procurador de Justiça que atuou no feito, Dr. Roberto Bandeira Pereira, "Isso porque, em face do princípio da dignidade da criança, nos termos dos artigos 1.º, III, 226 e 227 da Constituição Federal e 17 e 27 do ECA, Lei n.º 8.009/90[1], admite-se a legitimidade do filho para cancelar registro de nascimento "produzido com erro, ainda que com nobres motivos". (Vide nesse sentido RT 793/232 e AI n.º 189.803-4/0, 3.ª Câmara de Direito Privado. Rel. Ênio Santarelli Zuliani, j. 19/06/2001. In Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n.º 10.406, de 10.01.2002: Coordenador Cézar Peluso. - 3. Ed. ver. e atual. - Barueri, SP: Manole, 2009. P. 1.702/1.703.). Além disso, o registro é ato principal de documentação dos elementos que determinam o estado e a capacidade da pessoa natural, alcançando, assim, direitos de personalidade, nos termos dos artigos 9.º, inciso I, e 11[2] do Código Civil. Logo, não há falar-se em ilegitimidade ativa.".
Desta forma, afasto a preliminar de ilegitimidade ativa.
Voltando ao mérito, saliento que, no caso concreto, foi realizado exame de DNA com ambos os pais registrais em relação ao demandante, sendo que ambos os exames resultaram negativos (fls. 137/143).
Muito embora o ato de reconhecimento de filho seja ato irrevogável, segundo o art. 1º da Lei nº 8.560/92, e art. 1.609 do Código Civil Brasileiro, é possível a anulação do registro quando restar demonstrado o vício do ato jurídico, isto é, coação, erro, dolo, simulação ou fraude.
E foi o que ocorreu no caso concreto, pois, de toda a prova analisada, ficou comprovado que a declaração feita por Valdoir, ao efetuar o primeiro registro de nascimento do autor, ocorreu mediante simulação ou fraude, pois sabia ele que não era o pai biológico do requerente e, mesmo assim, a fim de obter a internação hospitalar que o menor na época necessitava e por estar o nosocômio a exigir a certidão de nascimento da criança, registrou-o como se seu filho fosse.
Da mesma forma, Ramão ao registrar o autor foi induzido em erro pela mãe da criança, pois restou demonstrada a inexistência do liame biológico entre as partes.
Entretanto, não se pode negar a existência do vínculo socioafetivo entre Silviomar e Ramão, bem como daquele com a família de Ramão, após o óbito deste, circunstância que restou amplamente demonstrada na instrução do feito, o que não pode ser ignorado. Silviomar, hoje um jovem com 18 anos de idade (nascido em 27/01/1992), reconhece apenas Ramão como pai (fls. 218/219).
A prova testemunhal, bem como o depoimento do autor e de sua mãe, bem elucidam a questão (fls. 218/222):
Depoimento pessoal do autor Silviomar G. L..
Juiz: O senhor hoje tem quantos anos?
Autor: 17 anos.
Juiz: Quando o senhor Ramão faleceu o senhor tinha quantos anos?
Autor: 2 anos.
Juiz: O senhor recorda dele ou não?
Autor: Muito pouco, praticamente nada.
Juiz: Quais são os vínculos que o senhor teve com a família do senhor Ramão?
Autor: Depois que ele faleceu eu morei com a dona Lurdes até os 6, 7 anos de idade.
Juiz: A dona Lurdes é filha do senhor Ramão?
Autor: Isso.
Juiz: Lá ela lhe tratava como irmão, como se fosse da família?
Autor: Sim.
Juiz: Depois disso o senhor deixou de morar com ela e passou a morar com a sua mãe?
Autor: Isso.
Juiz: Depois disso manteve os vínculos, continuou visitando, freqüentando a casa deles?
Autor: Durante um tempo eu ia, depois eu parei.
Juiz: Qual a ultima vez que o senhor a visitou?
Autor: Faz muito tempo.
Juiz: Não recorda que idade o senhor teria?
Autor: Faz anos isso, eu acho que tinha uns 13 ou 14 anos.
Juiz: A ultima vez que o senhor teria ido lá, o senhor tinha 13 ou 14 anos?
Autor: Isso.
Juiz: Na época em que o senhor ainda as visitava, o senhor as tinha como irmãs e elas lhe tinham como irmão?
Autor: Sim, sempre fui bem tratado.
Juiz: Em Natais, festas de final de ano e aniversários vocês se visitavam?
Autor: Enquanto eu morava com elas eu sempre passei junto, depois que eu sai de lá, foi um natal que eu passei.
Juiz: Quanto ao senhor Valdoir, o senhor sempre soube que ele não era o seu pai?
Autor: Sim, cresci ouvido isso, que ele não era.
Juiz: Apesar de ouvir isso, ele lhe tinha como filho, vocês conviviam na mesma casa, o senhor tem ele como seu pai?
Autor: Não, nunca morei com ele.
Juiz: O senhor nunca morou na mesma casa que ele?
Autor: Não.
Juiz: Quando o senhor voltou a morar com a sua mãe, ela já não vivia mais com ele?
Autor: Não.
Juiz: Pela procuradora da sucessão.
Procurador do réu: Qual o nome que tu é conhecido pela tua família e pela família do Ramão?
Autor: Silviomar G. L..
Procurador do réu: A tua mãe sempre te disse, desde de novo quem era o teu pai biológico?
Autor: Sim.
Procurador do réu: Quem ela afirmava que era o teu pai biológico?
Autor: Ramão L..
Procurador do réu: O senhor também tem uma irmã que é filha do Valdoir?
Autor: Tenho.
Procurador do réu: Nada mais.
Juiz: Pela curadora de Valdoir de O.
Procurador do réu: Sabe mais ou menos há quantos anos o senhor Valdoir se encontra no IPF?
Autor: Não porque eu não tinha contato nenhum.
Procurador do réu: Nunca teve contato afetivo com ele?
Autor: Não.
Procurador do réu: Sabe o motivo do teu registro de nascimento ser em nome do senhor Valdoir só naquele período?
Autor: Sim, na época eu precisava baixar hospital e não tinha registro, e para eu poder dar baixa no hospital precisa ter um registro, então ele me registrou primeiro.
Procurador do réu: Só por esse motivo?
Autor: Sim.
Procurador do réu: Nada mais.
Juiz: Nada mais.
Depoimento da representante da sucessão de Ramão L., Maria de L. L.
Juiz: Como a senhora ficou sabendo que o Silviomar seria filho do senhor Ramão que era seu pai.
Réu: Porque a mãe dele sempre afirmava para mim, dizia que com certeza que era filho dele, que só vivia com ele, que só tinha o pai, que não tinha outro homem com ela, mas não era verdade porque ela tinha outro.
Juiz: O seu pai, o senhor Ramão, alguma vez lhe comentou esse assunto? Réu: O pai só falava que ela tinha um homem com ela e que ele queria ver o guri e ela não o deixava ver.
Juiz: Mas o senhor Ramão achava que o menino era filho dele?
Réu: O pai foi enganado por ela, se ele soubesse não tinha levado ele para casa.
Juiz: Ele achava que era filho?
Réu: Achava, mas se soubesse não tinha levado.
Juiz: Que idade o Silviomar tinha quando o senhor Ramão faleceu? Réu: Tinha entre 3 e 5 anos.
Juiz: Nesse período em que o senhor Ramão era vivo, o Silviomar foi morar na casa de vocês junto do senhor Ramão?
Réu: Foi porque a Solange deixou o guri com o pai, de certo ele foi à casa dela pedir o guri para levar para casa e ela deu, levou com o sentimento dela.
Juiz: Por quanto tempo ele morou lá na casa enquanto o senhor Ramão era vivo ou morou até ele falecer.
Réu: Ele morou até ele falecer.
Juiz: E depois o que aconteceu, o Silviomar voltou para a casa da mãe ou ficou morando com vocês?
Réu: Ficou morando com nos porque a gente se apegou ao guri e ela ia lá dizer que era filho e nos pensávamos que era nosso irmão. Eu gostava muito do guri, era agarrada com ele, não podia nem me separar dele, então a gente foi no juiz quando o pai faleceu para dar depoimento.
Juiz: Ele ficou morando com vocês?
Réu: A Juíza deu a guarda para a mãe e a Solange concordou, ela disse que nunca ia tirar o guri da mãe porque o guri era filho do pai e ela gostava muito da minha mãe.
Juiz: Seus irmãos tinham ele como um irmão de vocês?
Réu: A gente queria bem como um irmão, até quando ele saiu dela no médico eu fui parar de tanto chorar. O doutor teve que me dar uns comprimidos.
Juiz: Até que idade ele morou com vocês?
Réu: Até uns 5 anos.
Juiz: E depois ele foi morar com a mãe dele?
Réu: Nós botamos ele na pré-escola e ela tirou e quando foi para botá-lo na 1 série, ela foi lá em casa e levou o guri para passear, ela nunca dizia que ia tirar o guri da mãe, sempre dizendo que ia deixar com a mãe sempre a criança. A gente pesou que ela ia levar o guri de volta e ela veio na Juíza e pediu a guarda do guri e a Juíza concedeu e tiraram a guarda da mãe.
Juiz: Até que idade o Silviomar visitou vocês e teve contato com vocês.
Réu: Acho que faz uns 3 ou 4 anos que ele não vai lá em casa.
Juiz: Até então vocês tinham um vinculo?
Réu: Ele me visitava, a gente conversava de repente ele deixou de ir, ficou mais de 3 anos sem ir lá em casa.
Juiz: Esse vinculo se quebrou a partir do exame de DNA que deu que ele não era filho do senhor Ramão ou antes disso já não estava mais havendo?
Réu: Eu sempre tive certeza que esse DNA ia dar positivo porque ela me jurou de pé junto que ele era filho do pai. Disse que só estava com o pai e não tinha outro e eu acreditei nela.
Juiz: Vocês o conhecem por qual nome?
Réu: Silviomar que foi o nome que o pai registrou ele e depois ele quis mudar para Robinson.
Juiz: Mas ele é conhecido por qual nome?
Réu: Lá em casa é por Silviomar.
Juiz: E sobrenome LeIlis?
Réu: Sim.
Juiz: A senhora sabe se quando ele voltou a morar com a mãe dele, ela ainda vivia com o senhor Valdoir?
Réu: Não vivia faz muito tempo, desde que o pai levou ela para cuidar de uma casa, de certo ele até morava lá, o pai era transviado, ela deixou do Valdoir e deixou a outro guria com ele, por ela, ela não se interessou, a guria passou tudo que era trabalho pedindo até pão na casa dos vizinhos para comer e o Silvio que era bem tratado, bem cuidado, assistido por medico.
Juiz: O senhor Ramão foi por conta dele fazer o registro de nascimento do Silviomar?
Réu: Foi porque ela dizia que ele era filho.
Juiz: Pela curadora de Valdoir de Oliveira.
Procurador do réu: Nada mais.
Juiz: Pelo autor.
Procurador do autor: Nada mais.
Juiz: Nada mais.
Depoimento da testemunha Solange Gonçalves Prestes. Dispensada do compromisso, pois é mãe de Silviomar.
Juiz: Na época em que a senhora ficou grávida do Silviomar a senhora vivia ou tinha relacionamento com o senhor Ramão?
Testemunha: Sim, morava com ele.
Juiz: Foi a senhora que disse para o senhor Ramão que o menino era filho dele ou foi ele mesmo, por conta dele que quis reconhecer?
Testemunha: Ele mesmo por conta dele que quis reconhecer desde que eu fiquei grávida.
Juiz: A senhora sabia que poderia não ser filho dele ou a senhora acreditava que realmente era filho dele?
Testemunha: Eu sempre acreditei que o filho era dele em momento algum eu tive duvidas.
Juiz: E ele tinha alguma duvida disso?
Testemunha: Não.
Juiz: Durante um tempo o Silviomar morou com o senhor Ramão, quanto tempo foi isso?
Testemunha: O Silviomar meu filho quando eu morava em uma casa que o Ramão tinha dado para mim, como a família dele começou a falar muita coisa, ele chegava lá e falava para mim que eles comentavam que ele não tinha que dar nada para mim, que ele era uma pessoa velha que eu estava tentando explorar ele, foi quando eu disse para ele: "tu pega e vende, eu entrego tudo para ti e tu vende a casa" e ele disse "não Solange, isso eu dei para ti". Ele me deu duas, inclusive ele construiu uma casa de material. Primeiro ele me deu uma casa de madeira e depois ele construiu uma de material. A Lurdes me visitava, quando eu fiquei grávida e depois quando eu ganhei o bebe também, ela sempre ia la em casa me ver, dava uma fugidinha e ele sempre que ia para o serviço passava para me ver, todos os dias. No final de semana ele me levava junto para o serviço com ele. Então eu ganhei o bebe, ele sempre me auxiliou, nunca deixou de estar parto.
Juiz: O Silviomar morou um tempo com o senhor Ramão, quanto tempo?
Testemunha: Morou, quando ele fez 1 ano o Ramão me disse assim: "tu vai me deixar levar o guri porque eu vou vender tudo" e eu disse que deixava porque não tinha condições de sustentar o meu filho sozinha. Ele me disse que enquanto tivesse vivo cuidaria do meu filho.
Juiz: Ele morou quantos anos na casa dele?
Testemunha: Ele tinha 3 anos quando o Ramão faleceu.
Juiz: Então ele seguiu morando lá?
Testemunha: Seguiu porque eu gostava muito da dona Nolmira, até as vezes trabalhava para ela, eu gostava muito dela.
Juiz: O Silviomar era tido como da família?
Testemunha: Como filho da dona Nolmira, tanto é que ele chama ela de mãe e eu de Solange.
Juiz: As pessoas o conhecem por qual nome?
Testemunha: Silviomar.
Juiz: Robinson não?
Testemunha: Não.
Juiz: Quando esse relacionamento esvaziou, parou de haver procura. Que idade tinha o Silviomar quando ele procurou ou foi procurado pela família do senhor Ramão.
Testemunha: Que ele parou de ir na casa, ele tinha 13 ou 14 anos. As vezes ele brigava com a Lurdes e ela dizia que ele ia lá só ara pedir, um dia ele chegou chorando em casa e disse que não iria mais lá porque ela dizia que eu ia lá só pedir e então eu disse para ele não ir mais lá.
Juiz: Se desentenderam e ele não foi mais lá?
Testemunha: Se desentenderam tipo irmãos.
Juiz: Pelo autor.
Procurador do autor: Nada mais.
Juiz: Pela sucessão de Ramão L.
Procurador do réu: A senhora disse que tinha bom relacionamento com Ramão quando estava grávida, certo?
Testemunha: Sim.
Procurador do réu: Por que ele não registrou a criança se ele tinha contato com a senhora enquanto a senhora estava grávida.
Testemunha: Porque ele disse que faria só escondido dos filhos dele porque eles não aceitavam.
Procurador do réu: Qual foi o tempo de relacionamento que vocês tiveram, a senhora e o senhor Valdoir.
Testemunha: Eu e o Valdoir éramos separados, o Ramão me tirou de onde eu morava atualmente com o Valdoir, eu já era separada dele e eu morava com o pai do Valdoir quando ele era vivo.
Procurador do réu: A senhora tem outro filho que seja do Valdoir?
Testemunha: Tenho a minha filha, eu morei 8 anos com ele depois me separei.
Procurador do réu: A sua filha mais velha?
Testemunha: Sim, a minha filha mais velha que esta aí.
Procurador do réu: O Valdoir quando aceitou essa paternidade, ele sabia que não era pai ou ele pensava que era pai do menino.
Testemunha: Ele sempre soube que ele não era o pai, ele simplesmente fez porque viu o meu filho mal, viu que o meu filho ia morrer.
Juiz: E por que ele fez isso?
Testemunha: Para eu levá-lo para o hospital, naquela época não podia sem ter certidão de nascimento.
Procurador do réu: O Ramão quando tomou conhecimento de que era pai biológico desse filho, ele sabia que o Valdoir já tinha efetuado um registro de nascimento.
Testemunha: Sabia, no mesmo dia ele foi no cartório comigo, inclusive ele disse "vou anular a certidão porque ele não é filho dele, ele é meu filho e eu não quero o nome dele".
Juiz: Pela curadora de Valdoir de O.
Procurador do réu: Nada mais.
Juiz: Nada mais.
Nesta mesma linha foram os depoimentos das demais testemunhas, fls. 222v/226.
Como bem observado pela douta Promotora de Justiça, Dra. Ana Carolina de Quadros Azambuja, em seu parecer de fls. 229/232, verbis:
"(...) Gize-se que, tanto doutrina quanto jurisprudência modernas têm privilegiado o aspecto afetivo da paternidade em detrimento do vínculo biológico, explicando a filiação não mais como fenômeno genético, mas sim social.
Deste modo, a filiação socioafetiva se sobrepõe à verdade presumida e à verdade biológica.
Nesse passo, analisando-se a prova testemunhal, verifica-se que o requerente residiu com RAMÃO até os dois anos de idade e depois passou a morar com a filha deste, até completar sete ou oito anos. Após ter ido residir com sua genitora, ainda permaneceu frequentando a casa da família LÉLIS até os seus treze, quatorze anos (fls. 218/226).
A prova testemunhal colhida nos autos demonstrou de forma bastante objetiva a existência de vínculo afetivo do menor em relação a Ramão e sua família. (...).".
E, quanto à anulação do primeiro registro de nascimento, também transcrevo os bem lançados fundamentos do aludido parecer ministerial:
"A respeito do grau de importância que é conferido à paternidade socioafetiva, citam-se os seguintes precedentes jurisprudenciais:
APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. Não obstante ter o exame de DNA afastado a paternidade, deve prevalecer a realidade socioafadva sobre a biológica, diante da relação formada entre pai e filha ao longo de anos. RECURSO DESPROVIDO (Apelação Cível N° 70007706799, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alfredo Guilherme Englert, Julgado em 18103/2004)
AGRAVO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PENSÃO. EXAME DE DNA QUE AFASTA PATERNIDADE BIOLÓGICA. POSSIBILIDADE DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Ainda que o exame de DNA tenha afastado a paternidade biológica, de se manter o pensionamento do agravante, pois há a possibilidade de existência de paternidade socioafetiva. Necessária ampla dilação probatória. DERAM PROVIMENTO (Agravo de Instrumento N° 70007173735, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Jushça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 13/11/2003)
Quanto à possibilidade de anulação do primeiro registro de nascimento, tem-se que, diante da realidade posta nos autos, é possível acolher-se o pedido inicial.
Não se desconhece que o registro de nascimento, como ato jurídico que é, por força do que dispõe o art. 185 dc art. 171 do Código Civil, só pode ser anulado quando existente defeito: por erro (art. 138), dolo (art. 145), coação (art. 151) e estado de pehgo (art. 156), bem corno pode ser nulo nos casos previstos no art. 166 do CódIgo Civil.
Igualmente, é sabido que o ato de reconhecimento de filiação é irrevogável e irretratável, consoante a previsão do art. 1° da Lei n° 8.560192.
No caso em tela, o requerente não aponta nenhuma nulidade e tampouco qualquer vício de consentimento quando do primeiro registro do nascimento. Alegou, todavia, que VALDOIR registrou-o unicamente porque quando nasceu, precisou ser hospitalizado e o nosocômio exigiu que fosse apresentada certidão de nascimento. Assim, VALDOIR OLIVEIRA, mesmo sabendo que o requerente não era seu filho, providenciou o seu registro de nascimento, circunstância que pode enquadrar-se no chamado estado de perigo, previsto no 156 do Código Civil.
Ademais, o requerente vive desde pequeno como sendo SILVIOMAR (nome que consta no segundo registro de nascimento) e não como RAMÃO. Ainda que exista o principio da continuidade dos assentos, em se tratando de registro civil das pessoas naturais é preciso ter presente as relações afetivas. É pai aquele que cria, dá amor e participa efetivamente do desenvolvimento dos filhos, ainda que entre eles não exista vínculo biológico. Ademais, o requerente não pode permanecer para o resto da vida com duas certidões de nascimento, dois pais e dois nomes.
Assim, havendo comprovação da existência de relação socioafetiva com o pai do segundo registro, a procedência da ação é medida que se impõe."
Como se viu da prova testemunhal e depoimento do autor e da representante da Sucessão recorrente, não há dúvidas da existência da paternidade socioafetiva do autor com Ramão e, após a sua morte, com a família deste, que não fazia distinção em relação a Silviomar, que inclusive também recebeu seu quinhão hereditário com a morte do pai (fls. 14/15), o que é mais uma prova evidente da condição de filho de Ramão e que assim era reconhecido pelo demais herdeiros.
Assim, diante do somatório contextualizado das provas é que a procedência do pedido deve ser mantida, tal como constou na douta sentença recorrida. Única ressalva a douta sentença está no sentido de que, na medida que foi tornado sem efeito o 2º registro, deverá haver outro, com aqueles mesmos dados.
Isto posto, rejeito a preliminar e nego provimento ao apelo. Deverá, entretanto, ser realizado novo registro, com os dados anotados e inseridos no 2º registro, datado de 30/06/1992- fl. 09. Tudo nos termos fundamentados acima.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES - Presidente - Apelação Cível nº 70036372647, Comarca de Camaquã: "REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."
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Notas
[1] CF. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; CF. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. CF. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010). ECA. Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. ECA. Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.
[2] Código Civil. Art. 9o Serão registrados em registro público: I - os nascimentos, casamentos e óbitos; Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL POR DUPLICIDADE REGISTRAL. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO COM AMBOS OS PAIS REGISTRAIS, MAS COMPROVADA A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA COM AQUELE QUE EFETUOU O SEGUNDO REGISTRO, QUE DEVE PREVALECER. A EXISTENCIA DE DUPLO REGISTRO DE NASCIMENTO, IMPORTA EM ANULAÇÃO DO PRIMEIRO ASSENTO, NO CASO CONCRETO, COM AS RETIFICAÇÕES QUE SE FIZEREM NECESSARIAS. ELABORAÇÃO DE NOVO REGISTRO, COM OS DADOS DO SEGUNDO REGISTRO, TORNADO SEM EFEITO POR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. PRELIMINAR REJEITADA. APELO DESPROVIDO. (TJRS - Apelação Cível nº 70036372647 - Camaquã - 7ª Câmara Cível - Rel. Des. Roberto Carvalho Fraga - DJ 20.07.2011)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, EM REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO AO APELO.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO.
Porto Alegre, 13 de julho de 2011.
DR. ROBERTO CARVALHO FRAGA - Relator.
RELATÓRIO
DR. ROBERTO CARVALHO FRAGA (RELATOR):
Trata-se de apelação cível interposta pela Sucessão de Ramão L., representada pelos herdeiros Maria N. S. L e outros, nos autos da ação de anulação de registro público ajuizada por Silviomar G. L., inconformada com a sentença que procedência da demanda, que anulou o assento de nascimento registrado sob o nº 20.338, do livro A-58, do Registro Civil de Camaquã, em nome de Robinson G, de O., permanecendo o segundo assento com o nome de Sioviomar G. L., com os demais dados registrais, pois demonstrada a filiação socioafetiva.
Relata a apelante, em síntese, que o autor possui dois registros públicos de nascimento, pois foi registrado primeiramente pelo companheiro de sua mãe à época do seu nascimento, Sr. Valdoir de O. e, meses depois fora novamente registrado como sendo filho de Ramão L., pai dos apelantes, com quem a mão do autor mantinha, eventualmente, relacionamento sexual. Aduzem que o argumento da mãe de Silviomar para a existência de dois registros foi no sentido de que, ao nascer, o autor necessitou urgente internação hospitalar, mas não possuía, ainda registro de nascimento, o que fez com que o seu companheiro Valdoir registrasse o mesmo a fim de que a criança recebesse o tratamento médico de que necessitava, ainda que ele soubesse que o menino não era seu filho. Além disso, ao procurar Ramão para efetuar o segundo registro, sob a alegação de que ele seria o pai biológico do ora demandante, não mencionou em momento algum que a criança já possuía um primeiro registro. Alegam que a existência de dois registros de nascimento só veio a ser descoberta em razão da suscitação de dúvida promovida pelo Oficial do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Camaquã. Apontam a ilegitimidade ativa para a propositura da presente ação que, travestida de ação de anulação de registro civil, pretendeu, na verdade, a negatória de paternidade de Valdoir. Além disso, ressaltam que o exame de DNA entre Silviomar e Ramão resultou negativo. Pedem, preliminarmente, a declaração de ilegitimidade ativa, e ao final, a reforma da sentença, a fim de que se declare a validade do registro de nascimento nº 20.338, no qual consta o Sr. Valdoir de Ol. Como pai do ora apelado.
Foram apresentadas contrarrazões.
Sobrem os autos a esta instância, onde a douta Procuradoria de Justiça opina pelo afastamento da preliminar e, no mérito, pelo desprovimento da apelação.
Registre-se, por fim, que foi cumprido o comando estabelecido pelos artigos 549, 551 e 552, todos do CPC.
Importante relatar, ainda, o apenso procedimento administrativo instaurado pelo respectivo Oficial, aduzindo a existência dos dois registro de nascimento. Tal duvida foi julgada procedente para fins de tornar sem efeito o segundo registro de nascimento.
É o relatório.
VOTOS
DR. ROBERTO CARVALHO FRAGA (RELATOR):
A situação relatada nos autos é peculiar.
O autor possui dois registros de nascimento.
No primeiro, de nº 20.338 (fl. 08), foi registrado como Robinson G. de O., filho de Valdoir de O., então companheiro de sua mãe Solange N.G., lavrado em 05 de fevereiro de 1992.
Já no segundo registro, de nº 20.772 (fl. 09), lavrado em 30 de junho de 1992, foi registrado como Silviomar G. L, filho de Ramão L. e Solange.
Destaco que, na sua origem, o processo era de jurisdição voluntária. Entretanto, com a citação de Valdoir e dos herdeiros de Ramão, estabeleceu-se o contraditório.
Em apenso, encontra-se o procedimento administrativo de dúvida, suscitado pelo Oficial do Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Camaquã, no qual, em decisão final, foi anulado o segundo registro ora mencionado, declarando a validade do primeiro.
Não satisfeito com aquela decisão o autor ajuizou a presente ação anulatória, alegando que o primeiro registro de nascimento não demonstra a realidade, uma vez que sempre foi conhecido pelo nome constante no segundo registro, qual seja Silviomar, e que sempre viveu como sendo filho de Ramão, tendo morado com este até seu óbito, sendo que inclusive, após tal fato a viúva de Ramão requereu a sua guarda, dada a afetividade que a família desenvolveu com a criança, processo que, todavia, restou infrutífero.
Se acolhido o pedido formulado no apelo da Sucessão de Ramão, restaria o autor sem qualquer registro de nascimento, o que não se pode admitir.
Assim, resta a análise acerca de qual dos dois registros deve prevalecer, ainda que o segundo esteja desconstituído, mas uma vez tendo os dados deste como correto, deverá haver novo registro, com tais anotações.
Aqui, cabe afastar a preliminar de ilegitimidade ativa suscitada no apelo.
Com efeito, como bem destacou o ilustre Procurador de Justiça que atuou no feito, Dr. Roberto Bandeira Pereira, "Isso porque, em face do princípio da dignidade da criança, nos termos dos artigos 1.º, III, 226 e 227 da Constituição Federal e 17 e 27 do ECA, Lei n.º 8.009/90[1], admite-se a legitimidade do filho para cancelar registro de nascimento "produzido com erro, ainda que com nobres motivos". (Vide nesse sentido RT 793/232 e AI n.º 189.803-4/0, 3.ª Câmara de Direito Privado. Rel. Ênio Santarelli Zuliani, j. 19/06/2001. In Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n.º 10.406, de 10.01.2002: Coordenador Cézar Peluso. - 3. Ed. ver. e atual. - Barueri, SP: Manole, 2009. P. 1.702/1.703.). Além disso, o registro é ato principal de documentação dos elementos que determinam o estado e a capacidade da pessoa natural, alcançando, assim, direitos de personalidade, nos termos dos artigos 9.º, inciso I, e 11[2] do Código Civil. Logo, não há falar-se em ilegitimidade ativa.".
Desta forma, afasto a preliminar de ilegitimidade ativa.
Voltando ao mérito, saliento que, no caso concreto, foi realizado exame de DNA com ambos os pais registrais em relação ao demandante, sendo que ambos os exames resultaram negativos (fls. 137/143).
Muito embora o ato de reconhecimento de filho seja ato irrevogável, segundo o art. 1º da Lei nº 8.560/92, e art. 1.609 do Código Civil Brasileiro, é possível a anulação do registro quando restar demonstrado o vício do ato jurídico, isto é, coação, erro, dolo, simulação ou fraude.
E foi o que ocorreu no caso concreto, pois, de toda a prova analisada, ficou comprovado que a declaração feita por Valdoir, ao efetuar o primeiro registro de nascimento do autor, ocorreu mediante simulação ou fraude, pois sabia ele que não era o pai biológico do requerente e, mesmo assim, a fim de obter a internação hospitalar que o menor na época necessitava e por estar o nosocômio a exigir a certidão de nascimento da criança, registrou-o como se seu filho fosse.
Da mesma forma, Ramão ao registrar o autor foi induzido em erro pela mãe da criança, pois restou demonstrada a inexistência do liame biológico entre as partes.
Entretanto, não se pode negar a existência do vínculo socioafetivo entre Silviomar e Ramão, bem como daquele com a família de Ramão, após o óbito deste, circunstância que restou amplamente demonstrada na instrução do feito, o que não pode ser ignorado. Silviomar, hoje um jovem com 18 anos de idade (nascido em 27/01/1992), reconhece apenas Ramão como pai (fls. 218/219).
A prova testemunhal, bem como o depoimento do autor e de sua mãe, bem elucidam a questão (fls. 218/222):
Depoimento pessoal do autor Silviomar G. L..
Juiz: O senhor hoje tem quantos anos?
Autor: 17 anos.
Juiz: Quando o senhor Ramão faleceu o senhor tinha quantos anos?
Autor: 2 anos.
Juiz: O senhor recorda dele ou não?
Autor: Muito pouco, praticamente nada.
Juiz: Quais são os vínculos que o senhor teve com a família do senhor Ramão?
Autor: Depois que ele faleceu eu morei com a dona Lurdes até os 6, 7 anos de idade.
Juiz: A dona Lurdes é filha do senhor Ramão?
Autor: Isso.
Juiz: Lá ela lhe tratava como irmão, como se fosse da família?
Autor: Sim.
Juiz: Depois disso o senhor deixou de morar com ela e passou a morar com a sua mãe?
Autor: Isso.
Juiz: Depois disso manteve os vínculos, continuou visitando, freqüentando a casa deles?
Autor: Durante um tempo eu ia, depois eu parei.
Juiz: Qual a ultima vez que o senhor a visitou?
Autor: Faz muito tempo.
Juiz: Não recorda que idade o senhor teria?
Autor: Faz anos isso, eu acho que tinha uns 13 ou 14 anos.
Juiz: A ultima vez que o senhor teria ido lá, o senhor tinha 13 ou 14 anos?
Autor: Isso.
Juiz: Na época em que o senhor ainda as visitava, o senhor as tinha como irmãs e elas lhe tinham como irmão?
Autor: Sim, sempre fui bem tratado.
Juiz: Em Natais, festas de final de ano e aniversários vocês se visitavam?
Autor: Enquanto eu morava com elas eu sempre passei junto, depois que eu sai de lá, foi um natal que eu passei.
Juiz: Quanto ao senhor Valdoir, o senhor sempre soube que ele não era o seu pai?
Autor: Sim, cresci ouvido isso, que ele não era.
Juiz: Apesar de ouvir isso, ele lhe tinha como filho, vocês conviviam na mesma casa, o senhor tem ele como seu pai?
Autor: Não, nunca morei com ele.
Juiz: O senhor nunca morou na mesma casa que ele?
Autor: Não.
Juiz: Quando o senhor voltou a morar com a sua mãe, ela já não vivia mais com ele?
Autor: Não.
Juiz: Pela procuradora da sucessão.
Procurador do réu: Qual o nome que tu é conhecido pela tua família e pela família do Ramão?
Autor: Silviomar G. L..
Procurador do réu: A tua mãe sempre te disse, desde de novo quem era o teu pai biológico?
Autor: Sim.
Procurador do réu: Quem ela afirmava que era o teu pai biológico?
Autor: Ramão L..
Procurador do réu: O senhor também tem uma irmã que é filha do Valdoir?
Autor: Tenho.
Procurador do réu: Nada mais.
Juiz: Pela curadora de Valdoir de O.
Procurador do réu: Sabe mais ou menos há quantos anos o senhor Valdoir se encontra no IPF?
Autor: Não porque eu não tinha contato nenhum.
Procurador do réu: Nunca teve contato afetivo com ele?
Autor: Não.
Procurador do réu: Sabe o motivo do teu registro de nascimento ser em nome do senhor Valdoir só naquele período?
Autor: Sim, na época eu precisava baixar hospital e não tinha registro, e para eu poder dar baixa no hospital precisa ter um registro, então ele me registrou primeiro.
Procurador do réu: Só por esse motivo?
Autor: Sim.
Procurador do réu: Nada mais.
Juiz: Nada mais.
Depoimento da representante da sucessão de Ramão L., Maria de L. L.
Juiz: Como a senhora ficou sabendo que o Silviomar seria filho do senhor Ramão que era seu pai.
Réu: Porque a mãe dele sempre afirmava para mim, dizia que com certeza que era filho dele, que só vivia com ele, que só tinha o pai, que não tinha outro homem com ela, mas não era verdade porque ela tinha outro.
Juiz: O seu pai, o senhor Ramão, alguma vez lhe comentou esse assunto? Réu: O pai só falava que ela tinha um homem com ela e que ele queria ver o guri e ela não o deixava ver.
Juiz: Mas o senhor Ramão achava que o menino era filho dele?
Réu: O pai foi enganado por ela, se ele soubesse não tinha levado ele para casa.
Juiz: Ele achava que era filho?
Réu: Achava, mas se soubesse não tinha levado.
Juiz: Que idade o Silviomar tinha quando o senhor Ramão faleceu? Réu: Tinha entre 3 e 5 anos.
Juiz: Nesse período em que o senhor Ramão era vivo, o Silviomar foi morar na casa de vocês junto do senhor Ramão?
Réu: Foi porque a Solange deixou o guri com o pai, de certo ele foi à casa dela pedir o guri para levar para casa e ela deu, levou com o sentimento dela.
Juiz: Por quanto tempo ele morou lá na casa enquanto o senhor Ramão era vivo ou morou até ele falecer.
Réu: Ele morou até ele falecer.
Juiz: E depois o que aconteceu, o Silviomar voltou para a casa da mãe ou ficou morando com vocês?
Réu: Ficou morando com nos porque a gente se apegou ao guri e ela ia lá dizer que era filho e nos pensávamos que era nosso irmão. Eu gostava muito do guri, era agarrada com ele, não podia nem me separar dele, então a gente foi no juiz quando o pai faleceu para dar depoimento.
Juiz: Ele ficou morando com vocês?
Réu: A Juíza deu a guarda para a mãe e a Solange concordou, ela disse que nunca ia tirar o guri da mãe porque o guri era filho do pai e ela gostava muito da minha mãe.
Juiz: Seus irmãos tinham ele como um irmão de vocês?
Réu: A gente queria bem como um irmão, até quando ele saiu dela no médico eu fui parar de tanto chorar. O doutor teve que me dar uns comprimidos.
Juiz: Até que idade ele morou com vocês?
Réu: Até uns 5 anos.
Juiz: E depois ele foi morar com a mãe dele?
Réu: Nós botamos ele na pré-escola e ela tirou e quando foi para botá-lo na 1 série, ela foi lá em casa e levou o guri para passear, ela nunca dizia que ia tirar o guri da mãe, sempre dizendo que ia deixar com a mãe sempre a criança. A gente pesou que ela ia levar o guri de volta e ela veio na Juíza e pediu a guarda do guri e a Juíza concedeu e tiraram a guarda da mãe.
Juiz: Até que idade o Silviomar visitou vocês e teve contato com vocês.
Réu: Acho que faz uns 3 ou 4 anos que ele não vai lá em casa.
Juiz: Até então vocês tinham um vinculo?
Réu: Ele me visitava, a gente conversava de repente ele deixou de ir, ficou mais de 3 anos sem ir lá em casa.
Juiz: Esse vinculo se quebrou a partir do exame de DNA que deu que ele não era filho do senhor Ramão ou antes disso já não estava mais havendo?
Réu: Eu sempre tive certeza que esse DNA ia dar positivo porque ela me jurou de pé junto que ele era filho do pai. Disse que só estava com o pai e não tinha outro e eu acreditei nela.
Juiz: Vocês o conhecem por qual nome?
Réu: Silviomar que foi o nome que o pai registrou ele e depois ele quis mudar para Robinson.
Juiz: Mas ele é conhecido por qual nome?
Réu: Lá em casa é por Silviomar.
Juiz: E sobrenome LeIlis?
Réu: Sim.
Juiz: A senhora sabe se quando ele voltou a morar com a mãe dele, ela ainda vivia com o senhor Valdoir?
Réu: Não vivia faz muito tempo, desde que o pai levou ela para cuidar de uma casa, de certo ele até morava lá, o pai era transviado, ela deixou do Valdoir e deixou a outro guria com ele, por ela, ela não se interessou, a guria passou tudo que era trabalho pedindo até pão na casa dos vizinhos para comer e o Silvio que era bem tratado, bem cuidado, assistido por medico.
Juiz: O senhor Ramão foi por conta dele fazer o registro de nascimento do Silviomar?
Réu: Foi porque ela dizia que ele era filho.
Juiz: Pela curadora de Valdoir de Oliveira.
Procurador do réu: Nada mais.
Juiz: Pelo autor.
Procurador do autor: Nada mais.
Juiz: Nada mais.
Depoimento da testemunha Solange Gonçalves Prestes. Dispensada do compromisso, pois é mãe de Silviomar.
Juiz: Na época em que a senhora ficou grávida do Silviomar a senhora vivia ou tinha relacionamento com o senhor Ramão?
Testemunha: Sim, morava com ele.
Juiz: Foi a senhora que disse para o senhor Ramão que o menino era filho dele ou foi ele mesmo, por conta dele que quis reconhecer?
Testemunha: Ele mesmo por conta dele que quis reconhecer desde que eu fiquei grávida.
Juiz: A senhora sabia que poderia não ser filho dele ou a senhora acreditava que realmente era filho dele?
Testemunha: Eu sempre acreditei que o filho era dele em momento algum eu tive duvidas.
Juiz: E ele tinha alguma duvida disso?
Testemunha: Não.
Juiz: Durante um tempo o Silviomar morou com o senhor Ramão, quanto tempo foi isso?
Testemunha: O Silviomar meu filho quando eu morava em uma casa que o Ramão tinha dado para mim, como a família dele começou a falar muita coisa, ele chegava lá e falava para mim que eles comentavam que ele não tinha que dar nada para mim, que ele era uma pessoa velha que eu estava tentando explorar ele, foi quando eu disse para ele: "tu pega e vende, eu entrego tudo para ti e tu vende a casa" e ele disse "não Solange, isso eu dei para ti". Ele me deu duas, inclusive ele construiu uma casa de material. Primeiro ele me deu uma casa de madeira e depois ele construiu uma de material. A Lurdes me visitava, quando eu fiquei grávida e depois quando eu ganhei o bebe também, ela sempre ia la em casa me ver, dava uma fugidinha e ele sempre que ia para o serviço passava para me ver, todos os dias. No final de semana ele me levava junto para o serviço com ele. Então eu ganhei o bebe, ele sempre me auxiliou, nunca deixou de estar parto.
Juiz: O Silviomar morou um tempo com o senhor Ramão, quanto tempo?
Testemunha: Morou, quando ele fez 1 ano o Ramão me disse assim: "tu vai me deixar levar o guri porque eu vou vender tudo" e eu disse que deixava porque não tinha condições de sustentar o meu filho sozinha. Ele me disse que enquanto tivesse vivo cuidaria do meu filho.
Juiz: Ele morou quantos anos na casa dele?
Testemunha: Ele tinha 3 anos quando o Ramão faleceu.
Juiz: Então ele seguiu morando lá?
Testemunha: Seguiu porque eu gostava muito da dona Nolmira, até as vezes trabalhava para ela, eu gostava muito dela.
Juiz: O Silviomar era tido como da família?
Testemunha: Como filho da dona Nolmira, tanto é que ele chama ela de mãe e eu de Solange.
Juiz: As pessoas o conhecem por qual nome?
Testemunha: Silviomar.
Juiz: Robinson não?
Testemunha: Não.
Juiz: Quando esse relacionamento esvaziou, parou de haver procura. Que idade tinha o Silviomar quando ele procurou ou foi procurado pela família do senhor Ramão.
Testemunha: Que ele parou de ir na casa, ele tinha 13 ou 14 anos. As vezes ele brigava com a Lurdes e ela dizia que ele ia lá só ara pedir, um dia ele chegou chorando em casa e disse que não iria mais lá porque ela dizia que eu ia lá só pedir e então eu disse para ele não ir mais lá.
Juiz: Se desentenderam e ele não foi mais lá?
Testemunha: Se desentenderam tipo irmãos.
Juiz: Pelo autor.
Procurador do autor: Nada mais.
Juiz: Pela sucessão de Ramão L.
Procurador do réu: A senhora disse que tinha bom relacionamento com Ramão quando estava grávida, certo?
Testemunha: Sim.
Procurador do réu: Por que ele não registrou a criança se ele tinha contato com a senhora enquanto a senhora estava grávida.
Testemunha: Porque ele disse que faria só escondido dos filhos dele porque eles não aceitavam.
Procurador do réu: Qual foi o tempo de relacionamento que vocês tiveram, a senhora e o senhor Valdoir.
Testemunha: Eu e o Valdoir éramos separados, o Ramão me tirou de onde eu morava atualmente com o Valdoir, eu já era separada dele e eu morava com o pai do Valdoir quando ele era vivo.
Procurador do réu: A senhora tem outro filho que seja do Valdoir?
Testemunha: Tenho a minha filha, eu morei 8 anos com ele depois me separei.
Procurador do réu: A sua filha mais velha?
Testemunha: Sim, a minha filha mais velha que esta aí.
Procurador do réu: O Valdoir quando aceitou essa paternidade, ele sabia que não era pai ou ele pensava que era pai do menino.
Testemunha: Ele sempre soube que ele não era o pai, ele simplesmente fez porque viu o meu filho mal, viu que o meu filho ia morrer.
Juiz: E por que ele fez isso?
Testemunha: Para eu levá-lo para o hospital, naquela época não podia sem ter certidão de nascimento.
Procurador do réu: O Ramão quando tomou conhecimento de que era pai biológico desse filho, ele sabia que o Valdoir já tinha efetuado um registro de nascimento.
Testemunha: Sabia, no mesmo dia ele foi no cartório comigo, inclusive ele disse "vou anular a certidão porque ele não é filho dele, ele é meu filho e eu não quero o nome dele".
Juiz: Pela curadora de Valdoir de O.
Procurador do réu: Nada mais.
Juiz: Nada mais.
Nesta mesma linha foram os depoimentos das demais testemunhas, fls. 222v/226.
Como bem observado pela douta Promotora de Justiça, Dra. Ana Carolina de Quadros Azambuja, em seu parecer de fls. 229/232, verbis:
"(...) Gize-se que, tanto doutrina quanto jurisprudência modernas têm privilegiado o aspecto afetivo da paternidade em detrimento do vínculo biológico, explicando a filiação não mais como fenômeno genético, mas sim social.
Deste modo, a filiação socioafetiva se sobrepõe à verdade presumida e à verdade biológica.
Nesse passo, analisando-se a prova testemunhal, verifica-se que o requerente residiu com RAMÃO até os dois anos de idade e depois passou a morar com a filha deste, até completar sete ou oito anos. Após ter ido residir com sua genitora, ainda permaneceu frequentando a casa da família LÉLIS até os seus treze, quatorze anos (fls. 218/226).
A prova testemunhal colhida nos autos demonstrou de forma bastante objetiva a existência de vínculo afetivo do menor em relação a Ramão e sua família. (...).".
E, quanto à anulação do primeiro registro de nascimento, também transcrevo os bem lançados fundamentos do aludido parecer ministerial:
"A respeito do grau de importância que é conferido à paternidade socioafetiva, citam-se os seguintes precedentes jurisprudenciais:
APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. Não obstante ter o exame de DNA afastado a paternidade, deve prevalecer a realidade socioafadva sobre a biológica, diante da relação formada entre pai e filha ao longo de anos. RECURSO DESPROVIDO (Apelação Cível N° 70007706799, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alfredo Guilherme Englert, Julgado em 18103/2004)
AGRAVO. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PENSÃO. EXAME DE DNA QUE AFASTA PATERNIDADE BIOLÓGICA. POSSIBILIDADE DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Ainda que o exame de DNA tenha afastado a paternidade biológica, de se manter o pensionamento do agravante, pois há a possibilidade de existência de paternidade socioafetiva. Necessária ampla dilação probatória. DERAM PROVIMENTO (Agravo de Instrumento N° 70007173735, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Jushça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 13/11/2003)
Quanto à possibilidade de anulação do primeiro registro de nascimento, tem-se que, diante da realidade posta nos autos, é possível acolher-se o pedido inicial.
Não se desconhece que o registro de nascimento, como ato jurídico que é, por força do que dispõe o art. 185 dc art. 171 do Código Civil, só pode ser anulado quando existente defeito: por erro (art. 138), dolo (art. 145), coação (art. 151) e estado de pehgo (art. 156), bem corno pode ser nulo nos casos previstos no art. 166 do CódIgo Civil.
Igualmente, é sabido que o ato de reconhecimento de filiação é irrevogável e irretratável, consoante a previsão do art. 1° da Lei n° 8.560192.
No caso em tela, o requerente não aponta nenhuma nulidade e tampouco qualquer vício de consentimento quando do primeiro registro do nascimento. Alegou, todavia, que VALDOIR registrou-o unicamente porque quando nasceu, precisou ser hospitalizado e o nosocômio exigiu que fosse apresentada certidão de nascimento. Assim, VALDOIR OLIVEIRA, mesmo sabendo que o requerente não era seu filho, providenciou o seu registro de nascimento, circunstância que pode enquadrar-se no chamado estado de perigo, previsto no 156 do Código Civil.
Ademais, o requerente vive desde pequeno como sendo SILVIOMAR (nome que consta no segundo registro de nascimento) e não como RAMÃO. Ainda que exista o principio da continuidade dos assentos, em se tratando de registro civil das pessoas naturais é preciso ter presente as relações afetivas. É pai aquele que cria, dá amor e participa efetivamente do desenvolvimento dos filhos, ainda que entre eles não exista vínculo biológico. Ademais, o requerente não pode permanecer para o resto da vida com duas certidões de nascimento, dois pais e dois nomes.
Assim, havendo comprovação da existência de relação socioafetiva com o pai do segundo registro, a procedência da ação é medida que se impõe."
Como se viu da prova testemunhal e depoimento do autor e da representante da Sucessão recorrente, não há dúvidas da existência da paternidade socioafetiva do autor com Ramão e, após a sua morte, com a família deste, que não fazia distinção em relação a Silviomar, que inclusive também recebeu seu quinhão hereditário com a morte do pai (fls. 14/15), o que é mais uma prova evidente da condição de filho de Ramão e que assim era reconhecido pelo demais herdeiros.
Assim, diante do somatório contextualizado das provas é que a procedência do pedido deve ser mantida, tal como constou na douta sentença recorrida. Única ressalva a douta sentença está no sentido de que, na medida que foi tornado sem efeito o 2º registro, deverá haver outro, com aqueles mesmos dados.
Isto posto, rejeito a preliminar e nego provimento ao apelo. Deverá, entretanto, ser realizado novo registro, com os dados anotados e inseridos no 2º registro, datado de 30/06/1992- fl. 09. Tudo nos termos fundamentados acima.
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. ANDRÉ LUIZ PLANELLA VILLARINHO - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES - Presidente - Apelação Cível nº 70036372647, Comarca de Camaquã: "REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."
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Notas
[1] CF. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; CF. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. CF. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010). ECA. Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. ECA. Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.
[2] Código Civil. Art. 9o Serão registrados em registro público: I - os nascimentos, casamentos e óbitos; Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.