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28 de Setembro de 2003
Decisão do MM. Juiz da 2.ª Vara de Registros Públicos da Capital orienta quanto ao prazo de 180 dias para o registro do casamento de brasileiro realizado no estrangeiro
Leia a íntegra da decisão proferida pelo MM. Juiz da 2.ª Vara de Registros Públicos nos autos CP 777/03-RC, de interesse da Oficial de RCPN do 1.º Subdistrito da Capital - Sé, interpretando o artigo 1.544 do vigente Código Civil:
"Cuida-se de expediente instaurado pela Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do 1.º Subdistrito - Sé, Capital, de interesse de Gleyse Yuriko Goya, relacionado com a transcrição de seu casamento com Reinaldo Seigi Yiagui, realizado em 21 de novembro de 1.995, em Kamisatomachi, Kodama-gun, Província de Saitama, Japão.
Busca a Sra. Oficial orientação para a lavratura, ou não, do ato, tendo em vista o teor do artigo 1.544 do Código Civil, que estabelece o prazo de cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, para a regularização do registro, cujo prazo estaria ultrapassado, na consideração de que a interessada declarou que seu retorno ao país ocorreu em 07 de novembro de 2.000.
A inicial veio instruída com os documentos de fls. 03/11.
O representante do Ministério Público ofereceu manifestação (fls. 13/14), opinando pela transcrição pretendida.
É o breve relatório
DECIDO
Questiona-se, na hipótese, tão somente, o tema relativo ao prazo legal de 180 (cento e oitenta) dias para o registro de casamento celebrado no estrangeiro, a que se refere o artigo 1.544 do atual Código Civil.
Na legislação anterior, a limitação temporal não era prevista, prestando-se, portanto, à formulação da consulta, nos termos deduzidos pela diligente Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do 1.º Subdistrito da Capital.
O prazo mencionado não se reveste de força decadencial, tampouco acarreta a consequência da perempção, pois é certo que o legislador civil não cogitou de qualquer modalidade de prescrição nesse particular. Não se cuida de prazo fatal e improrrogável. Muito menos, de prazo extintivo de direito, que não teria sentido, na matéria.
Na verdade, o ordenamento normativo é silente sobre a consequência da inobservância do aludido prazo, sendo induvidoso que não cominou qualquer penalidade pela infração de ordem temporal.
Aliás, a fixação de prazo não se afigura como imposição compulsória incontornável, explicando-se, apenas, como cautela de publicidade da situação matrimonial, em breve espaço de tempo, no país, na hipótese do preceito legal mencionado, que, se descumprido, não gera a consequência do impedimento do registro pretendido.
Não se justificaria a prevalência do óbice oposto, salvo no que se refere ao reconhecimento jurídico dos efeitos do casamento contraído no exterior, que não teria eficácia no Brasil, enquanto não fosse objeto do registro necessário para esse fim. Vale dizer, o cumprimento de condição suspensiva.
É sabido que essa orientação, por sinal perfilhada pelo ilustre representante do Ministério Público, quanto à inexistência de preceito cominativo, na espécie, conta com posição contrária na doutrina, como se vê da opinião de Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk (Código Civil Comentado, Coordenador Álvaro Villaça Azevedo, ed. Atlas, 2.003, p. 140).
Sustentam os referidos autores que, "embora a regra silencie, podem-se reputar os 180 dias como o período dentro no qual é possível oferecer eficácia, em território nacional, ao casamento realizado no exterior pelas autoridades consulares. A perda do prazo ensejará a necessidade de habilitação em território nacional para que seja possível realizar o registro no prazo de eficácia do certificado de habilitação" (op. cit., p. 141).
Essa ilação não decorre do texto legal, mas da mente do intérprete, não merecendo a chancela judicial.
Ainda que se invocasse a prevalência do pensamento do legislador, seria necessário lembrar que "a lei não brota do cérebro do seu elaborador, completa, perfeita, como um ato de vontade independente, espontâneo", conforme o magistério de Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito, ed. Freitas Bastos, 1.951, p. 34), que não perdeu atualidade.
O renomado jurista adverte: "se descerem a exumar o pensamento do legislador, perder-se-ão em um báratro de dúvidas maiores ainda e mais inextricáveis do que as resultantes do contexto" (op. cit. p. 39), acrescentando "a lei é a expressão da vontade do Estado, e esta persiste autônoma, independente de complexo de pensamentos e tendências que animaram as pessoas cooperantes na sua emanação", com ênfase para a afirmação de que "a lei não é o que o legislador quis, nem o que pretendeu exprimir, e, sim, o que exprimiu de fato", ressaltando que "sob qualquer de seus aspectos, a interpretação é antes sociológica do que individual". (op. cit., p. 48/49).
Nesse contexto, a inovação introduzida pelo Código Civil, quanto a fixação de prazo para a efetivação do registro de casamento realizado no exterior não legitima o entendimento de que a perda de prazo ensejará a necessidade de habilitação em território nacional para que seja possível realizar o registro no prazo da eficácia do certificado de habilitação.
Esse efeito não figura no diploma legal, e a conclusão sustentada vulnera o princípio da legalidade.
A exigência de nova habilitação é descabida, diante do silêncio do legislador, nessa matéria estritamente formal, não podendo o intérprete, tampouco o aplicador da lei, instituir requisito dessa natureza, segundo sua vontade.
Por sua vez, a invocação de analogia com o regime jurídico aplicado ao casamento religioso, ainda que sem a necessidade de se proceder a nova celebração do matrimônio no Brasil é absolutamente indevida, por isso que não se justifica, nesse quadro, cogitar de eficácia do certificado de habilitação.
É desarrazoada essa interpretação, que não guarda relação com os termos da lei, constituindo construção cerebrina que não cabe à justiça agasalhar, certo como é que o rito procedimental para obtenção do registro do casamento religioso celebrado sem a prévia habilitação é diverso, e exige formalidade expressamente instituída pelo legislador (cf. artigo 74 da Lei de Registros Públicos).
A perda do prazo examinado não provoca o efeito questionado, sujeitando os cônjuges, tão somente, às consequências da demora na efetivação do registro em nosso país, na ausência da publicidade nas relações do casal e na vida em sociedade, nos aspectos jurídicos daí decorrentes.
Cada qual se submete às obrigações decorrentes de sua própria conduta, que ao intérprete e ao julgador não é dado esmiuçar, diante das conveniências e dos interesses individuais de cada sujeito de direito.
Por conseguinte, é de ser acolhido o pedido formulado pela interessada Gleyse Yuriko Goya, determinada a transcrição do casamento, observadas as formalidades necessárias.
Ciência aos interessados.
Comunique-se a decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça e à ARPEN/SP.
São Paulo, 21 de agosto de 2003.
MÁRCIO MARTINS BONILHA FILHO - Juiz de Direito"
"Cuida-se de expediente instaurado pela Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do 1.º Subdistrito - Sé, Capital, de interesse de Gleyse Yuriko Goya, relacionado com a transcrição de seu casamento com Reinaldo Seigi Yiagui, realizado em 21 de novembro de 1.995, em Kamisatomachi, Kodama-gun, Província de Saitama, Japão.
Busca a Sra. Oficial orientação para a lavratura, ou não, do ato, tendo em vista o teor do artigo 1.544 do Código Civil, que estabelece o prazo de cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, para a regularização do registro, cujo prazo estaria ultrapassado, na consideração de que a interessada declarou que seu retorno ao país ocorreu em 07 de novembro de 2.000.
A inicial veio instruída com os documentos de fls. 03/11.
O representante do Ministério Público ofereceu manifestação (fls. 13/14), opinando pela transcrição pretendida.
É o breve relatório
DECIDO
Questiona-se, na hipótese, tão somente, o tema relativo ao prazo legal de 180 (cento e oitenta) dias para o registro de casamento celebrado no estrangeiro, a que se refere o artigo 1.544 do atual Código Civil.
Na legislação anterior, a limitação temporal não era prevista, prestando-se, portanto, à formulação da consulta, nos termos deduzidos pela diligente Oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais do 1.º Subdistrito da Capital.
O prazo mencionado não se reveste de força decadencial, tampouco acarreta a consequência da perempção, pois é certo que o legislador civil não cogitou de qualquer modalidade de prescrição nesse particular. Não se cuida de prazo fatal e improrrogável. Muito menos, de prazo extintivo de direito, que não teria sentido, na matéria.
Na verdade, o ordenamento normativo é silente sobre a consequência da inobservância do aludido prazo, sendo induvidoso que não cominou qualquer penalidade pela infração de ordem temporal.
Aliás, a fixação de prazo não se afigura como imposição compulsória incontornável, explicando-se, apenas, como cautela de publicidade da situação matrimonial, em breve espaço de tempo, no país, na hipótese do preceito legal mencionado, que, se descumprido, não gera a consequência do impedimento do registro pretendido.
Não se justificaria a prevalência do óbice oposto, salvo no que se refere ao reconhecimento jurídico dos efeitos do casamento contraído no exterior, que não teria eficácia no Brasil, enquanto não fosse objeto do registro necessário para esse fim. Vale dizer, o cumprimento de condição suspensiva.
É sabido que essa orientação, por sinal perfilhada pelo ilustre representante do Ministério Público, quanto à inexistência de preceito cominativo, na espécie, conta com posição contrária na doutrina, como se vê da opinião de Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk (Código Civil Comentado, Coordenador Álvaro Villaça Azevedo, ed. Atlas, 2.003, p. 140).
Sustentam os referidos autores que, "embora a regra silencie, podem-se reputar os 180 dias como o período dentro no qual é possível oferecer eficácia, em território nacional, ao casamento realizado no exterior pelas autoridades consulares. A perda do prazo ensejará a necessidade de habilitação em território nacional para que seja possível realizar o registro no prazo de eficácia do certificado de habilitação" (op. cit., p. 141).
Essa ilação não decorre do texto legal, mas da mente do intérprete, não merecendo a chancela judicial.
Ainda que se invocasse a prevalência do pensamento do legislador, seria necessário lembrar que "a lei não brota do cérebro do seu elaborador, completa, perfeita, como um ato de vontade independente, espontâneo", conforme o magistério de Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito, ed. Freitas Bastos, 1.951, p. 34), que não perdeu atualidade.
O renomado jurista adverte: "se descerem a exumar o pensamento do legislador, perder-se-ão em um báratro de dúvidas maiores ainda e mais inextricáveis do que as resultantes do contexto" (op. cit. p. 39), acrescentando "a lei é a expressão da vontade do Estado, e esta persiste autônoma, independente de complexo de pensamentos e tendências que animaram as pessoas cooperantes na sua emanação", com ênfase para a afirmação de que "a lei não é o que o legislador quis, nem o que pretendeu exprimir, e, sim, o que exprimiu de fato", ressaltando que "sob qualquer de seus aspectos, a interpretação é antes sociológica do que individual". (op. cit., p. 48/49).
Nesse contexto, a inovação introduzida pelo Código Civil, quanto a fixação de prazo para a efetivação do registro de casamento realizado no exterior não legitima o entendimento de que a perda de prazo ensejará a necessidade de habilitação em território nacional para que seja possível realizar o registro no prazo da eficácia do certificado de habilitação.
Esse efeito não figura no diploma legal, e a conclusão sustentada vulnera o princípio da legalidade.
A exigência de nova habilitação é descabida, diante do silêncio do legislador, nessa matéria estritamente formal, não podendo o intérprete, tampouco o aplicador da lei, instituir requisito dessa natureza, segundo sua vontade.
Por sua vez, a invocação de analogia com o regime jurídico aplicado ao casamento religioso, ainda que sem a necessidade de se proceder a nova celebração do matrimônio no Brasil é absolutamente indevida, por isso que não se justifica, nesse quadro, cogitar de eficácia do certificado de habilitação.
É desarrazoada essa interpretação, que não guarda relação com os termos da lei, constituindo construção cerebrina que não cabe à justiça agasalhar, certo como é que o rito procedimental para obtenção do registro do casamento religioso celebrado sem a prévia habilitação é diverso, e exige formalidade expressamente instituída pelo legislador (cf. artigo 74 da Lei de Registros Públicos).
A perda do prazo examinado não provoca o efeito questionado, sujeitando os cônjuges, tão somente, às consequências da demora na efetivação do registro em nosso país, na ausência da publicidade nas relações do casal e na vida em sociedade, nos aspectos jurídicos daí decorrentes.
Cada qual se submete às obrigações decorrentes de sua própria conduta, que ao intérprete e ao julgador não é dado esmiuçar, diante das conveniências e dos interesses individuais de cada sujeito de direito.
Por conseguinte, é de ser acolhido o pedido formulado pela interessada Gleyse Yuriko Goya, determinada a transcrição do casamento, observadas as formalidades necessárias.
Ciência aos interessados.
Comunique-se a decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça e à ARPEN/SP.
São Paulo, 21 de agosto de 2003.
MÁRCIO MARTINS BONILHA FILHO - Juiz de Direito"