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A atuação do Biodireito na reprodução humana assistida e a sexagem dos embriões
O TJ/SP negou o pedido de um casal para saber o sexo dos embriões, baseado na LGPD. Para a Justiça paulista, não se pode selecionar sexo de bebê com base no direito à informação
Há uns meses, um casal entrou na Justiça do estado de São Paulo para saber o sexo de seus embriões, o qual havia sido negado pelo laboratório que conduziu o procedimento da fertilização in vitro. Segundo dados do processo, originado na 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, a defesa se baseou na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), argumentando que a impossibilidade de saber o sexo dos embriões feria seus direitos à informação e à autodeterminação informativa.
A manifestação não foi aceita pelo TJ/SP, visto que, segundo o relator, desembargador Francisco Casconi, a LGPD tem como princípios preservar o direito da liberdade e privacidade, “e não garantir o acesso indiscriminado a qualquer dado”. Apesar de ser um direito amparado pela Constituição Federal, o acesso à informação não é absoluto, por ser algo que pode vir a ferir demais atos.
Ana Carolina dos Santos Mendonça, advogada e professora, especialista em Direito de Famílias, também concorda com a posição do TJ/SP. “Com o devido acatamento a quem defenda de forma diferente, penso que não há possiblidade de se invocar a LGPD para acessar informações consideradas confidenciais e resguardadas pelas normas do Conselho Federal de Medicina, principalmente a informação acerca do sexo do embrião”.
A advogada Ana Carolina Mendonça, especialista em assuntos voltados à Comunidade LGBTQIAP+, inseminação caseira e reprodução assistida. | Foto: Arquivo pessoal
“Isto porque, a Lei n.º 13.709/2018, publicada com a finalidade de dispor, nos termos do seu artigo 1°, sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, não implica em direito absoluto a toda e qualquer informação.”
Segundo a advogada, mesmo que fosse autorizado o acesso à informação, “isso não permitiria por consequência, a escolha do embrião a ser implantado, por evidente infração às normas do CFM”, o que, por sua vez, impede a sexagem dos embriões.
Sexagem de embriões
Gilberto da Costa Freitas, doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em reprodução humana assistida, explica que “é possível, na técnica da reprodução humana assistida, o médico saber o sexo do embrião”. Gilberto esclarece que “a partir da seleção dos embriões na fertilização in vitro, é possível fazer o cariótipo deles, através de biópsias. Por este procedimento, o médico saberá o sexo genético desses embriões”.
“Mas a sexagem no Brasil é proibida, segundo o Conselho Federal de Medicina, por motivos sociais e de equilíbrio familiar”, explicou Gilberto. “Só há uma situação que permite a sexagem, quando existe uma doença genética em um dos membros do casal relacionada ao sexo. Como por exemplo, a hemofilia, uma doença que acomete homens. Desta forma, eu posso transferir para essa mãe embriões do sexo feminino, afim de evitar que a criança nasça com hemofilia.”
Segundo o médico, o ato é vetado pela Resolução nº 2.320 do CFM, publicada em setembro de 2022, que diz: “As técnicas de reprodução assistida não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer outra característica biológica da criança, exceto para evitar doenças no possível descendente”.
Segundo o médico Gilberto da Costa Freitas, os pais só saberão o sexo do embrião no pré-natal do feto. | Foto: Arquivo pessoal
Mas Gilberto indica que “apesar de estar na atual resolução do CFM, essa questão da impossibilidade da sexagem é bem antiga”. Na própria Resolução de nº 1.358, publicada em 1992, já havia um parágrafo que proibia “selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer”.
Decisão
Segundo os autos, o desembargador Francisco Casconi destacou: “ora, a escolha prévia dos pais a respeito do sexo do futuro bebê promoveria uma indesejável espécie de coisificação do ser humano. Haveria, no entendimento deste relator, comprometimento da dignidade da pessoa humana caso se estabelecesse de antemão como alguém deve nascer”.
Para o magistrado, a utilização de técnicas de reprodução assistida devem ser utilizadas única e exclusivamente para o bem-estar humano, e condenadas para usos de eugenia parental, quando há o processo seletivo do embrião.
“Desta feita, a visão de liberdade absoluta invocada pelos apelantes em seu recurso é equivocada. Ela ameaça banir a valorização da vida como dádiva e promove o desprezo às formas de vida não contempladas pela prévia escolha dos genitores, de onde se dessume a inviabilidade jurídica de se selecionar antecipadamente o sexo da futura prole unicamente com base na autonomia privada e no direito à informação.”
O processo tramita em segredo de Justiça sob o número 1096791-73.2021.8.26.0100.
Fonte: Assessoria de Comunicação – Arpen/SP