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26 de Junho de 2025

CNJ 20 Anos: iniciativas do CNJ ajudam a reescrever histórias da população LGBTQIA+

A servidora pública Karina Isabel Vieira de Almeida, 36 anos, casou-se neste mês com a tatuadora Lorena André da Costa, 36 anos. Elas se conheceram há um ano e meio em uma festa do grupo de percussão brasiliense de mulheres Batalá. Desde então, não se desgrudaram. Elas são um exemplo de como as ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que também neste mês completa 20 anos, transformam histórias e garantem a efetividade de direitos.

A celebração do casamento de Karina e Lorena está ancorada na Resolução CNJ n. 175/2013, que regulamenta a habilitação e a celebração de casamento civil ou a conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. “Temos esse direito enquanto família, de gritarmos para o mundo o nosso amor”, alegra-se Lorena.

Segundo Karina, no início, elas pensaram que não haveria uma grande mudança ao receber a certidão de casamento, mas a realidade se revelou surpreendente. “Já tínhamos plantas e bichos juntas, mas vimos uma diferença principalmente no respeito. Para a minha mãe, foi uma novidade saber que duas mulheres podiam se casar no papel. Quantas pessoas desejaram isso antes de nós e não tiveram a possibilidade?”, reflete.

A cerimônia, que aconteceu no 1.º Ofício de Registro Civil, Pessoas Jurídicas, Títulos e Documentos de Brasília, teve como testemunhas o casal de primas de Lorena: Luísa André de Souza, 27 anos, que é assistente administrativa, e Yolanda Rocha, 30 anos, designer gráfica.

“Quando fomos informadas da decisão delas, demos todo o apoio. Que possamos celebrar também o que, muitas vezes, nos é negado”, declara Luísa. “Cheguei à família sete anos atrás. Quando conheci a Lorena, ganhei uma prima. Fico feliz em estar participando da família que elas estão criando agora”, diz Yolanda.

Às recém-casadas, a juíza de paz Helena Carneiro recomendou, além de muito amor, que haja entre elas respeito, fidelidade, paciência e serenidade. Segundo a magistrada, esses são os principais componentes da harmonia no casamento. “Que essas alianças fiquem para sempre nas mãos de vocês, com muito amor e muita união”, disse a juíza logo após a hora do “sim”.

Nome social

Outro reconhecimento importante de direitos de pessoas LGBTQIA+ aconteceu em 2018, quando o CNJ assegurou, por meio da Resolução n. 270, a possibilidade de uso do nome social a pessoas trans, travestis e transexuais usuárias que busquem serviços judiciários. O direito alcançou ainda magistrados, estagiários, servidores e trabalhadores terceirizados em seus registros funcionais, sistemas e documentos.

 

A baiana Rafaela Barbosa Costa, que é atriz e técnica de Contabilidade, lembra que, ainda que tenha características físicas femininas, sempre enfrentou o constrangimento de ter de utilizar um nome masculino. Porém, quando precisou utilizar os serviços judiciários, encontrou amparo. “Ao comparecer a uma sala de audiência, o juiz federal disse que o meu nome não condizia com a minha aparência e deu ordem para que fosse retificado na certidão de nascimento”, descreve.

Esse foi o primeiro de uma série de processos envolvendo a sucessão da mãe dela. “Fui tratada com muito respeito e dignidade. Tive o reconhecimento de um direito e me orgulho de ter o meu documento. Antes, quando eu ia ao médico, por exemplo, era muito constrangedor”, afirma.

Depois de uma extensa batalha judicial, Rafaela conseguiu, no ano passado, a vitória de receber valores referentes ao uso do patrimônio da mãe falecida. “Isso me assegurou um pouco para despesas como o aluguel e médicos. Agora só quero que meus direitos sejam garantidos”, declara.

 

Povos indígenas

Ter um nome que reflita a sua identidade é uma expectativa também para muitos indígenas que integram a população LGBTQIA+. Aos 28 anos e de origem Pataxó Hã Hã Hãe, Júnior prefere ser chamado, por enquanto, simplesmente dessa forma ou com a identificação de seu povo associada. Ele conta que, ao nascer, recebeu o mesmo nome do pai, mas isso acabou se tornando um motivo para bullying. “É um nome muito forte para quem foi uma criança gay, indígena, pequena, afeminada”, considera.

Júnior, que sonha em cursar Produção Cultural ou Artes Cênicas, pretende reunir os parentes para, coletivamente, definirem um novo nome. Ele quer ainda acrescentar o nome da etnia. A prerrogativa foi assegurada a todos os indígenas com a atualização, neste ano, da Resolução Conjunta CNJ/CNMP n. 3/2012. Além de a pessoa indígena poder modificar o seu nome, extrajudicialmente, poderá incluir a etnia, o grupo, o clã e a família.

Vinda do Mato Grosso, a doutoranda pela Universidade Federal de Goiás Kiga Boe já utiliza o nome social em todas as situações. “É a nossa identidade cultural. E eu decidi cursar Antropologia porque sou o meu povo, sou da cultura de aprender mais e entender sobre ele”, explica ela, que, ao lado do amigo, marchou pela Terra neste ano, em Brasília.

“Eu estou aqui para dizer que existimos com nossas pluralidades e individualidades e é essa a importância do nome. Eu fui alçado da minha aldeia por um preconceito, com um nome que não me representava. Então, essa medida me deixa muito feliz, porque eu posso, sim, mudar o nome e me sentir mais confortável, deixando todos esses traumas e essas mágoas no passado”, conclui Júnior.

 

Promoção de direitos

Para fortalecer o diálogo sobre as políticas judiciárias voltadas à população LGBTQIA+, o CNJ criou, em 2024, o Fórum Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, com foco no enfrentamento da violência e da discriminação, no acesso à Justiça e na valorização da diversidade.

A Resolução CNJ n. 582/2024 também aperfeiçoou as normas para a utilização do Formulário de Registro de Ocorrência Geral de Emergência e Risco Iminente às Pessoas LGBTQIA+, conhecido como Formulário Rogéria, no âmbito do Poder Judiciário. A primeira versão do documento foi desenvolvida em 2022 pelo Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário como uma ferramenta para monitorar, prevenir e enfrentar qualquer forma de violência praticada contra pessoas LGBTQIA+.

A medida respondeu aos dados levantados pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ) na pesquisa Discriminação e Violência contra a População LGBTQIA+. O levantamento apontou que, desde 2019, o Brasil registrou crescimento de 19,6% no número de processos de crimes considerados discriminatórios contra a população LGBTQIA+. Na época, o estudo também apurou que os crimes mais frequentes nesses registros são: homicídio, injúria, lesão corporal e ameaça. Em aproximadamente 15% dos casos, havia violência doméstica.

A rotina de registro de condutas homofóbicas e transfóbicas nos processos passou a ser obrigatória em 2019, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela aplicação da Lei n. 7.7716/89, conhecida como Lei Antirracismo, para esses casos. Desde então, além das classificações para o registro de uniões estáveis homoafetivas e de nome social, foi incluída, entre as opções a serem registradas no cadastro dos processos, a injúria preconceituosa em razão de identidade de gênero ou orientação sexual.

Do universo de crimes informados pelos tribunais até o momento, constam 493 processos por intolerância e injúria preconceituosa por identidade ou expressão de gênero em tramitação no Brasil. Outros 466 versam sobre intolerância e injúria preconceituosa por orientação sexual.

 

População carcerária

Em 2020, outro normativo, a Resolução CNJ n. 348/2020, estabeleceu diretrizes e procedimentos com relação à população carcerária LGBTQIA+. O normativo estabeleceu o reconhecimento de pessoas desse grupo a partir de autodeclaração, que deve ser colhida pelo juiz em audiência, em qualquer fase do processo. Para apoiar a implementação dos procedimentos para garantia de direitos de pessoas LGBTQIA+ em conflito com a lei, o CNJ disponibilizou duas cartilhas com orientações simplificadas que consideram etapas do ciclo penal e do socioeducativo.

No ano seguinte, o Plenário do Conselho aprovou uma alteração nessa resolução para determinar que, em caso de prisão da pessoa autodeclarada LGBTQIA+, o local de privação de liberdade será definido pelo magistrado em decisão fundamentada, considerando essa identificação de gênero. Na aplicação da legislação vigente, será necessário indagar à pessoa autodeclarada transexual acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica.

Fonte: CNJ

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