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09 de Novembro de 2005

A cremação e o direito

Por José Carlos Teixeira Giorgis,
desembargador aposentado do TJRS.

Os atos de sepultamento constituem cerimônia aflitiva, mas a cremação não fica também desprovida de emoção e dor, principalmente quando o esquife resvala em roldanas para compartimento desconhecido, ao som da música predileta de quem vai resolver o grande enigma da existência.

O processo de incineração do cadáver era conhecido há séculos entre os palestinos, segundo referências bíblicas, e também adotado por etruscos, gregos, romanos, indianos e japoneses, mas sem apreço dos chineses que anseiam ser inumados no solo de sua pátria; sofreu mitigação entre os europeus pelo credo da imortalidade da alma e da ressurreição dos mortos, influenciado pela doutrina cristã.

Consta que o primeiro crematório foi instalado na Inglaterra em 1874 por Sir Henry Thompson, obtendo seu reconhecimento após refrega judicial intentada por um pai que buscava a autorização; logo o Santo Ofício editou provimento proibindo que os fiéis ordenassem a cremação de seus restos, notadamente por que a mesma era incentivada pela maçonaria, culminando em privar da sepultura e da extrema-unção os que assim agissem.

O anátema se estendeu aos suicidas, às mortes oriundas de duelos, aos apóstatas, aos hereges, aos cismáticos e aos pecadores manifestos, mas a reprovação foi abrandada pelo Código Canônico vigente que admite a concessão dos ritos das exéquias aos cristãos que tenham optado pela calcinação, salvo se os motivos dela forem contrários às regras cristãs, embora a preferência seja o enterro como do Senhor.

O judaísmo veda a cremação, o embalsamamento ou mausoléu, e insiste em depor o corpo na terra em caixão de madeira, pois a alma sofre com a separação de seu invólucro, o que suaviza com a lenta desintegração da matéria; além de que se preserva um osso do pescoço (osso luz) que jamais se decompõe, ensejando a reconstrução futura.

Para Kardec, a separação da alma se verifica de modo gradativo, desprendendo-se aos poucos ou de maneira mais rápida, segundo a elevação pessoal, motivo por que os espíritas propugnam um espaço de três dias entre o desenlace e a cremação, período em que os despojos permaneçam em câmara frigorífica, mas recomendado o sepultamento.

Embora a legislação civil declare que a existência da pessoa natural termina com a morte (CC, artigo 10), é sabido que o respeito aos mortos se constitui em direito fundamental, motivo por que é punido quem destrói, subtrai ou oculta cadáver ou parte dele, bem como o vilipendie ou suas cinzas (CP, artigos 211 e 212), aqui se encontrando a base legal da incineração dos resíduos.

Por outro lado, a Lei dos Registros Públicos alude que a cremação somente será feita se houver prévia manifestação de quem dela for objeto ou interesse da saúde pública e se o atestado de óbito for firmado por dois médicos ou por um legista; no caso de morte violenta, somente depois da chancela da autoridade judiciária (LRP, artigo 77, § 2º).

Alinham-se, pois, os seguintes requisitos: a) inexistência de dúvida sobre a causa da morte, nem suspeita de crime; b) atestado subscrito por dois médicos ou por um legista; c) vontade, manifestada em vida, do desejo de ser cremado; d) ocorrência de epidemia ou calamidade pública, por recomendação dos órgãos sanitários; e) desejo da família, se o finado assim não se opôs quando vivo; f) autorização judicial, em caso de morte violenta, quando houve demonstração de simpatia com o ato, em vida.

A competência legislativa para o procedimento crematório é do município

Fonte: Espaço Vital

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