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19 de Maio de 2009

Clipping - Revista JT - Test-drive

Eles compartilham a casa, a cama e as conta, mas não são casados. Ou são? A farmacêutica Flavia Regina Fischer, 29 anos, se questiona sobre o assunto a cada entrevista profissional que aparece. "Não posso dizer que sou casada porque não tenho certidão de casamento para apresentar, mas também não dá para dizer que sou solteira se vivo com alguém há três anos. Ter de ficar explicando essa situação o tempo todo me aborrece", diz. O incomodo vai passar em setembro, quando ela e o namorado, o farmacêutico Murilo Mazzotti, 31 anos, se casam oficialmente, com direito a vestido branco.

O que muda na vida do casal quando as alianças trocam de Mao? Acho que vai continuar a mesma coisa, na verdade nós já temos uma vida de casado", acredita Flavia. O que esta em jogo, contudo, não é o cotidiano da vida a dois: o que muda é o olhar da sociedade sobre o casal. "Acho que ainda há um certo preconceito, principalmente por parte dos mais velhos, quando você diz que mora junto com alguém. A gente não liga muito para essas coisas, mas quando pensamos em ter um filho, por exemplo, é legal ser casado. Alem disso, meu pai tem aquela vontade de entrar na igreja comigo", completa.

Flavia conta que ela e o namorado se divertem com o termo "test-drive", usado para designar o casamento de experiência. "A gente brinca muito com isso, mas no nosso caso não foi um teste. Decidimos morar juntos após seis anos de namoro, a gente já se conhecia bem. Três meses depois da mudança ficamos noivos, foi um jeito de afirmar nosso compromisso perante a família, de mostrar que a gente não estava brincando de morar junto", afirma.

Para o advogado Andre Luiz Pereira dos Santos, 37 anos, a convivência a dois antes de trocar as alianças serviu como estimulo para oficializar a união. "Morar com alguém é bem diferente de namorar. É o cotidiano que você conhece a pessoa de verdade. No meu caso a gente começou a viver junto por acaso, mas a experiência acabou dando mais firmeza na hora de casar. É como fazer um test-drive na vida", resume ele, que se casou oficialmente em 2007apos cinco anos de convivência marital.

Santos lembra que a motivação religiosa contou bastante na hora de optar pelo casamento oficial. "A família da minha mulher é muito religiosa e por isso essa parte estava fazendo falta. Casar na igreja, para quem leva a serio o aspecto religioso, é algo muito serio, é bem diferente das questões civis, que as pessoas fazem e desfazem com facilidade", diz. "Alem disso, entrar de noiva era um sonho da minha mulher, acho que é o sonho de toda mulher desde pequena, e eu queria dar a ela essa realização. Se a gente não tivesse feito isso, acho que faria falta no futuro".

Na avaliação do terapeuta Ailton Amélio da Silva, doutor em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), celebrar a união beneficia a vida conjugal, mesmo que a comemoração não tenha cunho religioso. "O casamento funciona como um ritual de passagem, assim como o batismo da criança ou o enterro dos mortos. O evento não precisa ser religioso, há casais que procuram ate antropólogos para fazer a união. O essencial é que a sociedade se emocione, para isso tem de ter musica, roupa bonita. O ato publico ajuda a pessoa a deixar o papel de solteira e a assumir seus status de casada, alem de unir mais as duas famílias".

No livro Relacionamento Amoroso: Como encontrar sua Metade ideal e Cuidar dela (Publifolha R$35,00), que chega amanha as livrarias, Silva dedica um capitulo para discutir justamente o papel que o casamento desempenha no relacionamento amoroso. "Alguns estudos mostram que a pessoa casada trai menos, por exemplo. Quem se dispõe a celebrar um casamento esta, naturalmente, mais preocupado em demonstrar seu afeto para a sociedade, esta mais afim do outro. Viver com alguém dá a impressão de algo mais descartável, mais sujeito a separações. Sou a favor de morar junto com o namorado, mas essa etapa não substitui o casamento. A vida fica mais marcada quando você comemora os momentos importantes", analisa.

Especialistas em terapia de família e coordenador da escola de Formação de Terapeutas Vinculo Vida, o psicólogo Sebastião Alves de Souza acretida que a opção pelo casamento formal é imotivada, em grande parte, pela força dos valores religiosos. "De modo geral, todas as religiões tem essa característica de zelar pela preservação da família. A pressão, mesmo que indireta, pela oficialização do casamento funciona como uma segurança, uma proteção contra a degradação da família. As instituições sociais e ate mesmo os pais dos noivos cobram essa oficialização. É como se o fato de ser casado conferisse mais seriedade as pessoas", explica.

Segundo a sexóloga Maria Helena Matarazzo, mestre em educação sexual e autora do livro Amar é preciso, a negação do casamento experimentada durante a revolução sexual dos anos 60 acabou, contraditoriamente, ressaltando ainda mais a importância dos vínculos afetivos. "Houve um tempo em que ninguém queria mais se casar, isso era considerado uma bobagem. Passado alguns anos, descobriu-se que o casamento, que as pessoas estavam desqualificando, tinha uma função importante. Todos aqueles preparativos que antecedem a celebração deixam uma marca profunda", diz.

De acordo com Maria Helena, casar perante a sociedade significa ser capaz de criar um vinculo amoroso. Ela questiona, contudo, a supervalorização das celebrações. "Vivemos na sociedade do espetáculo, é natural que o conceito respingue sobre o casamento. Depois de ser rechaçado no passado., atualmente ele é tratado como se fosse o dia mais importante de alguém, mas deveria ser apenas mais um momento especial entre tantos outros, tais como o nascimento do filho, a morte da mãe. As pessoas gastam milhões, convocam dezenas de padrinhos e constroem seus 15 minutos de fama em cima da celebração. Na TV, o casamento é sempre o ultimo capitulo da novela, mas na vida real vem nas primeiras paginas. O que conta mesmo, é toda a historia que virá depois do altar".

Troca de alianças faz diferença perante a lei

Desde 2003, quando o novo Código Civil entrou em vigor, o conceito de união estável ganhou visibilidade. De acordo com a lei, essa modalidade de relacionamento é definida da seguinte forma: "união entre o homem e a mulher, de convivência pública, contínua e duradoura , estabelecida com o objetivo de constituição de família". Ainda que as regras que incidem sobre o casal de companheiros sejam similares às normas que regem um casamento sob o regime da comunhão parcial de bens, há diferenças entre os dois tipos de relacionamento.

Vice-presidente da Associação Brasileira dos Advogados de Família (Abrafam), Gustavo Bassini destaca o que o casal deve levar em conta ao optar por um estilo de relacionamento. "A união estável é uma forma mais livre de associação afetiva pois o casal pode combinar suas próprias regras de convivência. Já o casamento é um contrato pronto. Você pode aderir ou não a ele", diz. "Uma das vantagens da união estável é que os companheiros não estão sujeitos à outorga uxória, por exemplo, que determina entre os casados a necessidade de autorização do cônjuge para a realização de negócios, como a venda de imóveis."

O casamento, sob os aspectos legais, é visto como um facilitador para os procedimentos burocráticos. "Se nasce uma criança e os pais são casados, por exemplo, ela é imediatamente registrada como filha daquele homem. No caso da união estável, contudo, essa associação não ocorre de forma automática. O pai precisa se manifestar", exemplifica. O especialista destaca que a oficialização do casamento também interfere nos mecanismos de partilha da herança. "Se o marido falece a esposa entra como meeira dele, tendo direito a metade dos bens, e também participa como herdeira, dividindo a outra metade com os filhos. Já a mulher que vive como companheira não participa como herdeira do homem. Para isso terá de provar em juízo que vivia em união estável, o mesmo vale para o recebimento de pensão."

Bassini argumenta que o ideal para os companheiros que não desejam oficializar a união é elaborar um contrato de convivência. "Dessa forma a pessoa pode combinar como será a divisão dos bens em caso de haver uma separação, com quem ficarão os filhos que possam vir a nascer da união, se existirá uma pensão e vários outros assuntos. Assim, o casal tem a gestão do relacionamento, sem a ingerência do Estado", conclui.

Publicado em 17/05/2009

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