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28 de Junho de 2022

G1 Mogi - Cartórios do Alto Tietê fizeram 112 retificações de nome e gênero nos registros de pessoas trans em quatro anos; saiba como solicitar

Procedimento passou a ser possível em 2018 e pode ser solicitado por qualquer pessoa a partir dos 18 anos, diretamente nos cartórios, sem necessidade de 'comprovação' da transexualidade.

A retificação de nome e gênero nas certidões de nascimento e casamento proporcionam dignidade às pessoas transexuais. Um direito previsto pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e que evita situações constrangedoras, além de garantir que essa parcela da população seja tratada de acordo com a identidade autopercebida.

De acordo com dados da Associação de Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), 112 pessoas solicitaram a mudança nos registros civis em cartórios do Alto Tietê entre agosto de 2018 e abril de 2022. Neste Dia do Orgulho LGBTQIAP+, o g1 mostra a importância do procedimento e como solicitá-lo em qualquer cartório da região (confira abaixo).

As retificações de nome e gênero nos registros de nascimento e casamento foram regulamentadas em 2018. Já naquele mês, sete alterações foram feitas nos cartórios de Suzano. Até o fim do ano foram 28. Em 2019 o número chegou a 29. No seguinte, em meio à pandemia, o índice caiu para 18. Foram 26 ao longo e 2021 e 11 entre janeiro e abril de 2022.

Na comparação entre municípios, Mogi das Cruzes foi o que realizou mais mudanças: foram 51 em quatro anos. Na sequência está Suzano, com 42. Em Itaquaquecetuba foram 14 ao longo de todo esse período, em seguida Santa Isabel com 5. Arujá, Biritiba Mirim, Ferraz de Vasconcelos, Guararema, Poá e Salesópolis ainda não fizeram nenhuma retificação.

Respeito, dignidade e autoestima

Hoje aos 28 anos, Julia de Almeida Faria foi uma das primeiras mulheres transexuais a fazer a retificação de nome e gênero em um cartório de Mogi das Cruzes. A jovem conta que chegou a iniciar um processo na Justiça, no qual teria que comprovar sua vivência enquanto pessoa transgênero. No entanto, foi surpreendida pela possibilidade de tornar o processo mais ágil.

“Lembro que, quando comecei a ir atrás disso, eu tive que conversar com meu antigo trabalho. Eles tinham que colocar no sistema o meu nome, o qual eu ia ser chamada, para que eu pudesse ter provas, pro juiz aprovar. Naquela época tinha que tirar foto com minha família, amigos, e mostrar que tenho a vivência do nome que eu ia ter futuramente”, comenta.

“Quando eu comecei a guardar essas provas, foi liberado pra poder fazer pelo cartório. Na época, fiquei muito feliz. Aqui em Mogi abriu essa opção, eu fui, corri atrás e consegui. No primeiro momento não foi tão fácil, porque tinha uma quantidade certa de pessoas que poderiam fazer. Depois corri atrás, vi as papeladas certinho e consegui entrar em processo no cartório”.

Desde então, a conquista tem proporcionado mais dignidade para a jovem, que só quer ter o direito de ir e vir sendo quem realmente é. Antes da retificação, Julia já tentava usar o nome social, mas nem sempre era respeitada. Também precisava lidar com a indelicadeza de quem via o nome masculino na identidade dela. Com a mudança nos documentos, este constrangimento ficou para trás.

“Muitas vezes passava por constrangimento em hospital, baladas que eu ia e ficava exposto o nome, tinha sempre que colocar o nome de registro. A gente passa por um constrangimento que não é legal. A partir do momento que você faz essa retificação, tudo fica mais tranquilo. Você se sente mais cidadã e se identifica com aquela essência que realmente tem dentro de si”.

Julia orienta que outras pessoas transexuais fiquem atentas aos seus direitos e busquem informações sobre a retificação de nome e gênero na certidão de nascimento. Ela ressalta que a medida proporciona qualidade de vida e garante que a identidade da pessoa trans seja minimamente respeitada.

“A gente se sente com a autoestima muito maior de estar com RG com seu nome, sua identidade realmente reconhecida pela sociedade”.

“Sou muito feliz de ter retificado. Isso aconteceu comigo há quatro anos. Foi logo no começo que a parte de retificação ficou mais fácil, mas hoje em dia é um alívio muito grande pra mim. O que eu recomendo pra todas as meninas é ir, fazer certinho, buscar saber como que tem que fazer, porque isso vai mudar muito a vida delas”.

É preciso ter feito cirurgia de redesignação sexual para retificar o nome?

Não. Em 2018 o STF conclui que “identidade de gênero não se prova”. Por isso, não é necessário comprovar a realização de cirurgia ou outros tratamentos hormonais de readequação física. Da mesma forma, o interessado não precisa apresentar laudo médico ou psicológico.

Como solicitar a retificação de nome e/ou gênero?

Basta procurar por um cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais e fazer a solicitação, apresentando os documentos necessários (confira a lista abaixo). A Arpen ainda destaca que não é possível alterar os nomes de família, pois a medida é válida, apenas para o prenome (que vem antes do sobrenome).

Quais os documentos necessários para realizar a retificação de nome e/ou gênero?

Ao procurar um cartório para solicitar a retificação, o requerente deve apresentar:

certidão de nascimento atualizada;

certidão de casamento atualizada, se for o caso;

cópia do registro geral de identidade (RG);

cópia da identificação civil nacional (ICN), se for o caso;

cópia do passaporte brasileiro, se for o caso;

cópia do cadastro de pessoa física (CPF) no Ministério da Fazenda;

cópia do título de eleitor;

cópia de carteira de identidade social, se for o caso;

comprovante de endereço;

certidão do distribuidor cível do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal);

certidão do distribuidor criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal);

certidão de execução criminal do local de residência dos últimos cinco anos (estadual/federal);

certidão dos tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos cinco anos;

certidão da Justiça Eleitoral do local de residência dos últimos cinco anos;

certidão da Justiça do Trabalho do local de residência dos últimos cinco anos;

certidão da Justiça Militar, se for o caso.

Qual o prazo para a mudança dos documentos?

Depois de entregar todos os documentos e protocolar o requerimento, o prazo é de cinco dias. Segundo a Arpen, será entregue uma segunda via da certidão de nascimento com as respectivas alterações.

O cartório também comunicará a retificação aos órgãos expedidores do RG, ICN, CPF e passaporte, além do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Porém, cabe à pessoa transgênero providenciar a alteração desses documentos.

Menores de idade podem fazer a retificação de nome e gênero?

Pessoas menores de 18 anos só podem retificar nome e gênero com autorização da Justiça.

Como ficam os documentos dos filhos da pessoa trans?

Se o solicitante tiver descendentes, dependerá deles, quando relativamente capazes ou maiores de idade, solicitar a retificação na própria certidão de nascimento.

A certidão de casamento da pessoa trans também muda?

A mudança do prenome e do gênero no registro de casamento depende da concordância do cônjuge. Se houver discordância, a mudança só será feita mediante decisão judicial.

O cartório pode se recusar a fazer a retificação?

Não. De acordo com o advogado Thiago Silveira Quinelato, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB de Mogi das Cruzes, os cartórios que se recusarem a fazer a retificação ou exigirem a apresentação de documentos "comprobatórios", como laudos médicos e psicológicos, estarão descumprindo o provimento do CNJ. Eles poderão sofrer sanções administrativas, além de ficarem sujeitos a ações judiciais e ao pagamento de indenizações.

Fonte: G1 – Mogi das Cruzes e Suzano

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