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17 de Janeiro de 2012
Autorizada conversão de união estável homoafetiva em casamento em Bom Jesus dos Perdões
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Parecer do Ministério Público
Meritíssima Juíza
Trata-se de pedido de conversão de união estável em casamento formulado por L. DE O. e C. A. B., pessoas do mesmo sexo, as quais preencheram os requisitos formais para tanto.
Apresentaram os documentos necessários, alegando não terem impedimentos legais relacionados ao Código Civil. Possuem idade para o casamento.
É o breve relato.
Pende de solução no caso em análise, a possibilidade ou não de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Não se discute o preenchimento pelas interessadas dos requisitos de ordem objetiva presentes do Código Civil, tais como, idade núbia, além da ausência de outros impedimentos.
A questão de toque do presente pedido deve-se ao fato de que ambas as interessadas são do mesmo sexo.
Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro. VI Volume. Ed. Saraiva. São Paulo. 2.005, p. 21), doutrina que "o casamento, como todas as instituições sociais, varia com o tempo e os povos", sendo, a propósito, inúmeras as definições propostas.
É certo que o operador do direito deve ter em mente a diversidade cultural e social, promovendo a tolerância e a não discriminação.
Esclarecido tal aspecto, tem-se que um dos nortes a serem seguidos para esta convivência harmônica é a tolerância, que assume relevante papel como mediador dos conflitos existentes entre os vários grupos sociais e instrumento eficaz para uma democracia plena.
Não há impedimento a tal fato, sendo que embora se trate de questão que dê ensejo a debates, verdade é que nada impede referido pedido. Sobre o tema, estabelece a lição de Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias:
"As transformações da sociedade estão associadas a um novo discurso sobre a sexualidade, cuja base foi assentada pela Psicanálise, ensejando constar que a sexualidade se insere antes na ordem do desejo, que na genitalidade, como sempre fora tratada pelo Direito. Ante essa mudança, o pensamento contemporânea ampliou seu horizonte sobre as diversas formas de manifestação da afetividade, compreendendo as várias possibilidades de constituir-se uma família. Principia, aí a liberdade de afeto. Ou seja, a possibilidade de não se sujeitar aos modelos herdadas e ainda pastos corno lei. Ganho curso histórico a libertação dos sujeitos."
("...)
"A legislação vigente regula a família do início do século passado, constituída unicamente pelo casamento, verdadeira instituição. matrimonializada, patrimonializada, patriarcal, hierarquizada e heterossexual, ao passo que o moderno enfoque dado à família se volta muito mais à identificação dos vínculos afetivos que - enlaçando os que a integram - consolidam a sua formação."¹
O artigo 226 da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo o ser observando-se os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Este dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não tinha o legislador tido essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas.
Ora, não se pode esquecer o princípio da igualdade e sobretudo o princípio da não-discriminação, haja vista que o principio da não-discriminação constitui um dos objetivos fundamentais da República, tal como se vê no caput do art. 3° do texto constitucional.
Como bem assevera José Afonso da Silva:
"A questão mais debatida feriu-se em relação às discriminações dos homossexuais. Tentou-se introduzir uma norma que a vedasse claramente, mas não se encontrou uma expressão nítida e devidamente definida que não gerasse extrapolações inconvenientes. Uma delas fora conceder igualdade, sem discriminação de orientação sexual, reconhecendo, assim, no verdade, não apenas a igualdade, mas igualmente a liberdade de as pessoas de ambos os sexos adotarem a orientação sexual que quisessem. Teve-se receio de que esta expressão albergasse deformações prejudiciais a terceiros. Daí optar-se por vedar distinções de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação, que são suficientemente abrangentes para recolher também aqueles fatores, que têm servidos de base para desequiparação e preconceitos."²
Associado o Estado Democrático de Direito com os direitos fundamentais, associa-se facilmente tolerância com estes, a iniciar primeiramente pela imbricação histórica existente. Ademais, como bem coloca JJ. Gomes Canotilho uma das funções dos direitos fundamentais é a da "não discriminação", ensinando que:
"A partir do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade específicos consagrados na constituição, a doutrina deriva esta função primaria e básica dos direitos fundamentais: assegurar que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais. Esta junção de não discriminação abrange todos os direitos... É ainda com uma acentuada-radicalização da função antidiscriminatória dos direitos fundamentais que alguns grupos minoritários defendem a efectivação plena da igualdade plena da igualdade de direitas numa sociedade multicultural e hiperinclusiva." (Direito Constitucional e teoria da Constituição, p. 404-405).
Desta forma, considerando que o Estado Democrático de Direito e os direitos fundamentais somente atingem seus maiores potenciais em uma sociedade democrática, a tolerância e todo o conteúdo que tal conceito abarca, como mecanismo de proteção das minorias, é fundamental, pois se trata de elemento mediador, possibilitando a convivência harmônica entre diversos segmentos sociais.
Deve o Estado Democrático de Direito promover o equilíbrio dos interesses sociais, tendo como valores a serem perseguidos: o pluralismo, a tolerância, o principio da maioria, o respeito das minorias, os direitos fundamentais, a justiça e o bem comum, orientando toda a acomodação destes valores à carga principiológica contida na Constituição Federal.
Toda pessoa possui direitos e liberdades inerentes à sua condição humana. O homem, simplesmente por sua filiação à especie humana, é um sujeito de direitos, que sua existência carrega e que são descobertos e não inventados.
Nessa ordem de ideias, converter a união estável mantida pelas interessadas no pedido formulado em casamento, não faz com que se atente contra a instituição da "família" ou do próprio "casamento". Ao reverso, trata-se de adaptar o conceito aos anseios de uma nova sociedade que respeita as diferenças, fazendo com que todos possam conviver de forma menos preconceituosa.
Na esteira da explanação retro, não se pode negar à união homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável, o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Ante o exposto, o parecer é pelo deferimento do pedido.
Nazaré Paulista, 19 de dezembro de 201l.
Jacqueline Aparecida Casado Navajas
Promotora de Justiça
_______________________________
¹ (Direito de Familia e o Novo Código Civil - Ed. Del Rey: 2002 - p. vii).
² (José Afonso da Silva. Cirso de Direito Constitucional positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros editores, 2004, p. 223).
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃ0 PAULO
Comarca de Atibaia/SP
Vara Única do Foro Distrital de Nazaré Paulista
Corregedoria Permanente do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas
Rua Clementino de Almeida Passos, 35 - Vicente Nunes - Nazaré Paulista/SP
Fone nº. (11) 4597-3576
Vistos.
L. de O. e C. A. A., ambas do sexo feminino, demais qualificações nos autos, protocolaram pedido de conversão de união estável em casamento.
Instruíram o pedido com escritura pública lavrada em 04/11/2011, perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas de Bom Jesus dos Perdões (livro nº. 171, fls.274), onde declararam viver em união estável há mais de 10 (dez) anos.
Foi publicado edital e cumpridas todas as formalidades legas para habilitação a casamento, não havendo impugnações.
O pedido foi instruído com declaração de duas testemunhas, no sentido de que
as requerentes "não são parentes entre si, em grau proibido por lei, nem possuem qualquer outro impedimento que os iniba de casar".
O Ministério Público ofertou parecer favorável ao pedido.
É o relatório do necessário. Fundamento e decido.
Preliminarmente, observa-se que, conforme pedido expresso das autoras, pretendem a conversão de alegada união estável em casamento como permite e prevê o art. 226, § 3°, parte final, da Constituição Federal, e o art. 1.726 do Código Civil.
Regulamentando tais dispositivos constitucionais e legais, a Corregedoria Geral da Justiça do São Paulo, em suas Normas de Serviço (Tomo II, Capitulo XVII, Seção V, Subseção IV, art. 135), assim disciplinou o procedimento de conversão da união estável em casamento:
"87. A conversão da união estável em casamento deverá ser requerida pelos conviventes perante o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de seu domicílio. (Nota 2: Prov. CGJ 25/2005).
87.1. Recebido o requerimento, será iniciado o processo de habilitação previsto nos itens 52 a 74 deste capítulo, devendo constar dos editais que se trata de conversão de união estável em casamento. (Nota 3: Prov. CGJ 25/2005).
87.2. Decorrido o prazo legal do edital, os autos serão encaminhados ao Juiz Corregedor Permanente, salvo se este houver editado portaria nos moldes previstos no item 66 supra. (Nota 4: Provs. CGJ 25/2005 e 14/2006).
87.3. Estando em termos o pedido, será lavrado o assento da conversão da união estável em casamento, independentemente de qualquer solenidade, prescindindo o ato da celebração do matrimônio. (Nota 5: Provs. CGJ 25/2005 e 14/2006).
87.4. O assento da conversão da união estável em casamento será lavrado no Livro "B", exarando-se o determinado no item 81 deste Capitulo, sem a indicação da data da celebração, do nome e assinatura do presidente do ato, dos conviventes e das testemunhas, cujos espaços próprios deverão ser inutilizados, anotando-se no respectivo termo que se trata de conversão de união estável em casamento. (Nota 5: Prov. CGI 25/2005).
BLOCO DE ATUALIZAÇAO N° 23 - CAP. XVII - 31
87.5. A conversão da união estável dependerá da superação dos impedimentos legais para o casamento, sujeitando-se à adoção do regime matrimonial de bens, na forma e segundo os preceitos da lei civil. (Nota 1: Prov. CGJ 25/2005).
87.6. Não constará do assento de casamento convertido a partir da união estável, em nenhuma hipótese, a data do inicio, período ou duração desta. (Nota 2: Prov. CGJ 25/2005)".
Resumindo-se, verifica-se que o casamento civil tradicional difere do casamento por conversão de união estável apenas pela substituição do ato solene da celebração, presidido pelo "juiz de paz", pela homologação, realizada pelo Juiz de Direito responsável pela Corregedoria Permanente do Registro Civil das Pessoas Naturais da comarca.
No mérito, cumpridas todas as formalidades legais, a questão que se coloca para análise é a possibilidade ou não de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o que se passa a apreciar.
O maior e mais repetido princípio da Constituição da República Federativa do Brasil é o da igualdade.
A mesma constituição elegeu a "dignidade da pessoa humana" como um de seus "fundamentos" (art. 1°, inciso III), e declarou que o Brasil tem como "objetivos fundamentais" a construção de "uma sociedade livre, justa e solidária", bem como "promover o bem de todos, SEM PRECONCEITOS de origem, raça, SEXO, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3°, incisos I e IV).
Também determina a Constituição Federal que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" e que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição" (art. 5°, inciso I).
Mais à frente, no Título "Da Ordem Social", a Lei Maior afirma que "a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado" (art. 226, caput).
Sobre o casamento, a Constituição Federal dispõe que o mesmo "é civil e gratuita a celebração" (art. 226, § 1°), acrescentando que "o casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei" (art. 226, § 1°), e que o casamento "pode ser dissolvido pelo divórcio" (art. 226, § 6°, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 66, de 13/07/2010).
A Constituição Federal também declara que "para efeito do proteção do Estado, é reconhecida a união estável (..) como entidade familiar DEVENDO A LEI FACILITAR SUA CONVERSÃO EM CASAMENTO", e que "entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes" (art. 226, §§ 3° e 4°).
Em harmonia com o princípio da igualdade, nossa Lei Maior enfatiza que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidas igualmente pelo homem e pela mulher" (art. 226, § 5°).
Aqui cabe abrir parêntesis para alertar que tal dispositivo não necessariamente declara que casamento existe apenas entre homem e mulher, até porque "sociedade conjugal" não é "casamento", sendo certo que a primeira sempre pôde ser dissolvida pela "separação" (de fato, judicial e mais recentemente também extrajudicial), e o segundo somente é dissolvido pelo "divórcio".
Contudo, aparentemente rompendo todo esse contexto de ênfase no principio da igualdade, a Constituição da República Federativa do Brasil, ao mencionar a união estável em seu art. 226, § 3°, assim se pronunciou: "é reconhecida a união estável entre o homem e a m como entidade familiar" (art. 226, §§ 3°).
Mais de duas décadas passadas desde 05/10/1988, quando foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, e já se ingressando na segunda década do Século XXI, é público e notório que milhares de pessoas do mesmo sexo (homens e homens; mulheres e mulheres), compartilham a vida juntos como se casados fossem.
A ausência de respaldo jurídico a tal realidade social causou inúmeros prejuízos e injustiças, desde o não reconhecimento do direito à sucessão, passando pela ausência da presunção legal de esforço comum no patrimônio constituído, até a ausência de direitos sociais, como a pensão previdenciária por morte.
Nesse contexto, tramitava perante o Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF n°. 178 (conhecida como a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI n°. 4277), ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, objetivando a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pedia-se, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Também estava em trâmite a ADPF nº. 132, onde o Estado do Rio de Janeiro alegava que o não reconhecimento da união homoafetiva contrariava preceitos fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da Constituição Federal, e pediu que o STF aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro.
Foi nesse contexto que no dia 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de tais ações, tendo como relator o Exmo. Ministro Ayres Britto, reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, dando interpretação conforme a Constituição Federal, para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Na ocasião, o Exmo. Ministro Ayres Britto foi seguido pelos Exmos. Ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como Exma. Ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie - decorrendo votação unânime dos presentes.
Tal julgamento, nos termos do art. 102, § 2°, da Constituição Federal, possui "eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal".
No caso concreto, aplica-se a conhecida fórmula jurídica romana, segundo a qual "onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito" ("ubi eadem ratio, ibi eadem jus"). Desta forma, os fundamentos de tal julgamento, ainda que sem o dito efeito vinculante, certamente são aplicáveis ao instituto de direito civil denominado casamento, inclusive ao mencionado art. 226, § 5°, da Constituição Federal - o que apenas não foi declarado no mencionado precedente histórico do STF, provavelmente porque não era objeto dos pedidos das ações em análise.
Os prováveis entraves a tal entendimento podem advir de discriminação e/ou de convicções religiosas.
Mas o Estado Brasileiro, do qual o Judiciário e um dos Poderes, repudia constitucionalmente a discriminação e é laico, ou seja, não vinculado a qualquer religião ou organização religiosa.
É bom e necessário que assim seja, pois alguns dogmas ou orientações religiosas muitas vezes se chocam com princípios e garantias da Constituição da República Federativa do Brasil.
A discriminação (ou preconceito) contra homossexuais decorre normalmente de equívoco sobre a origem "psíquica" do homossexualismo, e de dogmas ou orientações religiosas.
O equívoco de origem "psíquica" é a crença que o homossexualismo e suas variantes (transexualismo etc.) ou a união homoafetiva constituem simples opção sexual.
Tal premissa parece equivocada, porque o fenômeno pelo qual um homem ou uma mulher se sente atraído(a) por pessoa do mesmo sexo, a ponto às vezes de repudiar contato intimo com pessoa do sexo oposto, não se mostra como uma opção. Tudo indica tratar-se de uma característica individual de determinados seres humanos, tão independente da vontade quanto a cor do cabelo, da pele, o caráter, as aptidões etc.
De fato, se no mundo ainda vige forte preconceito contra tais pessoas, e se elas
têm de passar por sofrimentos internos, familiares e sociais para se reconhecerem para elas próprias e publicamente com homossexuais - às vezes pagando com a própria vida -, parece que, se pudessem escolher, optariam pela conduta socialmente mais aceita e tida como "normal".
O dogma ou orientação religiosa que de forma mais marcante se opõe ao casamento entre pessoas do mesmo sexo é a colocação da relação sexual procriadora como principal elemento ou requisito essencial do casamento.
Ocorre que o motivo maior de uma união humana é - ou deveria ser - o Amor, até porque este é pregado pela maioria das religiões, principalmente as cristãs, como o valor e a virtude máxima e fundamental.
Fosse de outra forma, muitas religiões não poderiam aprovar casamentos entre pessoas de sexos opostos que não podem ter filhos. E se assim agem, parecem afrontar a Lei Cristã do Amor, e prejudicam a formação da entidade familiar ou família, que é a base da sociedade.
Por outro enfoque, muitos se preocupam com o potencial envolvimento de crianças ou adolescentes na entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo. Mas, se esquecem que a falta de planejamento familiar, da qual decorre a geração de crianças sem condições mínimas de sustento e educação, bem como atos abomináveis, como, por exemplo, a remessa de recém nascidos em latas de lixo ou o assassinato dos próprios filhos, são diariamente protagonizados por "casais" de sexos opostos ditos "normais" e/ou por pessoas heterossexuais.
O Brasil, entre outras conhecidas mazelas, é palco da falência da segurança pública, das fronteiras sem controle, da disseminação descontrolada das drogas, da endêmica corrupção, e possui a maior carga tributária, a pior distribuição dos tributos arrecadados e o trânsito que mais mata do planeta Terra.
Assim, pode-se afirmar que no Brasil há situações de fato e de direito muito mais graves para se preocupar, que com a vida de dois seres humanos desejosos de paz e felicidade ao seu modo, sem infringir direitos de ninguém.
Finalmente, cabe anotar que no último dia 17 de junho de 2011, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução histórica destinada a promover a igualdade dos seres humanos, sem distinção de orientação sexual. A resolução, que teve aprovação do Brasil, embora sem ações afirmativas, dispõe que "todos os seres humanos nascem livres e iguais na que diz respeita a sua dignidade e cada um pode se beneficiar do conjunto de direitos e liberdades sem nenhuma distinção".
Por todo o exposto, HOMOLOGO a disposição de vontades declarada pelas requerentes do presente procedimento, para CONVERTER em CASAMENTO, pelo regime escolhido da comunhão universal de bens, a união estável havida entre elas - as quais, por força deste casamento, passam a se chamar respectivamente "L. DE O. B." e "C. A. DE O. B.".
Tratando-se esta sentença de ato judicial que substitui a celebração, a mesma tem efeitos imediatos. Assim, lavre-se o registro de casamento e providencie-se o necessário às averbações nos registros dos nascimentos das partes.
No mais, nada sendo requerido em 30 (trinta) dias, arquivem-se os autos.
P.R.I. Ciência ao Ministério Público.
Nazaré Paulista de janeiro de 2012.
Fernanda Silva Gonçalves
Juíza de Direito
Parecer do Ministério Público
Meritíssima Juíza
Trata-se de pedido de conversão de união estável em casamento formulado por L. DE O. e C. A. B., pessoas do mesmo sexo, as quais preencheram os requisitos formais para tanto.
Apresentaram os documentos necessários, alegando não terem impedimentos legais relacionados ao Código Civil. Possuem idade para o casamento.
É o breve relato.
Pende de solução no caso em análise, a possibilidade ou não de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Não se discute o preenchimento pelas interessadas dos requisitos de ordem objetiva presentes do Código Civil, tais como, idade núbia, além da ausência de outros impedimentos.
A questão de toque do presente pedido deve-se ao fato de que ambas as interessadas são do mesmo sexo.
Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro. VI Volume. Ed. Saraiva. São Paulo. 2.005, p. 21), doutrina que "o casamento, como todas as instituições sociais, varia com o tempo e os povos", sendo, a propósito, inúmeras as definições propostas.
É certo que o operador do direito deve ter em mente a diversidade cultural e social, promovendo a tolerância e a não discriminação.
Esclarecido tal aspecto, tem-se que um dos nortes a serem seguidos para esta convivência harmônica é a tolerância, que assume relevante papel como mediador dos conflitos existentes entre os vários grupos sociais e instrumento eficaz para uma democracia plena.
Não há impedimento a tal fato, sendo que embora se trate de questão que dê ensejo a debates, verdade é que nada impede referido pedido. Sobre o tema, estabelece a lição de Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias:
"As transformações da sociedade estão associadas a um novo discurso sobre a sexualidade, cuja base foi assentada pela Psicanálise, ensejando constar que a sexualidade se insere antes na ordem do desejo, que na genitalidade, como sempre fora tratada pelo Direito. Ante essa mudança, o pensamento contemporânea ampliou seu horizonte sobre as diversas formas de manifestação da afetividade, compreendendo as várias possibilidades de constituir-se uma família. Principia, aí a liberdade de afeto. Ou seja, a possibilidade de não se sujeitar aos modelos herdadas e ainda pastos corno lei. Ganho curso histórico a libertação dos sujeitos."
("...)
"A legislação vigente regula a família do início do século passado, constituída unicamente pelo casamento, verdadeira instituição. matrimonializada, patrimonializada, patriarcal, hierarquizada e heterossexual, ao passo que o moderno enfoque dado à família se volta muito mais à identificação dos vínculos afetivos que - enlaçando os que a integram - consolidam a sua formação."¹
O artigo 226 da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo o ser observando-se os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Este dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não tinha o legislador tido essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas.
Ora, não se pode esquecer o princípio da igualdade e sobretudo o princípio da não-discriminação, haja vista que o principio da não-discriminação constitui um dos objetivos fundamentais da República, tal como se vê no caput do art. 3° do texto constitucional.
Como bem assevera José Afonso da Silva:
"A questão mais debatida feriu-se em relação às discriminações dos homossexuais. Tentou-se introduzir uma norma que a vedasse claramente, mas não se encontrou uma expressão nítida e devidamente definida que não gerasse extrapolações inconvenientes. Uma delas fora conceder igualdade, sem discriminação de orientação sexual, reconhecendo, assim, no verdade, não apenas a igualdade, mas igualmente a liberdade de as pessoas de ambos os sexos adotarem a orientação sexual que quisessem. Teve-se receio de que esta expressão albergasse deformações prejudiciais a terceiros. Daí optar-se por vedar distinções de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação, que são suficientemente abrangentes para recolher também aqueles fatores, que têm servidos de base para desequiparação e preconceitos."²
Associado o Estado Democrático de Direito com os direitos fundamentais, associa-se facilmente tolerância com estes, a iniciar primeiramente pela imbricação histórica existente. Ademais, como bem coloca JJ. Gomes Canotilho uma das funções dos direitos fundamentais é a da "não discriminação", ensinando que:
"A partir do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade específicos consagrados na constituição, a doutrina deriva esta função primaria e básica dos direitos fundamentais: assegurar que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais. Esta junção de não discriminação abrange todos os direitos... É ainda com uma acentuada-radicalização da função antidiscriminatória dos direitos fundamentais que alguns grupos minoritários defendem a efectivação plena da igualdade plena da igualdade de direitas numa sociedade multicultural e hiperinclusiva." (Direito Constitucional e teoria da Constituição, p. 404-405).
Desta forma, considerando que o Estado Democrático de Direito e os direitos fundamentais somente atingem seus maiores potenciais em uma sociedade democrática, a tolerância e todo o conteúdo que tal conceito abarca, como mecanismo de proteção das minorias, é fundamental, pois se trata de elemento mediador, possibilitando a convivência harmônica entre diversos segmentos sociais.
Deve o Estado Democrático de Direito promover o equilíbrio dos interesses sociais, tendo como valores a serem perseguidos: o pluralismo, a tolerância, o principio da maioria, o respeito das minorias, os direitos fundamentais, a justiça e o bem comum, orientando toda a acomodação destes valores à carga principiológica contida na Constituição Federal.
Toda pessoa possui direitos e liberdades inerentes à sua condição humana. O homem, simplesmente por sua filiação à especie humana, é um sujeito de direitos, que sua existência carrega e que são descobertos e não inventados.
Nessa ordem de ideias, converter a união estável mantida pelas interessadas no pedido formulado em casamento, não faz com que se atente contra a instituição da "família" ou do próprio "casamento". Ao reverso, trata-se de adaptar o conceito aos anseios de uma nova sociedade que respeita as diferenças, fazendo com que todos possam conviver de forma menos preconceituosa.
Na esteira da explanação retro, não se pode negar à união homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável, o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Ante o exposto, o parecer é pelo deferimento do pedido.
Nazaré Paulista, 19 de dezembro de 201l.
Jacqueline Aparecida Casado Navajas
Promotora de Justiça
_______________________________
¹ (Direito de Familia e o Novo Código Civil - Ed. Del Rey: 2002 - p. vii).
² (José Afonso da Silva. Cirso de Direito Constitucional positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros editores, 2004, p. 223).
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃ0 PAULO
Comarca de Atibaia/SP
Vara Única do Foro Distrital de Nazaré Paulista
Corregedoria Permanente do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas
Rua Clementino de Almeida Passos, 35 - Vicente Nunes - Nazaré Paulista/SP
Fone nº. (11) 4597-3576
Vistos.
L. de O. e C. A. A., ambas do sexo feminino, demais qualificações nos autos, protocolaram pedido de conversão de união estável em casamento.
Instruíram o pedido com escritura pública lavrada em 04/11/2011, perante o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas de Bom Jesus dos Perdões (livro nº. 171, fls.274), onde declararam viver em união estável há mais de 10 (dez) anos.
Foi publicado edital e cumpridas todas as formalidades legas para habilitação a casamento, não havendo impugnações.
O pedido foi instruído com declaração de duas testemunhas, no sentido de que
as requerentes "não são parentes entre si, em grau proibido por lei, nem possuem qualquer outro impedimento que os iniba de casar".
O Ministério Público ofertou parecer favorável ao pedido.
É o relatório do necessário. Fundamento e decido.
Preliminarmente, observa-se que, conforme pedido expresso das autoras, pretendem a conversão de alegada união estável em casamento como permite e prevê o art. 226, § 3°, parte final, da Constituição Federal, e o art. 1.726 do Código Civil.
Regulamentando tais dispositivos constitucionais e legais, a Corregedoria Geral da Justiça do São Paulo, em suas Normas de Serviço (Tomo II, Capitulo XVII, Seção V, Subseção IV, art. 135), assim disciplinou o procedimento de conversão da união estável em casamento:
"87. A conversão da união estável em casamento deverá ser requerida pelos conviventes perante o Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais de seu domicílio. (Nota 2: Prov. CGJ 25/2005).
87.1. Recebido o requerimento, será iniciado o processo de habilitação previsto nos itens 52 a 74 deste capítulo, devendo constar dos editais que se trata de conversão de união estável em casamento. (Nota 3: Prov. CGJ 25/2005).
87.2. Decorrido o prazo legal do edital, os autos serão encaminhados ao Juiz Corregedor Permanente, salvo se este houver editado portaria nos moldes previstos no item 66 supra. (Nota 4: Provs. CGJ 25/2005 e 14/2006).
87.3. Estando em termos o pedido, será lavrado o assento da conversão da união estável em casamento, independentemente de qualquer solenidade, prescindindo o ato da celebração do matrimônio. (Nota 5: Provs. CGJ 25/2005 e 14/2006).
87.4. O assento da conversão da união estável em casamento será lavrado no Livro "B", exarando-se o determinado no item 81 deste Capitulo, sem a indicação da data da celebração, do nome e assinatura do presidente do ato, dos conviventes e das testemunhas, cujos espaços próprios deverão ser inutilizados, anotando-se no respectivo termo que se trata de conversão de união estável em casamento. (Nota 5: Prov. CGI 25/2005).
BLOCO DE ATUALIZAÇAO N° 23 - CAP. XVII - 31
87.5. A conversão da união estável dependerá da superação dos impedimentos legais para o casamento, sujeitando-se à adoção do regime matrimonial de bens, na forma e segundo os preceitos da lei civil. (Nota 1: Prov. CGJ 25/2005).
87.6. Não constará do assento de casamento convertido a partir da união estável, em nenhuma hipótese, a data do inicio, período ou duração desta. (Nota 2: Prov. CGJ 25/2005)".
Resumindo-se, verifica-se que o casamento civil tradicional difere do casamento por conversão de união estável apenas pela substituição do ato solene da celebração, presidido pelo "juiz de paz", pela homologação, realizada pelo Juiz de Direito responsável pela Corregedoria Permanente do Registro Civil das Pessoas Naturais da comarca.
No mérito, cumpridas todas as formalidades legais, a questão que se coloca para análise é a possibilidade ou não de casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o que se passa a apreciar.
O maior e mais repetido princípio da Constituição da República Federativa do Brasil é o da igualdade.
A mesma constituição elegeu a "dignidade da pessoa humana" como um de seus "fundamentos" (art. 1°, inciso III), e declarou que o Brasil tem como "objetivos fundamentais" a construção de "uma sociedade livre, justa e solidária", bem como "promover o bem de todos, SEM PRECONCEITOS de origem, raça, SEXO, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3°, incisos I e IV).
Também determina a Constituição Federal que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" e que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição" (art. 5°, inciso I).
Mais à frente, no Título "Da Ordem Social", a Lei Maior afirma que "a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado" (art. 226, caput).
Sobre o casamento, a Constituição Federal dispõe que o mesmo "é civil e gratuita a celebração" (art. 226, § 1°), acrescentando que "o casamento religioso tem efeito civil nos termos da lei" (art. 226, § 1°), e que o casamento "pode ser dissolvido pelo divórcio" (art. 226, § 6°, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 66, de 13/07/2010).
A Constituição Federal também declara que "para efeito do proteção do Estado, é reconhecida a união estável (..) como entidade familiar DEVENDO A LEI FACILITAR SUA CONVERSÃO EM CASAMENTO", e que "entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes" (art. 226, §§ 3° e 4°).
Em harmonia com o princípio da igualdade, nossa Lei Maior enfatiza que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidas igualmente pelo homem e pela mulher" (art. 226, § 5°).
Aqui cabe abrir parêntesis para alertar que tal dispositivo não necessariamente declara que casamento existe apenas entre homem e mulher, até porque "sociedade conjugal" não é "casamento", sendo certo que a primeira sempre pôde ser dissolvida pela "separação" (de fato, judicial e mais recentemente também extrajudicial), e o segundo somente é dissolvido pelo "divórcio".
Contudo, aparentemente rompendo todo esse contexto de ênfase no principio da igualdade, a Constituição da República Federativa do Brasil, ao mencionar a união estável em seu art. 226, § 3°, assim se pronunciou: "é reconhecida a união estável entre o homem e a m como entidade familiar" (art. 226, §§ 3°).
Mais de duas décadas passadas desde 05/10/1988, quando foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, e já se ingressando na segunda década do Século XXI, é público e notório que milhares de pessoas do mesmo sexo (homens e homens; mulheres e mulheres), compartilham a vida juntos como se casados fossem.
A ausência de respaldo jurídico a tal realidade social causou inúmeros prejuízos e injustiças, desde o não reconhecimento do direito à sucessão, passando pela ausência da presunção legal de esforço comum no patrimônio constituído, até a ausência de direitos sociais, como a pensão previdenciária por morte.
Nesse contexto, tramitava perante o Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF n°. 178 (conhecida como a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI n°. 4277), ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, objetivando a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Pedia-se, também, que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis fossem estendidos aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Também estava em trâmite a ADPF nº. 132, onde o Estado do Rio de Janeiro alegava que o não reconhecimento da união homoafetiva contrariava preceitos fundamentais como igualdade, liberdade (da qual decorre a autonomia da vontade) e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos da Constituição Federal, e pediu que o STF aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro.
Foi nesse contexto que no dia 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de tais ações, tendo como relator o Exmo. Ministro Ayres Britto, reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, dando interpretação conforme a Constituição Federal, para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Na ocasião, o Exmo. Ministro Ayres Britto foi seguido pelos Exmos. Ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, bem como Exma. Ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie - decorrendo votação unânime dos presentes.
Tal julgamento, nos termos do art. 102, § 2°, da Constituição Federal, possui "eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal".
No caso concreto, aplica-se a conhecida fórmula jurídica romana, segundo a qual "onde há a mesma razão, aplica-se o mesmo direito" ("ubi eadem ratio, ibi eadem jus"). Desta forma, os fundamentos de tal julgamento, ainda que sem o dito efeito vinculante, certamente são aplicáveis ao instituto de direito civil denominado casamento, inclusive ao mencionado art. 226, § 5°, da Constituição Federal - o que apenas não foi declarado no mencionado precedente histórico do STF, provavelmente porque não era objeto dos pedidos das ações em análise.
Os prováveis entraves a tal entendimento podem advir de discriminação e/ou de convicções religiosas.
Mas o Estado Brasileiro, do qual o Judiciário e um dos Poderes, repudia constitucionalmente a discriminação e é laico, ou seja, não vinculado a qualquer religião ou organização religiosa.
É bom e necessário que assim seja, pois alguns dogmas ou orientações religiosas muitas vezes se chocam com princípios e garantias da Constituição da República Federativa do Brasil.
A discriminação (ou preconceito) contra homossexuais decorre normalmente de equívoco sobre a origem "psíquica" do homossexualismo, e de dogmas ou orientações religiosas.
O equívoco de origem "psíquica" é a crença que o homossexualismo e suas variantes (transexualismo etc.) ou a união homoafetiva constituem simples opção sexual.
Tal premissa parece equivocada, porque o fenômeno pelo qual um homem ou uma mulher se sente atraído(a) por pessoa do mesmo sexo, a ponto às vezes de repudiar contato intimo com pessoa do sexo oposto, não se mostra como uma opção. Tudo indica tratar-se de uma característica individual de determinados seres humanos, tão independente da vontade quanto a cor do cabelo, da pele, o caráter, as aptidões etc.
De fato, se no mundo ainda vige forte preconceito contra tais pessoas, e se elas
têm de passar por sofrimentos internos, familiares e sociais para se reconhecerem para elas próprias e publicamente com homossexuais - às vezes pagando com a própria vida -, parece que, se pudessem escolher, optariam pela conduta socialmente mais aceita e tida como "normal".
O dogma ou orientação religiosa que de forma mais marcante se opõe ao casamento entre pessoas do mesmo sexo é a colocação da relação sexual procriadora como principal elemento ou requisito essencial do casamento.
Ocorre que o motivo maior de uma união humana é - ou deveria ser - o Amor, até porque este é pregado pela maioria das religiões, principalmente as cristãs, como o valor e a virtude máxima e fundamental.
Fosse de outra forma, muitas religiões não poderiam aprovar casamentos entre pessoas de sexos opostos que não podem ter filhos. E se assim agem, parecem afrontar a Lei Cristã do Amor, e prejudicam a formação da entidade familiar ou família, que é a base da sociedade.
Por outro enfoque, muitos se preocupam com o potencial envolvimento de crianças ou adolescentes na entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo. Mas, se esquecem que a falta de planejamento familiar, da qual decorre a geração de crianças sem condições mínimas de sustento e educação, bem como atos abomináveis, como, por exemplo, a remessa de recém nascidos em latas de lixo ou o assassinato dos próprios filhos, são diariamente protagonizados por "casais" de sexos opostos ditos "normais" e/ou por pessoas heterossexuais.
O Brasil, entre outras conhecidas mazelas, é palco da falência da segurança pública, das fronteiras sem controle, da disseminação descontrolada das drogas, da endêmica corrupção, e possui a maior carga tributária, a pior distribuição dos tributos arrecadados e o trânsito que mais mata do planeta Terra.
Assim, pode-se afirmar que no Brasil há situações de fato e de direito muito mais graves para se preocupar, que com a vida de dois seres humanos desejosos de paz e felicidade ao seu modo, sem infringir direitos de ninguém.
Finalmente, cabe anotar que no último dia 17 de junho de 2011, o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou uma resolução histórica destinada a promover a igualdade dos seres humanos, sem distinção de orientação sexual. A resolução, que teve aprovação do Brasil, embora sem ações afirmativas, dispõe que "todos os seres humanos nascem livres e iguais na que diz respeita a sua dignidade e cada um pode se beneficiar do conjunto de direitos e liberdades sem nenhuma distinção".
Por todo o exposto, HOMOLOGO a disposição de vontades declarada pelas requerentes do presente procedimento, para CONVERTER em CASAMENTO, pelo regime escolhido da comunhão universal de bens, a união estável havida entre elas - as quais, por força deste casamento, passam a se chamar respectivamente "L. DE O. B." e "C. A. DE O. B.".
Tratando-se esta sentença de ato judicial que substitui a celebração, a mesma tem efeitos imediatos. Assim, lavre-se o registro de casamento e providencie-se o necessário às averbações nos registros dos nascimentos das partes.
No mais, nada sendo requerido em 30 (trinta) dias, arquivem-se os autos.
P.R.I. Ciência ao Ministério Público.
Nazaré Paulista de janeiro de 2012.
Fernanda Silva Gonçalves
Juíza de Direito