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19 de Abril de 2004

A aparentemente simples questão da justiça gratuita

O acesso à Justiça é uma necessidade imperiosa que se coloca como interesse do Estado mas, a verdade é que são muitas as portas de entrada neste território e em cada uma delas há um guardião diferente. Encontramos aqueles que percebem a necessidade de, acima de tudo, buscar uma decisão de mérito.

No entanto, nos defrontamos, também, a toda a hora, com aqueles que se perdem numa floresta onde a Justiça se transforma em intransponível cipoal de artigos, parágrafos e alíneas que constroem uma espécie de jurisprudência do azedume, enredando o jurisdicionado nesta rede.

Perde-se de vista que o Judiciário existe para atender ao povo e não a ele próprio e, nesta cadência, toda a forma de manifestação de poder em que os detalhes minúsculos se impõem como forças poderosas, mostra-se como altamente sedutora para esta visão de mundo distorcida.

A questão da concessão do benefício da justiça gratuita é um microcosmo que evidencia o poderio magnético desta distorção perversa. É salutar registrar, contudo, que existe os que palmilham o caminho oposto desenhando uma vertente jurisprudencial de que assume a atitude de facilitadora da decisão de mérito e bem anuncia o caminho correto neste tema:

"Justiça gratuita. condição de pobreza. Simples requerimento. A ruptura com o modelo vigente no período de exceção, que mesclava autoritarismo, supressão de direitos individuais, e assistencialismo sindical que confinava o acesso gratuito ao Judiciário Trabalhista (art. 14, Lei 5.584/70), se deu com a Carta Magna de 88. A chamada "Constituição Cidadã" adotou o novo paradigma da democracia social, com amplo acesso dos trabalhadores ao Judiciário, sem restrições de ordem econômica (art. 5º, XXXIV, a, e LV, CF). A recusa aos necessitados, dos benefícios da Assistência Judiciária Gratuita e a negativa da prestação jurisdicional integral navegam em sentido oposto ao Constitucionalismo Social e ao perfil histórico desta Justiça Especializada. O fato de a lei considerar a concessão como uma faculdade não afasta o dever do magistrado de deferir a Justiça Gratuita sempre que requerida oportunamente e preenchidas minimamente as condições prescritas em lei. A negativa, por vezes voluntariosa e injustificada, acaba por transformar a prerrogativa em capricho, e assim, em fonte de intolerável arbítrio, em detrimento da cidadania e dos preceitos constitucionais que asseguram o direito ao "due process of law". "In casu", a reclamante requereu o benefício afirmando condição de pobreza sob as penas da lei. É o quanto basta para a concessão dos benefícios da Assistência Judiciária Gratuita.
(TRT/SP - 07120200390202004 - RO - Ac. 3ªT 20030697691 - Rel. Riicardo Artur Costa e Trigueiros - DOE 13/01/2004).

Palavras que, talvez, sejam duras mas, bem reveladoras da extrema resistência da Justiça do Trabalho às ampliações que o legislador foi introduzindo nesta temática ao longo dos anos passados. Vejamos, pois, que a nossa história começa com a lei 5584/70 em cujo artigo 14, se concedia a assistência judiciária, inclusive com a justiça gratuita, para os casos do empregado que percebesse ganho inferior do dobro do salário mínimo ou apresentasse atestado de miserabilidade jurídica "fornecido pela autoridade local do Ministério do Trabalho e Previdência Social".

Com relação à primeira hipótese, a mesma vem se mantendo desde então, com um pequeno hiato em que perdurou a Lei 10288 de 20 de setembro de 2001, até o advento da Lei 10.537 de 27 de agosto de 2002. Neste interstício, a concessão do beneficio da justiça gratuita ficou automática para quem percebesse salário menor do que cinco salários mínimos. Como a lei processual surpreende os processos no estado em que se encontram, entendemos que a norma se aplica a todos que litigavam com processo em pé dentro de tal período. Com efeito, no curso da demanda, foi revogado o limite até dois salários mínimos e ampliado para até cinco salários mínimos, sendo que tal norma incidiu de imediato nos feitos pendentes em qualquer instância.
Assim, o limite de dois salários mínimos é aplicável somente aos processos instaurados após 27 de agosto de 2002.

Este aspecto do problema, contudo, não apresenta grandes polêmicas, até porque não tem desfrutado de muita visibilidade. Neste ponto, aliás, a única especificidade digna de nota, já que, no mais, o mecanismo tem um caráter induvidosamente automático. A tempestade se dá na outra ponta da norma, quando se cuida das pessoas que percebiam salário maior do que o fixado em tais limites.
Retornando ao problema, vemos que a lei 5584/70 exigia atestado fornecido pelo Ministério do Trabalho, ou na sua falta, pela delegacia de polícia. Tal norma, contudo, veio a ser suprimida com o advento da Lei 7.115, de 29.08.1983. A partir daí, foi extinto o atestado mencionado em função da simplificação havida nesta área e, então, muito celebrada como "Reforma Hélio Beltrão", eliminando os atestados de "vida, residência, pobreza, dependência econômica, homonímia ou bons antecedentes". A prova de tais situações jurídicas passou a ser feita mediante declaração firmada pelo próprio interessado ou "procurador bastante".

No entanto, quanto ao problema dos benefícios da justiça gratuita, esta norma vigorou por pouco tempo, vindo a ser promulgada a Lei 7510 de 4 de julho de 1986 que veio a dar nova redação ao disposto no art. 4o. da Lei 1060/50, dispondo que "a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família".

Autor: João José Sady

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