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25 de Março de 2008
Jurisprudência - Arrolamento de bens. Ex-companheira. Direito ao usufruto vidual de quarta parte dos bens do falecido
Tribunal Julgador: TJPR
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 366.279-3, DE CURITIBA - 19ª VARA CÍVEL
AGRAVANTE : C. F.
AGRAVADO : ESPÓLIO DE N. R. G.
RELATOR : DES. FERNANDO WOLFF BODZIAK
O art. 1.790 do Código Civil não revogou o art. 2º da Lei 8.971/94.
1. Primeiramente, por não haver sido dado tratamento integral à matéria disciplinada pela lei anterior, o que afasta a revogação tácita prevista pelo artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil.
2. Ainda, por conta do artigo 9º Lei Complementar nº. 95/1998 (com redação dada pela Lei Complementar nº. 107/2001), faz-se necessária previsão expressa (por meio de cláusula revogatória) de leis conflitantes revogadas pela atual. No caso do Código Civil, esta cláusula revogatória está positivada no artigo 2.045, e não abrangeu leis específicas que tratam da união estável.
4. Assim, deixar de reconhecer o direito ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, não aplicando a Lei nº 8.971/94, por considerá-la revogada pelo Código Civil de 2002, significa relegar ao desamparo o companheiro supérstite na hipótese de não haver patrimônio comum, pois quando se trata de sucessão de companheiro, as leis anteriores são de aplicação necessária face às lacunas existentes no atual diploma civil, que cuidou do direito sucessório na união estável apenas no art. 1790, sem fazer qualquer referência ao usufruto vidual.
5. Recurso conhecido e provido.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 366.279-3, de Curitiba - 19ª Vara Cível, em que é agravante C. F. e agravado ESPÓLIO DE N. R. G.
1. Trata-se de agravo de instrumento manejado por C. F., em face de decisão proferida nos autos de arrolamento sob nº. 1291/2005, que, considerando a revogação do art. 2º da Lei 8.971/94 pelo art. 1790 do Código Civil, indeferiu o pedido de habilitação da agravante nos autos de arrolamento de bens.
Alega, em síntese, que:
a) o direito da recorrente ao usufruto da quarta parte dos bens do de cujus decorre do que dispõe o art. 2º da Lei 8.971/94;
b) o Código Civil não revogou expressamente o comando normativo inscrito junto ao art. 2º da Lei 8.971/94;
c) segundo o art. 2º da Lei de Introdução do Código Civil, a lei nova que estabelece disposições gerais acerca das já existentes não tem o condão de revogar disposições anteriores;
d) a juíza de primeiro grau deu interpretação equivocada a acórdão do STJ que trataria do tema;
Por tais razões, pugna pelo recebimento do agravo de instrumento em seu efeito suspensivo e posterior provimento do recurso, ressaltando que a manutenção da decisão pode causar danos irreparáveis ou de difícil reparação, nos termos do caput do art. 522 do Código de Processo Civil.
O efeito suspensivo pretendido foi deferido (fls. 56-57).
O MM. juiz a quo prestou as informações solicitadas (fls. 86), noticiando que manteve a decisão agravada, bem assim, que o agravante deu cumprimento ao disposto no art. 526 do CPC.
O agravado apresentou contra-razões (fls. 66-74), pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
É o relatório.
VOTO.
2. O recurso merece provimento.
O cerne da controvérsia reside na revogação, ou não, do artigo 2º da Lei 8.971/1994 pelo artigo 1.790 do Código Civil de 2002.
Primeiramente, percebe-se que a agravante pretende tutela diversa àquela prevista pelo art. 1.790 do Código Civil - o qual disciplina a aquisição de quotas do quinhão hereditário pelo (a) companheiro (a) - postulando apenas "sua habilitação no inventário e o reconhecimento do direito ao usufruto da quarta parte dos bens do 'de cujus', com fulcro no art. 2º, I da Lei nº 8.971/94" (fls. 38).
No art. 1.790 do Código de 2002 (fundamento da decisão atacada), o legislador não trata de matéria atinente ao usufruto, razão pela qual não pode a pretensão da agravante ser subsumida a este dispositivo.
Consoante entendimento da doutrina especializada:
"Agora, o Código Civil omite a noção de usufruto, mesmo o vidual, e se refere apenas à "quota", com base, certamente, na intenção de guindar (a) o companheiro (a) ao mesmo patamar do cônjuge, na ordem de vocação hereditária".1 (Grifamos)
Dessa forma, não há que se falar em tratamento integral da matéria da lei anterior pelo codificador, o que afasta a incidência da revogação prevista pelo artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil.
Não obstante, sustenta, com acerto, a agravante (fls. 05), a impossibilidade de revogação tácita do referido diploma, em virtude do artigo 9º Lei Complementar nº. 95/1998 (com redação dada pela Lei Complementar nº. 107/2001), o qual prevê a necessidade de menção expressa à eventual revogação de lei. Por essa razão, estaria proibido o uso da corrente expressão legislativa "revogam-se as disposições em contrário".
Nesse sentido se posicionou esta Corte:
"PROCESSO CIVIL E DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. CONCESSÃO DE LIMINAR. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO E DE USUFRUTO. UNIÃO ESTÁVEL. DIREITOS PRESERVADOS EM NORMAS ESPECÍFICAS. PRESENÇA DO FUMUS BONI JURIS E PERICULLUM IN MORA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO."
Extrai-se do corpo do acórdão:
"Diferente do que tentam afirmar os agravantes, o novo código civil não revogou as leis 8971/94 e 9278/96.
Como se observa do disposto no artigo 2045 do CC/2002, apenas foram revogados, com a admissão desse o Código Civil de 1916, e a primeira parte do Código Comercial.
Quanto ao argumento de uma eventual revogação tácita, vale ressaltar que tal modalidade revogatória não pode ocorrer em situações, como a presente, de lei geral posterior revogar lei especial anterior. Ademais, a revogação deveria ser expressa a teor da LC 95/98".2
Assim, considerando que a tutela pretendida - reconhecimento ao usufruto vidual - é disciplinada apenas pela Lei nº 8.971/94, não havendo tratamento da matéria no novo Código Civil, é de se determinar sua aplicabilidade, a fim de resguardar o direito da agravante ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, hipótese prevista pelo art. 2º, inciso I da referida lei.
Conforme elucida o julgado supracitado:
"Vale ressaltar que o direito real de habitação que possui a agravada, bem como o direito ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus não são decorrentes de sua condição de herdeira de referidos bens, mas sim do direito que possuem os companheiros regulados pelas leis 8971/94 e 9278/96".3
Porque, não pensar dessa maneira, isto é, deixar de reconhecer o direito ao usufruto de quarta parte dos bens do falecido, não aplicando a Lei nº 8.971/94, por considerá-la revogada - entendimento equivocado - pelo Código Civil de 2002, significa relegar ao desamparo o companheiro supérstite na hipótese de não haver patrimônio comum, como na hipótese dos autos, não obstante a existência de respeitáveis opiniões em sentido contrário, pois quando se trata de sucessão de companheiro, as leis anteriores são de aplicação necessária face as lacunas existentes no atual diploma civil, que cuidou do direito sucessório na união estável apenas no art. 1790, sem fazer qualquer referência ao usufruto vidual.
Ante o exposto, o recurso merece provimento para, reformando-se a r. decisão agravada, admitir o ingresso da autora no arrolamento, assegurando-lhe o direito ao usufruto vidual de quarta parte dos bens do falecido, nos termos do art. 2º da Lei 8.971/1994.
3. Diante do exposto, proponho voto no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos da fundamentação.
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto, ficando vencido o Des. Mendonça de Anunciação, que conhecia e negava provimento ao recurso.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Mendonça de Anunciação (Presidente, com voto) e Mário Rau.
Curitiba, 25 de abril de 2007.
Fernando Wolff Bodziak
Desembargador Relator
1 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil, volume XXI: do direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 59.
2 TJPR - Apelação Cível 163.203-3. 7ª Câmara Cível. Rel. Juiz Mário Helton Jorge. Julg.: 20/09/2005.
3 TJPR - Apelação Cível 163.203-3. 7ª Câmara Cível. Rel. Juiz Mário Helton Jorge. Julg.: 20/09/2005.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº. 366.279-3, DE CURITIBA - 19ª VARA CÍVEL
AGRAVANTE : C. F.
AGRAVADO : ESPÓLIO DE N. R. G.
RELATOR : DES. FERNANDO WOLFF BODZIAK
O art. 1.790 do Código Civil não revogou o art. 2º da Lei 8.971/94.
1. Primeiramente, por não haver sido dado tratamento integral à matéria disciplinada pela lei anterior, o que afasta a revogação tácita prevista pelo artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil.
2. Ainda, por conta do artigo 9º Lei Complementar nº. 95/1998 (com redação dada pela Lei Complementar nº. 107/2001), faz-se necessária previsão expressa (por meio de cláusula revogatória) de leis conflitantes revogadas pela atual. No caso do Código Civil, esta cláusula revogatória está positivada no artigo 2.045, e não abrangeu leis específicas que tratam da união estável.
4. Assim, deixar de reconhecer o direito ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, não aplicando a Lei nº 8.971/94, por considerá-la revogada pelo Código Civil de 2002, significa relegar ao desamparo o companheiro supérstite na hipótese de não haver patrimônio comum, pois quando se trata de sucessão de companheiro, as leis anteriores são de aplicação necessária face às lacunas existentes no atual diploma civil, que cuidou do direito sucessório na união estável apenas no art. 1790, sem fazer qualquer referência ao usufruto vidual.
5. Recurso conhecido e provido.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 366.279-3, de Curitiba - 19ª Vara Cível, em que é agravante C. F. e agravado ESPÓLIO DE N. R. G.
1. Trata-se de agravo de instrumento manejado por C. F., em face de decisão proferida nos autos de arrolamento sob nº. 1291/2005, que, considerando a revogação do art. 2º da Lei 8.971/94 pelo art. 1790 do Código Civil, indeferiu o pedido de habilitação da agravante nos autos de arrolamento de bens.
Alega, em síntese, que:
a) o direito da recorrente ao usufruto da quarta parte dos bens do de cujus decorre do que dispõe o art. 2º da Lei 8.971/94;
b) o Código Civil não revogou expressamente o comando normativo inscrito junto ao art. 2º da Lei 8.971/94;
c) segundo o art. 2º da Lei de Introdução do Código Civil, a lei nova que estabelece disposições gerais acerca das já existentes não tem o condão de revogar disposições anteriores;
d) a juíza de primeiro grau deu interpretação equivocada a acórdão do STJ que trataria do tema;
Por tais razões, pugna pelo recebimento do agravo de instrumento em seu efeito suspensivo e posterior provimento do recurso, ressaltando que a manutenção da decisão pode causar danos irreparáveis ou de difícil reparação, nos termos do caput do art. 522 do Código de Processo Civil.
O efeito suspensivo pretendido foi deferido (fls. 56-57).
O MM. juiz a quo prestou as informações solicitadas (fls. 86), noticiando que manteve a decisão agravada, bem assim, que o agravante deu cumprimento ao disposto no art. 526 do CPC.
O agravado apresentou contra-razões (fls. 66-74), pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
É o relatório.
VOTO.
2. O recurso merece provimento.
O cerne da controvérsia reside na revogação, ou não, do artigo 2º da Lei 8.971/1994 pelo artigo 1.790 do Código Civil de 2002.
Primeiramente, percebe-se que a agravante pretende tutela diversa àquela prevista pelo art. 1.790 do Código Civil - o qual disciplina a aquisição de quotas do quinhão hereditário pelo (a) companheiro (a) - postulando apenas "sua habilitação no inventário e o reconhecimento do direito ao usufruto da quarta parte dos bens do 'de cujus', com fulcro no art. 2º, I da Lei nº 8.971/94" (fls. 38).
No art. 1.790 do Código de 2002 (fundamento da decisão atacada), o legislador não trata de matéria atinente ao usufruto, razão pela qual não pode a pretensão da agravante ser subsumida a este dispositivo.
Consoante entendimento da doutrina especializada:
"Agora, o Código Civil omite a noção de usufruto, mesmo o vidual, e se refere apenas à "quota", com base, certamente, na intenção de guindar (a) o companheiro (a) ao mesmo patamar do cônjuge, na ordem de vocação hereditária".1 (Grifamos)
Dessa forma, não há que se falar em tratamento integral da matéria da lei anterior pelo codificador, o que afasta a incidência da revogação prevista pelo artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil.
Não obstante, sustenta, com acerto, a agravante (fls. 05), a impossibilidade de revogação tácita do referido diploma, em virtude do artigo 9º Lei Complementar nº. 95/1998 (com redação dada pela Lei Complementar nº. 107/2001), o qual prevê a necessidade de menção expressa à eventual revogação de lei. Por essa razão, estaria proibido o uso da corrente expressão legislativa "revogam-se as disposições em contrário".
Nesse sentido se posicionou esta Corte:
"PROCESSO CIVIL E DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. CONCESSÃO DE LIMINAR. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO E DE USUFRUTO. UNIÃO ESTÁVEL. DIREITOS PRESERVADOS EM NORMAS ESPECÍFICAS. PRESENÇA DO FUMUS BONI JURIS E PERICULLUM IN MORA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO."
Extrai-se do corpo do acórdão:
"Diferente do que tentam afirmar os agravantes, o novo código civil não revogou as leis 8971/94 e 9278/96.
Como se observa do disposto no artigo 2045 do CC/2002, apenas foram revogados, com a admissão desse o Código Civil de 1916, e a primeira parte do Código Comercial.
Quanto ao argumento de uma eventual revogação tácita, vale ressaltar que tal modalidade revogatória não pode ocorrer em situações, como a presente, de lei geral posterior revogar lei especial anterior. Ademais, a revogação deveria ser expressa a teor da LC 95/98".2
Assim, considerando que a tutela pretendida - reconhecimento ao usufruto vidual - é disciplinada apenas pela Lei nº 8.971/94, não havendo tratamento da matéria no novo Código Civil, é de se determinar sua aplicabilidade, a fim de resguardar o direito da agravante ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, hipótese prevista pelo art. 2º, inciso I da referida lei.
Conforme elucida o julgado supracitado:
"Vale ressaltar que o direito real de habitação que possui a agravada, bem como o direito ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus não são decorrentes de sua condição de herdeira de referidos bens, mas sim do direito que possuem os companheiros regulados pelas leis 8971/94 e 9278/96".3
Porque, não pensar dessa maneira, isto é, deixar de reconhecer o direito ao usufruto de quarta parte dos bens do falecido, não aplicando a Lei nº 8.971/94, por considerá-la revogada - entendimento equivocado - pelo Código Civil de 2002, significa relegar ao desamparo o companheiro supérstite na hipótese de não haver patrimônio comum, como na hipótese dos autos, não obstante a existência de respeitáveis opiniões em sentido contrário, pois quando se trata de sucessão de companheiro, as leis anteriores são de aplicação necessária face as lacunas existentes no atual diploma civil, que cuidou do direito sucessório na união estável apenas no art. 1790, sem fazer qualquer referência ao usufruto vidual.
Ante o exposto, o recurso merece provimento para, reformando-se a r. decisão agravada, admitir o ingresso da autora no arrolamento, assegurando-lhe o direito ao usufruto vidual de quarta parte dos bens do falecido, nos termos do art. 2º da Lei 8.971/1994.
3. Diante do exposto, proponho voto no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos da fundamentação.
ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto, ficando vencido o Des. Mendonça de Anunciação, que conhecia e negava provimento ao recurso.
Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Mendonça de Anunciação (Presidente, com voto) e Mário Rau.
Curitiba, 25 de abril de 2007.
Fernando Wolff Bodziak
Desembargador Relator
1 LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao Novo Código Civil, volume XXI: do direito das sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 59.
2 TJPR - Apelação Cível 163.203-3. 7ª Câmara Cível. Rel. Juiz Mário Helton Jorge. Julg.: 20/09/2005.
3 TJPR - Apelação Cível 163.203-3. 7ª Câmara Cível. Rel. Juiz Mário Helton Jorge. Julg.: 20/09/2005.